Temos muito a aprender com Cuba

Robert F. Kennedy Jr. Foto: Cortesia do autor
Robert F. Kennedy Jr. Foto: Cortesia do autor

White Plains, Estados Unidos, janeiro/2015 – No dia 17 de dezembro, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba, depois de mais de cinco décadas de uma política equivocada que meu tio, John F. Kennedy, e meu pai, Robert F. Kennedy, foram responsáveis por aplicar depois que o governo de Dwight D. Eisenhower (1953-1961) implementou o embargo contra a ilha pela primeira vez, em outubro de 1960.

A medida gerou a esperança em muitos setores, não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, de que agora o próprio embargo estaria destinado a desaparecer.

Isso não muda o fato de Cuba continuar sendo uma ditadura. O governo cubano restringe liberdades básicas, como a liberdade de expressão e de reunião, e é proprietário dos meios de comunicação.

As eleições, como na maioria dos países comunistas da velha guarda, oferecem opções limitadas e, em fiscalizações periódicas, o governo enche as prisões com presos políticos.

Entretanto, há autênticos tiranos no mundo que se converteram em aliados próximos dos Estados Unidos e muitos governos com piores históricos de direitos humanos do que o de Cuba.

Um exemplo é o Azerbaijão, cujo presidente, Ilham Aliyev, ferve seus rivais em óleo, mas também Arábia Saudita, Jordânia, China, Bahrein, Tajiquistão, Uzbequistão e muitos mais onde entre as práticas governamentais estão a tortura, os desaparecimentos forçados, a intolerância religiosa, a repressão da expressão e da reunião, a opressão medieval da mulher, as eleições fraudulentas e as execuções extrajudiciais.

Apesar de sua pobreza, Cuba conseguiu alguns êxitos impressionantes. O governo se orgulha de sua população ter o mais alto índice de alfabetização entre todos os países do hemisfério, que seus cidadãos gozam de acesso universal à atenção sanitária e que possui mais médicos por habitante do que os demais países do continente americano. Os médicos cubanos teriam uma formação profissional de alta qualidade.

Ao contrário de outras ilhas do Caribe, onde a pobreza significa passar fome, cada cubano recebe uma cota mensal de de alimentos que cobre suas necessidades básicas.

Inclusive os funcionários cubanos admitem que a economia está asfixiada pelas ineficiências do marxismo, embora também argumentem que a principal causa dos problemas econômicos da ilha é o estrangulamento provocado nos anos 1960 pelo embargo comercial.

É claro para todos que o embargo aplicado pela primeira vez durante a administração Eisenhower, em outubro de 1960, castiga injustamente os cubanos. Este impede o desenvolvimento econômico ao fazer com que praticamente todos os produtos básicos e todo tipo de equipamento sejam astronomicamente caros e difíceis de obter.

O pior de tudo é que, em lugar de castigar o regime por suas restrições aos direitos humanos, o embargo fortaleceu a ditadura ao justificar a opressão. Oferece aos cubanos a evidência visível que todo ditador precisa: um inimigo externo para justificar um estado de segurança nacional autoritário.

O embargo também deu aos líderes cubanos um monstro plausível a quem culpar pela pobreza de Cuba. Outorgou credibilidade ao argumento de Havana de que os Estados Unidos, e não o marxismo, causaram os problemas econômicos da ilha.

É quase certo que o embargo ajudou a manter os irmãos (Fidel e Raúl) Castro no poder durante as últimas cinco décadas.

Justificou as medidas opressoras do governo cubano contra a dissidência política da mesma forma como as inquietações de segurança nacional dos Estados Unidos foram usadas por alguns políticos norte-americanos para justificar incursões contra nossa carta de direitos, incluindo os direitos constitucionais a ter um julgamento com júri, ao habeas corpus, a uma defesa eficaz, a viajar e não sofrer busca e apreensão injustificada, escutas secretas, o castigo cruel e inusitado, a tortura dos prisioneiros ou a entrega extraordinária, para citar apenas alguns.

É mais do que paradoxal que os mesmos políticos que argumentaram que deveríamos castigar Castro por limitar os direitos humanos e maltratar os presos nos cárceres cubanos afirmem que os maus-tratos que os Estados Unidos infligem aos nossos prisioneiros nas prisões cubanas está justificado.

Imagine um presidente dos Estados Unidos enfrentar, como ocorreu com Castro, mais de 400 tentativas de assassinato, milhares de casos de sabotagem apoiados do estrangeiro e dirigidos à população, às fabricas e a pontos de nossa nação, uma invasão patrocinada desde o exterior e 50 anos de guerra econômica que, nos fatos, privasse nossa sociedade de artigos de primeira necessidade e estrangulasse nossa economia.

Os líderes cubanos apontaram o embargo, com abundante justificativa, como a razão da privação econômica em Cuba.

O embargo permite que o regime cubano apresente os Estados Unidos como um capanga e se mostre como a personificação da coragem, de pé diante das ameaças, da intimidação e da guerra econômica por parte da maior superpotência militar da história.

Recorda-se constantemente ao orgulhoso povo cubano que nossa poderosa nação, que orquestrou a invasão de sua ilha, sabotou suas indústrias e confabulou durante décadas para assassinar seus líderes, mantém uma agressiva campanha para levar sua economia à ruína.

Talvez o melhor argumento a favor de levantar o embargo seja que não funciona. Nosso embargo de mais de 50 anos contra Cuba é o mais longo da história e, no entanto, o regime dos Castro se mantém no poder. Em lugar de levantar o embargo, as diferentes administrações norte-americanas, incluída a de Kennedy, o fortaleceram, sem nenhum resultado.

Parece uma bobagem os Estados Unidos manterem uma política externa mediante a repetição de uma estratégia que demonstrou ser um fracasso monumental durante quase seis décadas. A definição da loucura é a repetição de uma mesma ação uma e outra vez à espera de resultados diferentes. Nesse sentido, o embargo é uma loucura.

O embargo desacredita claramente a política externa norte-americana, não só na América Latina, mas também na Europa e em outras regiões.

Por mais de 20 anos, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou o fim do embargo. Em 2014, como em 2013, o pedido teve 188 votos a favor e dois contra, estes dos Estados Unidos e de Israel. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, principal órgão de direitos humanos das Américas, também pediu o mesmo, assim como a União Africana.

Uma das razões pelas quais diminui nosso prestígio mundial e nossa autoridade moral é que o embargo só insiste em nossa relação distorcida com Cuba, carregada historicamente de fortes paradoxos que fazem com que o resto do mundo veja os Estados Unidos como um país historicamente de fortes paradoxos, que fazem com que o resto do mundo veja os Estados Unidos como um país hipócrita.

Mais recentemente, enquanto culpamos Cuba de encarcerar e maltratar os presos políticos, submetemos simultaneamente prisioneiros, muitos deles inocentes segundo a própria admissão do Pentágono, à tortura, incluído o submarino, à detenção ilegal e ao encarceramento sem julgamento na prisão cubana da baía de Guantânamo.

Culpamos Cuba porque não permite que seus cidadãos viajem livremente para os Estados Unidos, mas restringimos as viagens de nossos próprios cidadãos para Cuba. Nesse sentido, o embargo parece particularmente antinorte-americano. Por que meu passaporte diz que não posso visitar Cuba? Por que não posso ir para onde eu quiser?

Fui um norte-americano afortunado. Pude visitar Cuba e essa foi uma educação maravilhosa porque me deu a oportunidade de ver de perto o comunismo com todos seus defeitos e falhas. Por que nosso governo não confia em que os norte-americanos possam ver por si mesmos os estragos da ditadura?

Se o presidente Kennedy tivesse sobrevivido para cumprir seu segundo mandato, o embargo teria sido levantado há meio século.

O presidente Kennedy disse a Castro, por meio de intermediários, que os Estados Unidos poriam fim ao embargo quando Cuba deixasse de exportar revolucionários para os países da Aliança para o Progresso na América Latina, uma política que terminou principalmente com a morte de Che Guevara, em 1967, e quando Castro deixou de permitir que a União Soviética usasse a ilha como base para a expansão do poderio soviético no hemisfério.

Bem, a União Soviética já não existe desde 1991, mais de 20 anos, mas o embargo liderado pelos Estados Unidos continua sufocando a economia cubana. Se o objetivo de nossa política externa para Cuba é promover a liberdade de seus cidadãos submetidos, deveríamos abrir-lhes as portas e não fechá-las.

Temos muito a aprender com Cuba, com seus êxitos em alguns setores e com seus fracassos em outros.

Enquanto caminhava pelas ruas de Havana , os velhos Ford T ofegavam ao passar junto à efígie de ferro forjado de Che pendurada nas alturas e ao bronze de uma estátua de Abraham Lincoln que se erguia em um jardim de uma arborizada avenida.

Sentia o peso de 60 anos da história cubana, uma história profundamente entrelaçada com a do meu próprio país. Envolverde/IPS

* Robert F. Kennedy Jr. é advogado do National Resources Defense Council e do Hudson Riverkeeper e presidente da Waterkeeper Alliance. Também é professor e advogado supervisor da Clínica Processual Ambiental da Faculdade de Direito da Universidade Pace e coapresentador do Ring of Fire na Air America Radio. No passado foi promotor-geral adjunto da cidade de Nova York.