O fato de ninguém jamais ter visto um anúncio assim não significa que o produto anunciado nele seja tão gratuito quanto deveria ser. Na realidade, pagamos cada vez mais caro pela chance de desfrutar do arsenal de felicidade que a natureza nos cedeu gratuitamente desde o dia em que nascemos.
O kit completo inclui uma diversidade infinita de itens que vão desde pores do sol, corridas contra o vento, banhos de lua, céus bordados de nuvens, mergulhos no mar, rolar na areia, escutar passarinhos, tomar banho de cachoeira ou até tempo para prestar atenção à própria respiração.
Um rápido teste pode ser perguntar a alguém próximo sobre há quanto tempo ele não olha para o céu. Melhor não incluir estrelas na pergunta para não dificultar muito a resposta. Em nosso corre-corre diário na busca de um futuro melhor, quase nos esquecemos de que há uma árvore secular no final da rua, hospedando uma diversidade de passarinhos ou que há um firmamento acima de nossas cabeças e que, dependendo do dia, ele pode estar particularmente deslumbrante.
“Mal posso esperar as férias para me ver estirado num gramado, olhando o céu!”. É comum pessoas exclamarem assim, muitas vezes, sem se lembrar da pracinha ou do parque que têm bem perto de casa. E quantas vezes nos emocionamos frente a um comercial de automóvel com a cena de uma família reunida numa paisagem bonita? O que um automóvel tem a ver com a natureza? Praticamente nada. Mas a ideia de associá-lo como condição para se viver um momento de paz e alegria junto aos que amamos acerta em cheio nossa emoção, nos encorajando a esforços extras para possuir o carro anunciado.
Na busca de viver a felicidade que o mercado oferece, vamos perdendo tantas cenas diárias que, se não têm o glamour do comercial em questão, têm, no entanto, o gosto de ser de verdade. Se olharmos melhor, veremos que a felicidade que nos é vendida a um preço tão alto está bem embaixo do nosso nariz, dentro de nossas casas, em nosso quintal, ao redor de nossas mesas, numa volta de bicicleta, numa corrida matinal, num piquenique no campo, num espreguiçar domingueiro na velha rede da casa dos pais ou, até mesmo numa furtiva olhada para o céu enquanto o farol não abre.
O economista Ladislaw Dowbor, cuja visão sobre economia vai muito além do dinheiro, nos ajuda a refletir sobre essa substituição da felicidade real pela virtual que o marketing habilmente nos induz a fazer: “O sistema funciona porque adotamos, docilmente, comportamentos consumistas obsessivos, em vez de fazer música, pintar uma paisagem, cantar com um grupo de amigos, jogar futebol ou nadar numa piscina com nossas crianças”.
É claro que temos o direito a confortos e, para obtê-los, temos que trabalhar. Porém, não é bom que as crianças cresçam entendendo felicidade como aqueles dias em que pudemos viajar para longe à custa de muito trabalho e privação do convívio familiar. Como elas acreditam naquilo que ouvem e veem, se concluírem que a felicidade só entra em casa quando entra um objeto novo ou uma reserva de férias, poderão ter dificuldades em encontrar, mais tarde, satisfações que não sejam movidas só por dinheiro.
Entender que todas as coisas simples e belas que os comerciais nos prometem são exatamente as que perderemos se cedermos à sedução do consumo, pode mudar nossa visão de mundo e, consequentemente, a visão das crianças. Tudo o que nos pertence hoje, mas que nos é vendido tão caro e em migalhas, elas encontrarão de baciada pelo caminho por terem aprendido a olhar, respirar, se maravilhar e substituir a compulsão do ter pela alegria de ser. (#Envolverde)
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.