por Clauber Leite e Munir Soares*, IDEC –
A pandemia de covid-19 salientou a vulnerabilidade dos povos que vivem em localidades remotas da Amazônia Legal. A falta de acesso a serviços essenciais, como energia e saneamento básico, é associada ao elevado nível de óbitos pela doença na região. Entre os indígenas, em particular, já são mais de mil mortos, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Esse cenário reforça a urgência de se melhorar a infraestrutura local, em particular por meio da promoção da universalização do acesso ao serviço de energia elétrica. Afinal, além de melhorar a qualidade de vida, o serviço pode auxiliar no enfrentamento de crises sanitárias e favorecer a resiliência das comunidades.
O Brasil empreendeu um esforço significativo em favor da universalização elétrica nos últimos anos. O Programa Luz para Todos (LpT) beneficiou um total de 16,5 milhões de pessoas entre 2004 e meados de 2019, segundo informações da Eletrobrás. Mas o desafio das comunidades remotas na Amazônia Legal só começou a ser enfrentado recentemente, com a criação do programa Mais Luz para a Amazônia (MLA). Estimativas indicam que ainda existam atualmente cerca de 1 milhão de pessoas sem acesso à energia elétrica na região.
Importante observar que boa parte da Amazônia não está conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). O atendimento dos municípios e localidades onde já existe o serviço é feito, portanto, por meio de sistemas isolados que, em sua maioria, utilizam geradores a diesel. Esses sistemas possuem elevados custos de geração, baixa eficiência e elevada necessidade de manutenção, além de implicarem complexa logística de transporte do combustível, riscos de poluição local e emissões de gases de efeito estufa. Por outro lado, o uso de diesel na região é amplamente difundido, as cadeias de fornecedores estão estruturadas e a comercialização desse combustível gera receita estadual por meio da cobrança de impostos.
Projetos desenvolvidos pelo Instituto Socioambiental (ISA) no Território Indígena do Xingu mostram, no entanto, que as fontes de energia descentralizada, limpa e de baixo impacto como a solar fotovoltaica são as opções de maior viabilidade para o atendimento das populações, por conta da facilidade de apropriação tecnológica pelas comunidades e pelo modelo não dificultar as atividades cotidianas das famílias.
Os resultados de experiências como essas reforçam a necessidade de que sejam consideradas fontes renováveis nas novas políticas para a região, como felizmente indicado no MLA. Mas o programa precisa avançar muito para efetivamente enfrentar os problemas. Os desafios incluem a realização de um mapeamento completo das comunidades das áreas remotas sem acesso à energia e a elaboração de um plano nacional de eletrificação rural atualizado. Esse plano deve ser construído a partir dos protocolos de consulta às comunidades, para assegurar o atendimento integral das demandas, tendo em vista a diversidade sociocultural existente.
Também é preciso que a política garanta energia suficiente para as necessidades domésticas e produtivas das comunidades, bem como a implementação de programas robustos de treinamento e capacitação pode garantir que os próprios moradores sejam responsáveis pela gestão dos sistemas. Além disso, é preciso haver integração com outras políticas públicas, pois o desenvolvimento sustentável das comunidades também depende de ações nas áreas da saúde, educação, moradia, saneamento básico, comunicação e alimentação. Também são fundamentais total transparência no cronograma e critérios de conclusão das metas estabelecidas para as distribuidoras, com monitoramento e prestação de contas frequentes, além da indicação de uma data para que o processo de universalização da região amazônica seja totalmente concluído.
Infelizmente os desafios para a conclusão completa do programa são amplos e sua conclusão deve levar alguns anos. De qualquer forma, a celeridade e a qualidade no seu desenvolvimento são fundamentais para que os povos da região tenham melhores condições não só de enfrentar crises sanitárias como a que estamos vivendo, como ganhem condições mínimas de melhor qualidade de vida das quais têm sido alijados há muito tempo. Afinal, se essas deficiências na infraestrutura da região já tivessem sido supridas, certamente as famílias teriam agora melhores condições de enfrentar a pandemia e a quantidade de mortes seria menor.
* Clauber Leite é coordenador e Munir Soares é consultor do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
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