Porto Alegre se prepara para receber milhares de ativistas do Fórum Social Temático, que discutirão o modo de impedir que a reunião ambiental de junho no Rio de Janeiro seja uma nova decepção mundial.
Rio de Janeiro, Brasil, 23 de janeiro de 2012 (Terramérica).- Uma ampla mobilização social, com manifestações de rua e atividades paralelas, é o único fator que pode evitar uma nova frustração na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), alertam ativistas e analistas. Parece inevitável a repetição do fracasso que pautou os últimos encontros anuais, nos quais se negociou um acordo para mitigar a mudança climática, disse ao Terramérica o diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, um dos fundadores do Fórum Social Mundial, o maior encontro mundial da sociedade civil.
Cândido fundamentou sua postura negativa na crise econômico-financeira do mundo rico, neste que é um ano de muitas eleições, inclusive na França e nos Estados Unidos, o que afasta os governantes influentes dos compromissos internacionais, e também no fraco poder de convocação da presidente Dilma Rousseff, especialmente em questões ambientais. Apenas uma forte pressão da sociedade civil, como “uma expressão unitária” nos eventos paralelos à Rio+20, poderá “arrancar compromissos mais claros” dos governos contra os desequilíbrios globais, que começam pela “hegemonia financeira”, acrescentou.
O Fórum Social Temático, que reunirá, entre os dias 24 e 29 deste mês, representantes de movimentos e organizações sociais na cidade de Porto Alegre, preparará a participação de seus ativistas para a conferência mundial climática que acontecerá de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro. O encontro na capital gaúcha é um dos muitos encontros locais ou sobre temas específicos que acontece nos anos pares, vinculados ao Fórum Social Mundial (FSM), que agora tem sua edição global a cada dois anos.
Contudo, as referências do FSM “perderam força” e não conseguiriam convocar uma marcha tão maciça como a que é necessária para fazer com que a Rio+20 não seja apenas “um megaencontro declaratório” e tenha “um impacto importante no Brasil” em termos de consciência ambiental, afirmou Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília que analisa as consequências da mudança climática nas relações internacionais.
Juntar “um milhão de manifestantes nas ruas, uma façanha pouco provável, mas não impossível”, renovaria os efeitos da Cúpula da Terra de 1992 (Rio 92), a primeira reunião que fez com que a sociedade brasileira tivesse um alto nível de adesão aos assuntos ambientais, disse Eduardo ao Terramérica. Este catedrático descartou que a Rio+20 terá um impacto mundial relevante. Será uma conferência “reiterativa” de objetivos “difusos” em um momento de “gigantescos impasses internacionais”, ponderou.
No entanto, os atos populares não devem se limitar ao Rio de Janeiro. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) pensa em impulsionar manifestações em muitas outras cidades do mundo, para isto utilizando a internet e as redes sociais. “A Rio+20 tem um significado global” e já se acumulou experiência de sucesso em mobilizações via redes sociais, afirmou Rubens Born, do FBOMS.
O Fórum Social Temático de Porto Alegre ajudará a articular essas iniciativas, com a presença de representantes de movimentos civis, como os indignados da Espanha e os Ocupe dos Estados Unidos, contou ao Terramérica. A presença da sociedade civil na Rio+20 deve se beneficiar das facilidades que o governo brasileiro pretende oferecer, interessado em contar pelo menos com uma forte participação popular diante da provável ausência de chefes de governo e de Estado nas atividades oficiais da conferência.
A Cúpula dos Povos, nome dado ao encontro paralelo que acontecerá de 15 a 23 de junho, convocará o triplo de participantes da conferência intergovernamental, estimam observadores. O lema é “Justiça social e ambiental”, a mesma do Fórum Social Temático deste mês. “Propor uma nova forma de viver, em solidariedade, contra e mercantilização da natureza e em defesa dos bens comuns” é o objetivo, segundo o Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20, que organiza esse grande encontro.
O encontro, que terá como fórum central uma Assembleia Permanente dos Povos, busca “reinventar o mundo” com convergência de diversificadas lutas contra o capitalismo, a divisão de classes, o racismo, o patriarcalismo e a homofobia. Por isso, considera “insatisfatória” a agenda da conferência oficial, concentrada na economia verde a na institucionalidade global. Entretanto, este discurso não obtém consenso.
Rubens, fundador do Vitae Civilis, uma organização não governamental ativa na questão climática, se queixa de divisões ideológicas com os que consideram “soluções falsas” as ações ambientais que não contemplam primeiro a derrubada do capitalismo. Cândido identifica enfoques divergentes entre os que priorizam a justiça ambiental ou social, situando sua organização, Ibase, entre os segundos.
Chico Whitaker, outro fundador do Fórum Social Mundial e radical defensor de seus princípios igualitários e participativos, se preocupa com o nome. “Cúpula dos Povos” mantém a visão hierarquizada, negando a horizontalidade defendida desde o começo pelo FSM”, criticou. Porém, todos coincidem em rechaçar a ordem mundial atual, que é o “modelo industrial de grande produção” para Chico, que é o capitalismo para os membros do Comitê Facilitador, e que é a hegemonia financeira para Cândido, que lhe acrescenta “desordens” acumuladas, como transportar milhões de toneladas de minério de ferro brasileiro para a Ásia e trazê-los de volta em forma de aço.
Todos também concordam em criticar a Rio+20 oficial e seu “rascunho zero”, divulgado recentemente como ponto de partida para o documento final, porque entendem que evita os verdadeiros desafios. O formato das grandes cúpulas da Organização das Nações Unidas (ONU) “está esgotado”, defendeu Eduardo. É impossível que mais de 190 países que têm “diferentes percepções da vulnerabilidade” e interesses diversos cheguem a um consenso em relação ao tema climático, explicou.
Em outra vertente, os indígenas se propõem a expressar sua identidade cultural e ética na Rio+20 com a convocação de representantes de todo o mundo, no que chama de Aldeia Carioca, a ser instalada no Rio de Janeiro. Nela se concentrarão cerca de 350 aborígines procedentes de diferentes regiões do país e 700 do exterior, em quatro ocas, uma delas servindo para reuniões plenárias e outra com equipamentos eletrônicos que permitirão videoconferências com indígenas em outros países ou continentes, informou ao Terramérica Marcos Terena, um dos organizadores da participação indígena na Rio+20, repetindo o papel de 20 anos atrás.
* O autor é colaborador da IPS.
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Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, em português, inglês e espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)