Por Claudia Carletto* –
Um breve olhar sobre as cidades contemporâneas identifica um gargalo que desafia gestores públicos, sociedade civil organizada e cada pessoa, individualmente: a vulnerabilidade humana. Viver sob ameaça, permanente ou periódica, não deveria ser a regra para pessoas em situação de rua, dependentes químicos, mulheres vítimas de violência, trans, negros,moradores de favelas, pessoas com deficiência, migrantes, indígenas, refugiados de guerra e climáticos. A pandemia piorou a vida da população de baixa renda e tornou a educação precária, realidades que diminuem as chances de fortalecimento dos afetados. Os milhões de recuperados da covid, com o prolongamento dos sintomas e sequelas, figuram entre os novos vulneráveis.
Os riscos de termos que lidar, em alguma escala, com efeitos duradouros e coletivos de situações limítrofes e radicais, como a demência e a indigência, alarmam os que se mantêm ativos e capazes. A gangorra social pode pender para os vulneráveis e, em maior número, colocarão ainda mais responsabilidades sobre os incólumes.
Essa perplexidade impõe debates sobre temas urgentes, como a cracolândia, ferida social aberta no centro da maior cidade do país. Ninguém escolhe ser vulnerável. No caso da população nas ruas, só em São Paulo, há quase 30 mil. Não morrem de fome, mas adoecem por falta de pertencimento. A ressocialização é corrida contra o tempo: depois de 5 anos, quase impossível. Compreender causas e ciclos que perenizam essa condição pode devolver a essas pessoas a sensação de habitarem este mundo. Há políticas públicas em curso, outras em discussão, mas não consenso nem fórmula mágica com a solução. Há, sim, indicadores que merecem atenção, por terem sido testados em alguma proporção.
Inclusão e igualdade social se apresentam como possibilidades para as sociedades contemporâneas enfrentarem seus dilemas. O compromisso tem que ser assumido por toda a sociedade, em solução vertical, que mobilize todos os setores econômicos e os poderes da República, avançando até o comprometimento de cada um.
Igualdade deve ser social, racial, de gênero, profissional, ambiental, garantir acessibilidade, o que exige do comércio, da arquitetura, da indústria, das políticas públicas, que criem sistemas para identificar a singularidade humana, em suas potencialidades e vulnerabilidades, tornando possível existir “mais igual”, com menos atrito e sofrimento. Inclusão deve acolher, gerar renda, educação e saúde, promover a convivência, integrar, prover saneamento, moradia, melhorar a vida das pessoas.
No texto da Política Nacional para a População em Situação de Rua, de 2009, artigo 84 da Constituição, foram estabelecidos 5 princípios, 10 diretrizes e 14 objetivos. No universo léxico desse apenso, há caminhos para a sociedade cuidar de seus vulneráveis: respeito, direito, valorização, atendimento, promoção, responsabilidade, articulação, integração, participação, incentivo, implantação, democratização, e os verbos assegurar, garantir, instituir, produzir, sistematizar, desenvolver, proporcionar, criar, adotar, disponibilizar, estruturar, apoiar. O texto encerra, no último inciso, com a palavra pesquisar.
É preciso romper o ciclo de tolerância com a vulnerabilidade humana, investindo em avanços contínuos da ciência, que poderá antecipar a cura para os males do século XXI.
Se formos uma geração de amortais, como sugere o historiador israelense Yuval Harari, suas referências à ciência e à cooperação humana, como fundamentais para o progresso da civilização, devem ser sublinhadas.
* Claudia Carletto, é jornalista, 45 anos, foi secretária de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
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