Sociedade

A segurança das crianças está na cara da gente

(*) Por Maria Helena Masquetti, especial para a Envolverde – 

Quem já enfrentou uma turbulência num voo, possivelmente sabe o quanto é tranquilizante notar que as aeromoças prosseguem tranquilas alguma conversa informal. Se estiverem rindo, então, podemos até adormecer com solavancos e tudo. Certamente, porque o que lemos na expressão delas é a segurança da experiência em voos que nos falta e o conhecimento da rota que lhes permite antever que tudo irá se acalmar.

Pais, parentes, educadores e cuidadores, somos como essas aeromoças enquanto cuidadores dos voos que nossas crianças estão alçando rumo à construção de suas identidades. Por mais que a turbulência das mensagens comerciais que bombardeiam os pequenos diariamente tente convencê-los de que lá fora “todo mundo está usando, todo mundo está comprando!”, sabemos que o marketing está apenas chacoalhando no ar frases de efeito endereçadas a um dos pontos mais frágeis das crianças, que é o temor natural que elas têm de se sentir excluídas de seus grupos.

Difícil recusar a uma criança um brinquedo que, para ela, significa estar em conexão com milhares de outras crianças. A coleção de uma minúscula boneca, anunciada por apresentadores mirins que ocupam canais na internet, é um exemplo dessa sedução comercial tão similar à chantagem. Numa estratégia hábil, o marketing chega a pressionar também muitos adultos como se lhes dissesse: “Se você não der meu produto a seu filho, ele se sentirá excluído”.

Porém, as manobras de vendas podem não surtir o efeito planejado se as crianças virem na expressão daqueles que as amam, a confiança inabalável na fábrica sem fim de brinquedos que habita cada uma delas. Tal como as aeromoças citadas, a confiança de que ser é muito maior do que ter expressa em nossos semblantes, pode ser o que realmente importa para nossas crianças.

A segurança e o calor de nossa presença, somada ao estímulo que podemos dar a elas de explorar espaços, pesquisar, experimentar, descobrir e de criar brinquedos que brotam dos anseios genuínos delas, certamente as ajudará a suportar melhor as turbulências do consumo que estremecem pela ganância as bases dos jardins da infância.

Embora saibamos o quanto é difícil dizer não para uma criança, somos, por outro lado, as pessoas em quem elas mais confiam e se espelham. Se não têm condições de questionar o mercado agora, certamente terão mais tarde. Fora isso, reconhecer os sentimentos delas e demonstrar que compreendemos o quanto lhes é penoso lidar com tantos desejos, as fortalece também por serem levadas em conta.

Maior que as marcas de tantos produtos são as marcas do amor que temos por elas, marcas que não saem de moda, que não enganam, que não exploram a ingenuidade infantil e que, além disso, não tiram delas o tempo impagável de viver plenamente sua infância.

Sobre as experiências tristes que hoje trazem dissabor a muitos adultos, raramente elas se restringem à falta de brinquedos da moda, mas, sim, à falta de outros brinquedos que envolviam afeto. Olhar uma criança se equilibrando num brinquedo com o estimulo de alguém que a ama quando não se teve a mesma sorte, isto sim poderá ser motivo para alguém se sentir excluído. Ter perdido a chance de escorregar na lama, de se banhar aos gritos na água gelada de uma cachoeira ou de ralar os braços ao subir o mais alto que poderia sobre uma árvore para, de lá, quase tocar o céu, isto sim pode resultar na sensação de ter ficado de fora na infância.

Se é importante lembrar que, afinal, nossos pequenos vivem dentro de uma realidade, é mais importante ainda lembrar que o marketing não é o dono dela. Há uma outra realidade, maior, mais legítima e mais capaz de produzir felicidade presente e futura para nossas crianças que é a certeza de serem únicas e com desejos únicos, de serem amadas e protegidas de abusos e respeitadas e honradas por serem, enfim, o bem mais caro da humanidade.

(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.