Por Lyndal Rowlands, da IPS –
Nova York, Estados Unidos, 14/2/2017 – Apenas 0,2% dos fundos destinados à ajuda humanitária é entregue diretamente a organizações não governamentais locais e nacionais, segundo um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa análise foi publicada antes da Cúpula Humanitária Mundial, realizada em maio de 2016, mas pouco mudou, quase nove meses depois desse encontro. Os doadores internacionais continuam ignorando as ONGs com raízes e conhecimentos locais, apesar de seus custos operacionais serem, geralmente, muito menores.
O informe, que o Grupo de Alto Nível sobre Financiamento Humanitário entregou ao secretário-geral da ONU, diz que a responsabilidade das respostas às crises deveria ser dada às pessoas mais afetadas. Seus integrantes destacaram que as organizações locais apresentaram uma queixa comum, de que as ONGs são “tratadas como subcontratados, e não como verdadeiros sócios”.
Para saber qual é a situação das organizações locais que trabalham nos entornos da ajuda humanitária, a IPS conversou com Fadi Hallisso, cofundador da Basmeh e Zeitooneh, uma organização síria que apoia os refugiados da Síria no Líbano e na Turquia. Ele afirmou que alguns dos programas de sua organização tiveram êxito apesar da desconfiança dos grandes doadores internacionais. Um exemplo é uma oficina que a ONG começou em Beirute em que os refugiados bordam sapatos e produzem outros artesanatos.
“Nos aproximamos de diferentes organizações internacionais e todas nos diziam que não era factível. Fizemos o estudo de mercado e não há mercado para essas coisas, afirmavam”, contou Hallisso. Por isso, a Basmeh e Zeitooneh solicitou os fundos para o projeto a empresários locais. A oficina prosperou e os produtos confeccionados pelos refugiados agora são exportados para Estados Unidos e Europa. Só quando a ideia teve sucesso, os doadores internacionais mostraram interesse, destacou.
Entretanto, apesar dessa falta de apoio, afirmou que também é testemunha de programas internacionais que lutam para ganhar o apoio dos moradores locais. Em um dos casos, uma ONG internacional que instalou centros recreativos não sabia o motivo de as pessoas não usá-los. Por isso “pediram nossa ajuda para recrutar pessoas e encontrar crianças que quisessem frequentá-los”, disse o ativista.
Os refugiados “chegavam da Síria apenas com a roupa do corpo. Tinham muitas necessidades básicas além das que esses espaços ofereciam e não conheciam o mundo das ONGs, não sabiam quem eram as pessoas e não confiavam nelas. Por que enviar seus filhos?”, explicou Hallisso. Esse exemplo revela a importância que tem se solidarizar com outros mostrando que “conhece suas necessidades e está respondendo a elas”, acrescentou.
Embora nem todas as organizações locais tenham êxito, a Basmeh e Zeitooneh agora conta com mais de 500 funcionários, apontou o ativista. “Nunca imaginei que nos converteríamos em uma organização com 500 empregados em vários países. Só estávamos fazendo o que achávamos ser nosso dever, ajudar nosso povo, nossos cidadãos, demonstrar-lhes humanidade, o que resultou ser a resposta correta porque compreendemos o que necessitavam”, enfatizou.
No entanto, apesar de a Basmeh e Zeitooneh ter crescido, ainda encontra obstáculos quando tem que lidar com doadores internacionais, inclusive a demora na realização das avaliações de necessidades e falta de interesse em financiar projetos menores. Como indicou Hallisso, os doadores se preocupam com que as ONGs locais não tenham “sistemas financeiros funcionando, políticas e procedimentos que impeçam a corrupção e o roubo de dinheiro”.
Além disso, as organizações também têm dificuldade em encontrar apoio para desenvolver essas capacidades. “Tivemos capacitação em como escrever propostas, mas isso não é tudo. Precisávamos apoio para comprar software de contabilidade. Nenhum dos doadores estava disposto a nos dar o dinheiro necessário para a compra”, afirmou Hallisso.
E não apenas os doadores internacionais têm dúvidas na hora de financiar ONGs locais. Os doadores individuais tampouco sabem como apoiar as organizações diretamente desde o estrangeiro. “Frequentemente encontro pessoas que me dizem que querem ajudar mas não sabem como, não sabem para quem dar o dinheiro, por medo de que vá para mãos erradas ou grupos terroristas”, contou o ativista. Ele propõe que uma maneira de abordar o problema seja pelos meios de comunicação.
“Creio que o problema que têm os meios de comunicação em geral com relação à Síria é que fazem muita cobertura da ação militar, do terrorismo e do grupo radical Estado Islâmico. Vemos muito pouco sobre os bons exemplos sírios que tentam ajudar e fazer o bem”, queixou-se Hallisso. O ativista se encontrava em Nova York para participar de encontros preparados pela organização internacional Oxfam, que se associou à Basmeh e Zeitooneh antes da proibição que o governo de Donald Trump impôs aos cidadãos sírios, e de outras nacionalidades, de viajarem para os Estados Unidos. Envolverde/IPS