Gás de xisto esquenta o planeta

Cartaz contra a exploração de gás pelo método “fracking”. Foto: Blog da campanha Fratura Hidráulica Não, de Cantabria, Espanha

Enquanto a promoção de fontes limpas de energia continua marginalizada dos debates climáticos em Durban, nada detém a exploração de “gás não convencional” nos Estados Unidos e o Canadá.

Durban, África do Sul, 5 de dezembro de 2011 (Terramérica).- A tecnologia do “fracking” (fratura hidráulica) busca os últimos depósitos de gás natural alojados em leitos rochosos de extensas áreas dos Estados Unidos e do oeste do Canadá, incentivando uma nova febre de hidrocarbonos que afasta o horizonte de energias limpas para esfriar o planeta. O gás em rochas de xisto ou argilas compactas representa uma nova e enorme fonte de combustível fóssil. “O fracking lidera a exploração e a perfuração nos Estados Unidos” disse Gwen Lachelt, do grupo não governamental Earthworks’Oil & Gas Accountability Project. “A indústria do petróleo e do gás está atravessando todo o país”, acrescentou.

Nas formações norte-americanas de xisto, com espessura de um a três quilômetros sob a superfície, pode haver até 23,4 trilhões de metros cúbicos de gás recuperável, segundo o informe Annual Energy Outlook 2011, divulgado em abril pela Administração de Informação de Energia (EIA) dos Estados Unidos. Esse país terá consumido este ano 650 bilhões de metros cúbicos de gás, segundo a EIA. E as reservas mundiais “de gás não convencional” (termo usado na indústria para se referir ao gás de xisto e ao metano das camadas carboníferas) são de 915 trilhões de metros cúbicos, e cem trilhões deles estão na América Latina.

Entretanto, esta estimativa já está desatualizada pela velocidade com que avança a técnica e a exploração. As estimativas da EIA para 2009 sobre o gás de argilas compactadas nos Estados Unidos eram inferiores à metade do calculado para 2011. A técnica consiste em perfurar a rocha e fraturá-la injetando água e substâncias químicas sob grande pressão para que libere o gás que contém. Pratica-se uma perfuração vertical até uma profundidade que varia entre cem metros e três quilômetros, e depois são feitos buracos horizontais de aproximadamente um quilômetro ao longo da formação rochosa, onde é injetado grande volume de água e outras substâncias.

A nova febre se baseia no apetite importador da Ásia e na ideia de que o gás é “o combustível de transição” entre uma economia suja, baseada no carvão, para uma baixa em dióxido de carbono CO², o principal gás-estufa. O gás é mais limpo, pois libera entre 40% e 45% menos CO² do que o carvão para gerar a mesma quantidade de energia. Contudo, o gás obtido por fratura hidráulica tem uma “pegada de carbono” (a proporção de CO²) maior, devido à energia que utilizada nessa técnica e pelo vazamento do metano na atmosfera, que tem um efeito estufa 25 vezes mais potente do que o CO².

Passar do carvão para o gás pode causar mais aquecimento global, segundo o estudo “Coal to Gas: The Influence of Methane Leakage” (Do Carvão para o Gás: a Influência dos Vazamentos de Metano), publicado em setembro pelo norte-americano Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR). Isto se deve principalmente aos vazamentos de metano, que são muito frequentes, mas não estão contemplados em nenhuma lei. O gás natural é, de fato, metano. E, embora os vazamentos sejam de 1% ou 2% do extraído, queimar gás de xisto seria pouco melhor do que continuar queimando carvão.

“Uma dependência maior do gás reduziria as emissões de dióxido de carbono, mas pouco ajudaria a solucionar o problema climático”, disse Tom Wigley, autor do estudo e pesquisador do NCAR, em um comunicado de imprensa. O subcomitê de gás natural do Conselho Assessor do secretário de Energia, Steven Chu, reclamou em um informe, publicado em 18 de novembro, dirigido à Agência de Proteção Ambiental (EPA), que sejam regulamentadas as emissões de metano e outros contaminantes aéreos da fratura hidráulica.

A indústria começou este tipo de operação no final da década de 1990. Em 2005, cresceram exponencialmente, quando o governo de George W. Bush (2001-2009) as isentou de cumprir a Lei de Água Limpa. Nos últimos anos, a produção de gás de argilas compactadas aumentou ao ritmo de 48% ao ano, segundo a EIA. “O fracking nunca foi regulamentado. Não há controle do que estão fazendo”, alertou Lachelt, natural do Estado do Colorado, centro dos Estados Unidos, um dos lugares onde esta exploração está mais difundida.

Os que vivem perto dos poços se queixam há tempos de que a água que bebem está contaminada e mostram imagens do líquido inflamável que sai de suas torneiras. “Porém, é difícil provar essa contaminação, porque não se exige das empresas que revelem o tipo de substância que empregam para fazer o gás fluir para fora da rocha”, explicou Lachelt ao Terramérica. Fala-se de uma mistura de água, areia e uma grande variedade de produtos, como o diesel, acrescentou.

Enquanto crescem os protestos públicos, a indústria argumenta que a fratura hidráulica jamais contaminou um aquífero. No entanto, sabe-se que as empresas enfrentam ao longo dos anos litígios com proprietários de terras nas quais operam, que terminaram com acordos econômicos privados nas costas das autoridades.

Após mais de 20 anos de fratura hidráulica, a EPA realiza seu primeiro estudo sobre os riscos que pode ter para a água potável. Os resultados definitivos serão conhecidos no final do próximo ano. Avanços preliminares indicam que em algumas comunidades, próximas de locais de exploração de gás de xisto, a água está contaminada com benzeno, uma substância cancerígena, advertiu Lachelt.

No Canadá, algumas das paisagens mais antigas da província de Columbia Britanica são cenário da indústria do gás de xisto, que é transportado através das montanhas Rochosas até Alberta, onde é queimado pela indústria de extração de petróleo das areias de alcatrão. Quase todo o gás da Columbia Britanica é vendido a Alberta ou aos Estados Unidos. E prepara-se uma enorme expansão, após a aprovação de uma usina de gás natural liquefeito que será construída na costa oeste, destinada ao fornecimento a mercados asiáticos, disse Tria Donaldson, do Wilderness Committee, uma organização ambientalista com sede na cidade de Vancouver.

“A fratura hidráulica usa enormes quantidades de água doce em uma região que sofre escassez hídrica”, afirmou Donaldson ao Terramérica. Cada perfuração exige milhões de litros, e a indústria obteve direitos para extrair 275 milhões de litros diários de rios, lagos e riachos locais. Em outubro, 16 empresas foram multadas por não informarem a quantidade de água que extraíam. De acordo com a imprensa, as multas não chegaram a US$ 1 mil.

“A região nordeste da Columbia Britanica é um habitat essencial dos ursos pardos, caribus e outros animais. As operações com gás estão se ampliando para áreas virgens, abrindo estradas, construindo plataformas de perfuração e tanques de águas usadas”, afirmou Donaldson. “Não há nada limpo nem verde neste tipo de gás”, assegurou.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS

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Mineração de areias negras custa caro
Novo método de extração pode fraturar o meio ambiente

Bênçãos contraditórias – Cobertura especial da IPS

Earthworks’ Oil & Gas Accountability Project, em inglês

Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos, em inglês

Annual Energy Outlook 2011, pdf em inglês

Do Carvão para o Gás: a Influência dos Vazamentos de Metano, em inglês

Secretaria do Subcomitê do Conselho Assessor de Energia sobre a Produção de Gás de Argilas Compactas, em inglês

Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, em inglês e espanhol

Wilderness Committee do Canadá, em inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.