Tenho lido muitos livros de acadêmicos e intelectuais que tiveram seus pés em dois séculos: o século XX e o século XXI: Morin, Domenico de Masi, ainda vivos e com lições de otimismo para nós; e mortos, Simone de Beuavoir, Bauman, Levistrauss, Umberto Eco e Immanuel Wallerstein. E agora, motivada pela Rosa Freire d’Aguiar, retomei o Celso Furtado.
Montados em pontos de vista elaborados pela literatura, sociologia, história e antropologia, eles discorrem sobre as dramáticas transformações do nosso mundo, de nossas percepções e da falência das nossas mais queridas utopias.
Numa entrevista famosa, e das poucas que Lévi-Strauss deu pouco antes de morrer (acho que a vi no Canal Curta ou Film&Arts), ele se dizia sem medo da morte, pois não se identificava mais com nada do que via – não encontrava mais os valores pelos quais tinha se batido ou acreditado. Ele experimentava o mais radical “estranhamento”.
Tenho mais de 65 anos e menos de 70. Como o icônico antropólogo francês, autor de “Tristes Trópicos “, começo a experimentar este sentimento de olhar muita coisa à minha volta e não reconhecê-las, não ter por elas afeto, paciência e pior, nem mesmo curiosidade.
Não sou passadista e quem me conhece sabe que a minha palavra inscrita no céu é “next”. Sou pessoa de jornadas e rupturas. Por isto transitei e deixei sem saudades o mundo dos partidos políticos, da academia, das ONGs, do poder autista de Brasília e nunca tive dúvidas em mudar de turma quando tudo parece repetição, egos em delírio, patrulha e outros cacoetes que prefiro não nomear. Trouxe de cada universo intelectual em que estive, amigos que cultivo ainda hoje, pessoas que ainda são minha referência e meu alento.
Todo este preâmbulo para dizer que, a partir da minha própria experiência, tentarei – sem pretensão de ser exaustiva (até porque não cabe), recapitulando a minha infância e juventude, verificar como eu mapeava o mundo, com que repertório e com que recursos.
O que era preconceito, cultura, política e sucesso, quando eu vivia os anos da minha formação?
Vocês poderão perguntar, e é justo que o façam, mas o que deu nela, onde pretende chegar?
Meu ponto de partida é a minha experiência, o contexto familiar, o social em que vivi a infância (1955-1965) e minha juventude (1965-1975).
A primeira parte, eu a vivi entre três cidades: Belo Horizonte, Salvador e São Paulo. A segunda totalmente em São Paulo, com visitas ocasionais a parentes no Rio de Janeiro: férias de classe média, bem média, quase pobre, eram visitar os parentes.
Com esta incursão biográfica, que desenvolverei em mais dois textos a seguir, quero mostrar a vocês, amigos, e a quem possa interessar, que tudo o que era sólido se desmanchou no ar (Marshal Bermann).
Que o nosso mapa do mundo voou da janela do nosso carro a cem por hora numa estrada em que de um lado vemos um precipício – de outro um nevoeiro denso. Continuamos dirigindo, usando nossa habilidade mecânica. Do mapa, retivemos na mente fragmentos. Do destino, pouco sabemos, até porque a estrada à nossa frente e a velocidade criam em nós um frenesi. Queremos chegar. Onde?
E tudo começou lá atrás, entre 7 e 10 anos, quando meninos ou meninas, no momento em que nosso mundo se limitava ao bairro e ao quintal.
… continua no próximo Post.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
Este texto faz parte da série que estou escrevendo sobre os anos da minha formação e de como me tornei ambientalista nos anos 90.