Efeito ISER e uma esperança chamada Lula.
Sou sagitariana típica. Tenho “roda nos pés” (fascinação por viagens e gosto de movimento). Para quem desdenha da astrologia, vou avisando: acho, como Carl Gustav Jung, que ela é bem interessante como ciência dos arquétipos. Não creio em horóscopos de revista, mas presto atenção nas tipologias de gente. Em algum momento do passado fiz um curso de Tarot e até “tiro cartas” para amigos. Sou livre e curiosa. Tento viver poeticamente, ainda que a política me ferva nas veias.
Efeito ISER (Instituto de Estudos da Religião) – quem viveu, e passou por ali, sabe: abrir-se para o conhecimento, despir-se dos preconceitos e agir sobre a injustiça real, concreta. A religião para o ISER não era ópio do povo, mas a janela onde cada crente buscava combinar sua vida e suas necessidades espirituais. Sua sensibilidade com a compaixão ou amor ao próximo.
Ali convivi com católicos da teologia da libertação – pessoas como os irmãos Boff (Clodovis e Leonardo); com protestantes, com judeus de rabinato modernizante (como Nilton Bonder, que foi presidente da Instituição); com mães de Santo (Mãe Beata, já falecida); xamãs, ciganos, evangélicos, budistas e seguidores do Daime.
A essa diversidade toda – ou saco de gatos – alguém projetou uma imagem positiva: o ISER seria “uma casa de muitas janelas”. A cara do meu país, cuja identidade sincrética sempre apreciei.
O que tinham em comum todos esses grupos? Mostrar que um movimento interreligioso era possível – o ecumenismo estava em alta – e que podia-se trabalhar em conjunto pelo bem estar social.
Como já disse, entrei pela porta do catolicismo, como pesquisadora de um grupo de acadêmicos e assessores. Ali estavam figuras como Luís Eduardo Soares, Pedro Eduardo de Oliveira, Regina Reyes Novais, e uma centena de intelectuais de outras cidades e até países, entre eles Scott Mainwaring, Ralph Della Cava, Ken Serbin. Pilotando a instituição, o antropólogo Rubem Cesar Fernandes de quem eu tinha lido, quando estudante, o livro sobre romeiros intitulado “Os Cavaleiros do Bom Jesus”.
Trabalho voluntário.
Desse grupo saí para organizar a área de estudos e atuação sobre meio ambiente, logo após a Rio-92. Substituí Hector Leis, um argentino que fora membro dos Motoneros, e que exilado no Brasil tornou-se professor universitário, primeiro da PUC no Rio, depois na Universidade de Santa Catarina, onde lecionou até falecer.
Durante oito anos coordenei essa área e com o tempo tornei-me dirigente da instituição inteira.
Nela, a diversidade de temáticas e grupos imperava: direitos humanos; prevenção contra aids; atendimento a presos e suas famílias; feminismo; a questão racial; meio ambiente, pobreza e violência. Um curso completo sobre os problemas do Brasil e do Rio de Janeiro.
Era a sociedade brasileira cuidando da sociedade, praticamente sem a mão longa e clientelista do Governo.
Dali nasceu o Viva Rio, um dos movimentos mais interessantes de luta pela cidade. Com os anos virou uma ONG que teve muito protagonismo no enfrentamento da violência. Por exemplo, coordenou – pela sociedade civil – o movimento pelo Desarmamento, que virou um plebiscito nacional. Fui pessoalmente buscar dinheiro na Europa para ajudar. Participei ativamente da campanha de informação junto à população.
Ali, creio tivemos uma derrota que já indicava o que viria a seguir.
O Estatuto das Armas, fruto dessa luta – quando plebiscitariamente a população brasileira rejeitou a eliminação do porte de armas, está hoje sendo fortemente atacado pelos bolsonaristas.
No texto anterior, mencionei o boom dessa atuação das organizações não governamentais.
Merece um estudo de envergadura.
O fato é que muitas políticas públicas saíram desses núcleos sociais, civis, das ONGs nos anos 90: a política de segurança alimentar (Ibase); o Marco Legal das ONGs (Fase), o Estatuto do Desarmamento (ISER Viva Rio); a criação de leis e de como implementar a Agenda 21 (ISER).
Havia uma promiscuidade positiva entre a academia (universidade e institutos de pesquisa) e essa constelação de ONGs ativistas.
A redemocratização do País avançava e a pauta social ganhava tribunas em todos os segmentos. Muitos exilados retornaram à política. O PT era a novidade política que atraía jovens e intelectuais.
O comício pró-Lula na Cinelândia e Candelária (quando da sua derrota para Collor) na nossa primeira eleição direta, inflamou corações mentes.
Lembro como se fosse hoje, saímos cedo do trabalho e em grupos, em direção ao centro. O comício marcado para as 19 horas. Hordas de gente avançava por todas as ruas que davam acesso àqueles espaços. Um sapo gigante era carregado nos braços por uma multidão em alusão ao “sapo barbudo”, apelido dado à Lula por Brizola.
Encontrávamos amigos, parentes, colegas de trabalho pelo caminho – nos abraçávamos. Muitos não hesitavam em chorar – os cantos e slogans eram catárticos. Muitos iam votar pela primeira vez e o que se via era o mar vermelho – de bandeiras vermelhas, e uma grande euforia. Todas as tendências de esquerda se uniram em torno do seu nome.
Collor ganhou a eleição. As bandeiras de outra cor e o fervor de outras visões políticas não vimos.
Uma ressaca nos fez todos viúvos de Lula: o primeiro operário que iria governar o país dos oligarcas e dos escravocratas.
O filhote da oligarquia nordestina, com verniz de moderno (estudou fora do País, foi playboizinho em Brasília) ganhou as eleições.
Deu no que deu. História conhecida, e já muito lamentada.
Voltamos ao trabalho incansável e mal remunerado das ONGs e eu descobri a última – em cronologia – das utopias que me apaixonariam.
Entrei de cabeça na temática da Ecologia.
1992 marcou o mundo e minha vida também.
… continua no próximo Post.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
Este texto faz parte da série que estou escrevendo sobre os anos da minha formação e de como me tornei ambientalista nos anos 90.
(#Envolverde)