Estender a canga na grama e curtir o sol, a brisa e o som das folhas das árvores pode estar virando uma experiência símbolo do passado, pelo menos na cidade de São Paulo.
Por Cibele Quirino*
A capital paulista parece caminhar na contramão quando o assunto é área verde, corredor ecológico e até mesmo novos parques, em especial nas regiões mais centrais e de fácil acesso. A sociedade carece de espaços de lazer ao ar livre e o governo parece reconhecer a demanda. Mas por que os esforços da prefeitura, nessa área, possuem como principal característica superfícies onde o concreto domina o cenário?
No início de março, a prefeitura anunciou a criação do Parque Minhocão, projeto de lei de autoria do vereador José Police Neto (PSD) que será assim chamado nos momentos em que a via estiver fechada para os carros. Mas parque não é isso. E sequer é uma “oportunidade de ocupação dos espaços públicos de maneira diferenciada. Já tem comida de rua, food truck, muita coisa acontecendo ali no entorno”, como disse o prefeito Fernando Haddad. Parque é outra coisa, outro mundo, com natureza, temperatura reduzida por conta da área verde, em especial das grandes árvores.
Como ex-moradora do centro da cidade me veio à tona tudo o que o Minhocão representa. Sombra para inúmeros apartamentos, barulho para os moradores dos 140 condomínios no entorno dos 3,4 km da via, fuligem na janela, em casa, na roupa que seca, a degradação da área abaixo do viaduto e sim um pouco de sossego nas noites de segunda a sexta (nesses dias o fluxo de carros no Minhocão é fechado das 21:30 até às 06:30) e aos finais de semana a partir das 15:00 de sábado até 6h30 de segunda-feira – vale o mesmo para os feriados – quando o fluxo de carros é bloqueado.
O Minhocão de hoje se enquadra (na prática) apenas no programa Rua Aberta, só que com horário ampliado. A iniciativa que teve início no segundo semestre de 2015 busca oferecer lazer aos cidadãos em cerca de 20 importantes avenidas fechadas para os carros aos domingos das 10:00 às 16:00. Na Avenida Paulista o horário é estendido até às 18:00. A única diferença é que por ter recebido o nome de Parque, o Elevado Costa e Silva terá a partir de agora a criação de um conselho gestor e ações de zeladoria. Tudo pode mudar… mas ainda não mudou.
Explicaremos para as crianças que o Ibirapuera e o Minhocão são para a prefeitura a mesma coisa? Não, eles não são. Se os atuais governanentes que conheceram apenas parques verdes têm coragem de chamar o Minhocão de parque nos dias de hoje. Imagine o que pode fazer com a cidade a criança que crescer acreditando que o Ibirapuera e o Minhocão são iguais, são parques?
Imagine os desenhos dessas crianças sobre o tema. Em uma sala de 30 alunos quantos desenhos serão verdes e quantos serão cinzas?
Somando o decreto à decisão da prefeitura de estimular jardins verticais no entorno do Minhocão, como forma de compensação ambiental, a prefeitura dá sinais de que o presente que São Paulo recebeu em 1971 para otimizar a ligação leste-oeste (sim, o Minhocão foi um “presente” nos 417 anos de São Paulo) não será demolido.
Se for assim, tomara que em um futuro próximo ele de fato se transforme em parque, que a mudança no conceito se faça presente de forma prática. Com direito a área verde, playground, pássaro e gramado onde seja possível estender a canga e ter árvores enfim como testemunhas. (#Envolverde)
* Cibele Quirino é jornalista com mais de 10 anos de experiência na criação de matérias para as mais diversas plataformas, como revistas, jornais e portais de notícia para trade e público final. Coordenadora de comunicação de feiras de negócios de grande porte, como Couromoda, São Paulo Prêt-à-Porter e Hair Brasil. Pós-graduada em Meio Ambiente e Sociedade pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Vivência internacional em Vancouver/Canadá direcionada para registros sobre qualidade de vida e sustentabilidade. Autora de biografias da série de livros “Me conte a sua história”, programa voluntário com foco no bem-estar de idosos que vivem em instituições de longa permanência.