Política Pública

Respire fundo, mas não qualquer ar

A contaminação aérea no Cairo, capital do Egito. Foto: Kim Eun Yeul/Banco Mundial Fonte:Centro de Notícias da ONU
A contaminação aérea no Cairo, capital do Egito. Foto: Kim Eun Yeul/Banco Mundial Fonte:Centro de Notícias da ONU

Por Baher Kamal, da IPS – 

Roma, Itália, 3/9/2016 – O alarme é sério e os fatos são contundentes: 92% da população mundial vive em lugares onde a contaminação aérea supera os limites considerados aceitáveis. Além disso, 6,5 milhões de pessoas morrem por ano devido a problemas relacionados com a má qualidade do ar.“Os meios rápidos para frear a contaminação aérea não chegarão muito cedo”,advertiu María Neira, responsável ambiental da Organização Mundial da Saúde (OMS), com sede em Genebra.

O alerta foi dado por Neira no dia 27 de setembro,ao comentar o modelo de qualidade do ar, que inclui mapas interativos que destacam as zonas que, nos países estudados, superam os limites fixados pela OMS. A população mundial chegou aos 7,35 bilhões de pessoas em 2015, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). “As soluções incluem as cidades contarem com transporte sustentável, boa gestão de resíduos, acesso a fogões e métodos de calefação domésticos limpos, bem como usar energias renováveis e reduzir as emissões industriais”, detalhou.

Quase 90% das mortes ocorrem em países de rendas baixa e média, com quase duas em cada três mortes nas nações do sudeste asiático e Pacífico ocidental.“A contaminação aérea continua impactando a saúde das populações mais vulneráveis, mulheres, meninas, meninos e idosos”, ressaltou a assistente do diretor-geral da OMS, Flavia Bustreo. “Para as pessoas se manterem sadias, devem respirar ar limpo, desde a primeira até a última inalação”, acrescentou.

A contaminação aérea é um grande problema para a saúde humana. Foto: Radek Kolakowski CC/Pnuma
A contaminação aérea é um grande problema para a saúde humana. Foto: Radek Kolakowski CC/Pnuma

 

Nem toda contaminação aérea é consequência de atividades humanas. Por exemplo, a qualidade do ar também depende das tempestades de areia, em especial nas zonas próximas aos desertos. “O novo modelo da OMS mostra onde estão os lugares mais perigosos em matéria de contaminação e oferece uma base para monitorar o avanço dos esforços para combatê-la”, explicou Bustreo.

Desenvolvido em colaboração com a Universidade de Bath, na Grã-Bretanha, o informe da OMS apresenta os dados mais detalhados já obtidos até agora em matéria de contaminação do exterior, em relação aos seus efeitos sobre a saúde humana, graças a medições com satélites, modelos de transporte aéreo e estações terrestres em mais de três mil locais, tanto rurais quanto urbanos.

Cerca de três milhões de mortes ao ano se relacionam com a exposição ao ar livre contaminado, mas a contaminação de interiores não é menos perigosa. Em 2012, foram registrados 6,5 milhões de mortes (11,6% das registradas no mundo) estavam associadas à contaminação aérea, tanto interna quanto externa. Aproximadamente 94% dessas mortes derivam de enfermidades não transmissíveis, especialmente problemas cardiovasculares, embolias, doenças pulmonares obstrutivas crônicas e câncer de pulmão. A contaminação aérea também eleva o risco de infecções respiratórias agudas.

“O novo modelo representa um grande salto na disposição de estimativas confiáveis sobre a enorme carga global que supõem os mais de seis milhões de mortes, uma em cada nove de todas as registradas, derivadas da exposição ao ar contaminado”, afirmou Neira, diretora na OMS do Departamento de Saúde Pública, Ambiental e Determinantes Sociais da Saúde.

As diretrizes sobre qualidade do ar ambiente da OMS limitam a exposição média anual a partículas com diâmetro inferior a 2,5 micras, como sulfatos, nitratos e carvão negro, que penetram nos pulmões e no sistema cardiovascular, colocando em risco a saúde das pessoas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, se referem também à redução substancial do número de pessoas que morrem ou ficam doentes por respirarem ar contaminado.

Mapa interativo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foto: Organização Mundial da Saúde
Mapa interativo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foto: Organização Mundial da Saúde

O tema das cidades sustentáveis, também um dos ODS, será o eixo do painel de mídia e sociedade civil que a IPS e a Fundação ONU realizarão entre os dias 27 e 28 deste mês, em Quito, no Equador. Esse painel faz parte de uma série de iniciativas de capacitação levadas adiante pela IPS e pela Fundação, em outubro e novembro, sob o lema Decodificando o Futuro. As outras duas acontecerão em países europeus e uma terceira na Ásia.

Nenhuma região se salva do ar contaminado, nem mesmo a próspera Europa. A contaminação aérea, a mudança climática, os estilos de vida pouco saudáveis e a desconexão entre as pessoas e o ambiente afetam cada vez mais a saúde humana na Eurásia, segundo o último informe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Comissão Econômica da ONU para a Europa (Cepe).

O informe, divulgado em 8 de junho, exorta por uma cooperação maior e um enfoque mais integrado para atender os desafios transfronteiriços na Eurásia, que inclui 53 países da Europa, o Cáucaso, a Ásia Central e também Israel. Desses desafios, a má qualidade do ar é a maior ameaça, com mais de 95% da população urbana da União Europeia exposta a elevados níveis de contaminação e acima das diretrizes da OMS, segundo o último Panorama Ambiental Mundial (GEO-6), publicado em 29 de setembro pelo Pnuma de Nairóbi e a Cepe.

Mais de 500 mil mortes prematuras nessa região foram atribuídas, em 2012, à má qualidade do ar exterior e cem mil à contaminação interna, diz a avaliação. O Pnuma e a Cepe alertaram que uma urgente mudança de incremental para transformacionalvai ajudar a reverter alguns dos indicadores.

“A avaliação GEO-6 da Eurásia destaca como uma transição para uma economia inclusiva e verde deve se basear em ecossistemas resilientes, uma boa gestão de produtos químicos e sistemas de produção limpos, bem como em opções de consumo saudáveis”, pontuou Jan Dusik, diretor do escritório europeu do Pnuma.

O estudo também concluiu que os desafios ambientais que a região enfrenta se tornarão sistêmicos e complexos, enquanto a capacidade de enfrentá-los dependerá de megatendências que estão fora de seu controle. “O informe oferece informação nova sobre os problemas ambientais emergentes na região e ajudará os governos a desenharem políticas para o futuro”, destacou o secretário executivo da Cepe, Friis Bach.

Outros desafios apresentados na avaliação GEO-6 são a mudança climática, considerada uma das grandes ameaças para a humanidade e a saúde dos ecossistemas, bem como para o desenvolvimento sustentável na Eurásia. O aquecimento global “também é um acelerador de muitos outros riscos ambientais, com consequências para a saúde decorrentes de inundações, ondas de calor, secas, menor produtividade agrícola, contaminação aérea exacerbada, alergias, vetores e doenças derivadas de alimentos e água contaminada”, destaca o estudo. Envolverde/IPS