Secundaristas de São Paulo fizeram uma pesquisa online para saber a opinião de outros jovens sobre a reforma do ensino médio proposta pelo governo
Por Luciana Maria Allan*
A reforma do Ensino Médio no Brasil tem provocado discussões calorosas. Apresentado pelo governo federal e recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto-base da Medida Provisória gerou polêmica entre especialistas em educação e tem atraído grande atenção da mídia.
Mas há um aspecto que tem sido negligenciado em todo esse processo, poderíamos até mesmo dizer que desde sempre: ninguém quis saber qual é a opinião dos alunos, justamente aqueles a quem a escola deve servir. O que pensam sobre o projeto do Ministério da Educação? Mais: qual a visão deles sobre a escola? Como ela deveria ser?
Esse deveria ser o ponto de partida de qualquer discussão sobre os rumos da educação, ainda mais agora, com a divulgação do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que, mais uma vez, registra um desempenho fraco dos estudantes brasileiros em áreas como matemática, ciências e língua portuguesa. Embora tenha de ser visto com ressalvas, pois não privilegia a análise de outros fatores importantes, como o desenvolvimento das competências socioemocionais, esse estudo de alguma forma serve como indicador de que as coisas precisam melhorar na educação brasileira. E muito.
A voz dos alunos
Dispostos a trazer a voz dos alunos para o centro do debate, alguns secundaristas de São Paulo resolveram fazer uma pesquisa online para saber a opinião de outros jovens sobre o novo modelo educacional proposto pelo governo e de que modelo de escola eles gostariam de fazer parte. O trabalho foi realizado por Victor Macário, Caio Muniz de Souza, Fernando Padoin Andrade de Oliveira e Gustavo Henrique Crisostomo Serafim, com idades entre 17 e 18 anos, em parceria com as estagiárias do Instituto Crescer Ana Júlia Deusdeante La Laima, Kelly Cristina Martins Braz de Lima e Mayara Belli, jovens recém-egressas do Ensino Médio. Eu tive a oportunidade de mediar essa ótima iniciativa dos alunos.
O levantamento contou com 1851 participantes de todas as regiões do Brasil. Dos respondentes, 62% estudam na rede de educação pública e o restante na privada. A região Nordeste é a responsável pela maior parte dos participantes (52%) – é possível acessar o estudo aqui.
O levantamento apurou que 52,6% não teriam disponibilidade para estudar em uma escola de tempo integral. Além disso, 41,6% afirmaram que o aumento da carga horária não necessariamente faria com que aprendessem mais. Na visão da maioria (54,1%), a inovação na didática é o que realmente importa – dentro desse universo, há espaço até para opiniões mais radicais, apesar do resultado tímido (6,5%) para a estratégia que, em particular, mais me agrada como a de que tem que mudar absolutamente tudo: não ter mais a escola organizada em disciplinas e revolucionar a forma como o professor leciona.
Quando o ponto abordado é se as aulas deveriam ser ministradas somente por professores, a pesquisa constatou que 55% preferem os docentes, ainda que 57,5% acreditem que hoje seja possível aprender qualquer coisa em qualquer lugar. A pesquisa não levantou a opinião sobre o processo de ensino ser conduzido por um notório saber, como é previsto no projeto da MP.
Ensino Médio e Técnico
O levantamento também identificou a visão sobre a relevância ou não de uma educação profissional, com saberes técnicos e práticos, como o primeiro contato dos estudantes com uma preparação para o mercado. Os participantes do levantamento entendem que é importante a formação técnica para qualificar o aluno, pois isso pode beneficiá-lo logo que saem do ensino médio (73,6%). Mas 32% dizem existir fatores limitantes no processo de implantação deste tipo de formação, sendo que 24% mencionam a falta de infraestrutura nas escolas (principalmente na esfera pública) como o principal problema.
Para sintetizar as principais descobertas da pesquisa, é possível dizer que:
– Os estudantes querem que os políticos esclareçam melhor o que pretendem com a reforma do Ensino Médio e, principalmente, ouçam educadores e alunos a esse respeito;
– A implementação da educação profissional, com espaço para conhecimentos técnicos, é vista como algo positivo, embora haja receio com a falta de estrutura escolar para dar conta dessa demanda. Para eles, o mais importante mesmo é repensar a didática;
– A flexibilização do conteúdo agrada, pois motiva a estudar temas que são de interesse de cada estudante;
– A maioria é contra o aumento da carga horária porque isso os impediria de trabalhar e também porque não haveria estrutura adequada nas escolas para lidar com esse novo modelo.
Alguns pontos merecem ser destacados na análise desses resultados. Como se vê, os alunos querem mudanças, mas desejam participar do processo, ser agentes do próprio futuro. E também demonstram buscar uma escola em que sejam protagonistas e possam aprender na prática coisas que tenham significado para a vida deles.
É nesse sentido que deve ser interpretado o dado sobre educação técnica contido na pesquisa. Sobre essa questão, é importante esclarecer que o projeto de reforma aprovado não fala em transformar o Ensino Médio em Ensino Técnico, mas sim oferecer uma qualificação profissional. O texto prevê que o conteúdo obrigatório será orientado para atender cincos área: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
O Brasil e o PISA
A discussão sobre que escola desejam nossos alunos ganha contornos especiais quando observamos os resultados mais recentes do PISA. Segundo a prova, coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e aplicada em 2015 em 70 países, o Brasil caiu no ranking mundial da educação. O País ficou na 63a posição em ciências, na 59aem leitura e na 66a em matemática.
Como já citei, é preciso contextualizar esse desempenho, pois a prova não leva em consideração aspectos hoje vistos como essenciais na educação, como as competências socioemocionais. Mas é possível enxergar, por trás dos números, que o desempenho medíocre nas áreas avaliadas é reflexo de um sistema educacional desconectado da realidade do aluno brasileiro. Frequentar a escola para lidar todo dia com um conteúdo formatado em cursos baseados no modelo do século 21 certamente não é algo que cativa os adolescentes da era digital.
É preciso inserir um chip novo na educação brasileira. O exercício da cidadania, como previsto na Lei de Diretrizes e Bases e o desenvolvimento de competências para o Século 21, têm de se dar na prática, no dia a dia da escola.
Ao motivar os alunos a se envolverem em uma pesquisa relevante para eles e para o País, como a que mostrarmos neste artigo, temos um processo de mão dupla: estimulamos o desenvolvimento de diversas competências nos jovens e também temos como retorno um processo político mais legítimo e democrático. Isso certamente pode contribuir para que possamos levar, na direção correta, o necessário e urgente processo de modernização do sistema educacional brasileiro. (Porvir/ #Envolverde)
* Luciana Maria Allan é diretora do Instituto Crescer para a Cidadania e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias aplicadas à educação.
** Publicado originalmente no site Porvir.