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Livro relembra exibições de humanos em zoológicos e espetáculos

Por Robson Rodrigues, especial para a Envolverde – 

Obra multimídia traz imagens e vídeos sobre shows étnicos com humanos ‘exóticos’ no século 19 e 20   

O livro “Zoológicos Humanos: gente em exibição na era do imperialismo”, de Sandra Koutsoukos, publicado pela Editora Unicamp, lança-se luz sobre o fenômeno das grandes exposições antropológicas de finais do século 19 e início do século 20 e nos leva a conhecer a brutalidade da era imperial e sua visão hierárquica das culturas e etnias.

A obra traz uma série de recursos multimídia, como filmes e músicas e permite ao leitor uma imersão na história. Publicado em dois formatos, digital e impresso, Zoológicos Humanos conta com 225 imagens, 18 vídeos e dois fonogramas. Mesmo na versão impressa, o leitor tem a possibilidade de abrir e assistir os vídeos e ouvir as músicas, através de aplicativo de QRcode no celular.

Os zoológicos humanos, em que indivíduos “exóticos” misturados a animais selvagens eram mostrados atrás das grades ou em recintos delimitados a um público ávido de distração serviam a um duplo objetivo: saciar a curiosidade do público e ser objeto de pesquisas que dessem suporte teórico científico à crença de que os brancos eram superiores ao resto dos humanos.

01. Professor Bergonié dando palestra sobre as mulheres com botoques, oriundas da África Central, no Jardim da Aclimatação, Paris, 1930.

A obra expõe a brutalidade dos chamados zoológicos humanos e remonta os espetáculos de exibição de pessoas de diferentes etnias, que ocorriam nos Estados Unidos, na Europa e até mesmo no Brasil.

O livro apresenta também a história de pessoas que foram privadas de suas individualidades devido a características de seus corpos. Entre elas estão Sarah Baartman, mulher da etnia khoi-san exibida na Inglaterra, chamada de “Vênus Hotentote”, Joseph Merrick, inglês com elefantíase conhecido como “Homem elefante” e Ota Benga, rapaz congolês da tribo Mbuti que chegou a ser exibido junto a macacos no zoológico do Bronx, em Nova Iorque. Episódios como esses ocorreram também no Brasil, onde o governo deu aval à exibição de índios botocudos no Museu Nacional em meados do século 19.

Formada em Belas-Artes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutora em multimeios pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas e pós-doutora em História da Fotografia, Sandra constrói a narrativa por meio de diversos registros que dão ao leitor a oportunidade de testemunhar a história com os próprios olhos.

“O livro trata de imagens e histórias que vão do século 19 até certa altura do século 20 e que, analisadas em conjunto, expõem o imperialismo, falam de ciência e da mentalidade dos cientistas da época (que eram todos homens brancos de elite) e, sobretudo, do surgimento de uma ideologia racial – de um racismo que a gente vê tão enraizado ainda hoje na sociedade, mesmo que a ciência e as leis agora o desautorizem”, diz.

02. Menina em exibição na Exposição Universal e Internacional de Bruxelas.
Fotógrafo não identificado, Bélgica [1958].

Tema atual

O lançamento acontece em um contexto em que protestos antirracistas espalham por vários países do mundo, inclusive o Brasil, e coloca holofote sobre a escravidão, a construção do racismo e seu reflexo atual na desigualdade que ainda persiste nas sociedades.

Além de evidenciar um racismo disfarçado de ciência para as massas que prevaleceu nos séculos passados, a autora conta que a coleção foi também pensada para atingir um público mais amplo, não apenas o público acadêmico.

O trabalho iconográfico visa ainda traçar uma relação histórica do racismo daquele período e o de hoje, visto que essas exposições tiveram um papel relevante na disseminação do racismo, apesar do fato de hoje termos esquecido em boa medida esses eventos, como se não fizessem parte do nosso passado cultural e científico não tão remoto.

“Os chamados ‘zoológicos humanos’ existiram e foram desumanos e horríveis. Mas hoje nós encontramos outras visões desumanas, como quando, por exemplo, pessoas assistem impassíveis a numerosos atos de violência contra negros e índios – quando pessoas ainda assistem impassíveis à dor dos outros”.

Robson Rodrigues é jornalista e formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalha como repórter em jornais, revistas e internet em temas relacionados a meio ambiente, energia e desenvolvimento sustentável.

(#Envolverde)