Por Thais Carrança, BBC News Brasil –
Mulheres que pertencem aos 20% de maior renda da população brasileira gastam em média 18,2 horas por semana cuidando de outras pessoas ou realizando afazeres domésticos. Enquanto isso, as mulheres que estão entre os 20% de menor rendimento dedicam 24,1 horas semanais a essas mesmas atividades.
Os dados são do estudo Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, cuja segunda edição foi publicada nesta quinta-feira (4/3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No levantamento, a fatia de 20% mais pobres considera famílias com renda per capita (por pessoa) de até R$ 350. Já os 20% mais ricos têm uma grande desigualdade interna, indo desde domicílios com rendimento per capita de R$ 1,7 mil até R$ 164 mil.
A diferença de quase seis horas no tempo dedicado ao serviço doméstico entre mulheres ricas e pobres se explica, segundo o IBGE, porque as de maior renda terceirizam parte dessas tarefas para as de menos recursos, através do trabalho doméstico de babás, faxineiras e cozinheiras.
Além disso, as mulheres mais abastadas podem pagar por creches privadas para seus filhos pequenos, num país que sofre com a deficiência crônica de vagas em creches públicas.
A desigualdade no acesso a creches também se revela nas diferentes taxas de ocupação entre mulheres brancas e negras com crianças pequenas em casa.
Menos da metade (49,7%) das mulheres pretas ou pardas com crianças de até 3 anos de idade no domicílio estavam ocupadas em 2019, enquanto entre as mulheres brancas, a proporção era de 62,6%.
Os dados revelam que, além da histórica desigualdade entre homens e mulheres, também são grandes as iniquidades entre as próprias mulheres, considerando recortes de renda, cor ou raça, regiões do país e áreas urbanas e rurais, por exemplo. Segundo o IBGE, essas diferenças devem ser levadas em contas na elaboração de políticas públicas para mitigar desigualdades.
Trabalho feminino é fundamental para redução da pobreza
A questão do acesso das mulheres ao mercado de trabalho é fundamental. Isso porque a impossibilidade de muitas delas de trabalhar ou a disponibilidade para trabalhar apenas em tempo parcial prejudica o acesso de diversas famílias a patamares mais elevados de renda.
Entre os fatores que ainda impedem uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho estão a insuficiência de creches e de instituições públicas de cuidado para idosos, além da desigualdade salarial e de acesso aos cargos mais bem remunerados entre homens e mulheres.
Essa discrepância muitas vezes faz com que as famílias, quando defrontadas com a necessidade de um dos pais deixar de trabalhar para se dedicar ao cuidado dos filhos, no geral, esse sacrifício seja feito pelas mulheres, já que os homens costumam ganhar mais. Esse tipo de situação ficou ainda mais evidente na pandemia, devido ao fechamento das escolas.
Segundo o estudo do IBGE publicado nesta quinta-feira, a taxa de participação feminina na força de trabalho em 2019 ainda era quase 20 pontos percentuais menor do que a masculina.
A taxa de participação na força de trabalho é o percentual de pessoas em idade de trabalhar (15 anos ou mais) empregadas ou em busca de trabalho, em relação ao total de pessoas nessa faixa etária.
Em 2019, a taxa de participação na força de trabalho total no país era de 63,6%, mas chegava a 73,7% entre os homens e era de apenas 54,5% entre as mulheres. A diferença entre os gêneros vinha diminuindo gradual e lentamente – era de 23,1 pontos percentuais em 2012, início da série histórica do IBGE, recuando a 19,2 pontos percentuais em 2019.
Na pandemia, no entanto, essa diferença voltou a crescer, chegando a 19,7 pontos, segundo dados de novembro de 2020 da Pnad Covid-19, pesquisa criada pelo IBGE para mensurar os efeitos da crise de saúde pública sobre o mercado de trabalho e a saúde dos brasileiros.
‘São necessárias políticas para expansão de creches’
Olhando para o nível de ocupação – que mede o percentual de pessoas efetivamente ocupadas entre aquelas em idade de trabalhar -, o IBGE observa que a presença de crianças pequenas reduz drasticamente a possibilidade de ocupação das mulheres.
Em domicílios com crianças de até 3 anos de idade, o nível de ocupação das mulheres de 25 a 49 anos era de 54,6% em 2019, comparado a 67,2% entre as mulheres da mesma faixa etária sem crianças pequenas em casa.
Entre os homens, o indicador era de 89,2% e 83,4%, respectivamente, nestas mesmas duas situações.
Ou seja, em lares com crianças pequenas, a diferença na ocupação entre homens e mulheres superava os 30 pontos percentuais. A discrepância é reduzida a pouco mais de 16 pontos nos domicílios sem essas crianças que exigem mais atenção.
“Isso não significa que a presença de crianças é negativa”, observa André Geraldo de Moraes Simões, pesquisador do IBGE. “Mas aponta para a necessidade de políticas públicas de expansão de creches e de oportunidades para que as mulheres, que são as mais demandadas nas tarefas de cuidado, possam se inserir mais no mercado de trabalho.”
Simões destaca ainda a importância do compartilhamento das atividades de cuidado entre homens e mulheres nos domicílios.
Em 2019, as mulheres dedicavam quase o dobro de horas semanais entre afazeres domésticos e cuidados, em relação aos homens. Para elas, essas tarefas consumiam 21,4 horas em média por semana, comparado a 11 horas dedicadas a esses afazeres pelos homens.
No caso masculino, a diferença de renda pouco afeta a quantidade de horas dedicadas às tarefas domésticas. Os mais pobres dedicavam 11 horas a elas e os mais ricos, 10,8 horas semanais.
Mulheres são mais educadas, mas ainda têm empregos piores
Além de terem maior dificuldade de entrar no mercado de trabalho, as mulheres também ocupam posições mais precárias. Segundo o IBGE, em 2019, cerca de um terço delas (29,6%) estavam ocupadas em tempo parcial – até 30 horas semanais -, quase o dobro dos homens (15,6%) que viviam essa realidade.
“As mulheres acabam indo para esse tipo de ocupação porque precisam conciliar a profissão com o trabalho doméstico”, observa Simões. “São trabalhos mais vulneráveis, com maior possibilidade de serem demitidas, maior informalidade e menor acesso a direitos previdenciários e à proteção social.”
Na região Norte, quase 40% das mulheres estavam ocupadas apenas em tempo parcial e no Nordeste, 37,5%. Em comparação, esse percentual cai a 26,2% no Sudeste e a 25% no Sul.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho através de ocupações precárias também ajuda a explicar a diferença salarial entre os gêneros, diz o pesquisador. Em 2019, os rendimentos das mulheres equivaliam a 77,7% dos ganhos dos homens. Aqui, novamente, a evolução ao longo dos anos é lenta e gradual: em 2012, a razão era de 73,6%.
O IBGE destaca, porém, que essas discrepâncias entre homens e mulheres não são explicadas pela educação, já que as mulheres no geral são mais instruídas do que os homens.
Em 2019, considerando as pessoas com 25 anos ou mais, 15,1% dos homens tinham ensino superior completo, comparado a 19,4% das mulheres.
Elas, no entanto, ainda são minoria entre os docentes de ensino superior. As mulheres eram 46,8% dos professores de faculdades e universidades em 2019, também uma lenta evolução em relação aos 43,2% de 2003. Os dados são do Censo do Ensino Superior do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Mulheres ainda têm menor presença nos espaços de poder
Embora sejam mais escolarizadas do que os homens, as mulheres ainda têm menos acesso aos espaços de poder na vida pública e privada, destaca ainda o estudo do IBGE.
“Ainda temos apenas 14,8% de deputadas federais em exercício”, destaca Luanda Chaves Botelho, analista do IBGE, citando dado de setembro de 2020. “Com esses 14,8%, o Brasil tem a menor proporção da América do Sul e fica na posição de número 142 em um ranking de 190 países, atrás de países muito caracterizados por violência de gênero.”
A título de comparação, Ruanda é o país com mais mulheres no parlamento (61,3%), mas o Brasil também fica atrás de vizinhos como Bolívia (53,1%), Argentina (40,9%), Peru (26,2%), Chile (22,6%) e Uruguai (21,2%). Nos Estados Unidos, o percentual é de 23,4%.
Em 2018, as mulheres representaram 32,2% das candidaturas a deputado federal, o que ajuda a explicar a baixa presença delas na Câmara. Mas não explica totalmente, já que o percentual de eleitas é ainda menor do que o de candidatas.
O IBGE destaca então a participação das mulheres nas candidaturas por receita de campanha. Isso porque estudos acadêmicos indicam que candidaturas com maior disponibilidade de recursos financeiros têm mais chance de sucesso.
Entre as candidaturas com receita superior a R$ 1 milhão, apenas 18% eram de mulheres.
Botelho destaca ainda que ser parlamentar é também um elemento que favorece o sucesso das candidaturas. “Esse é outro elemento desfavorável para as mulheres, quase como um ciclo vicioso, já que elas são a minoria dos parlamentares em exercício”, destaca a pesquisadora.
No nível municipal, em 2020, somente 16% dos vereadores eleitos eram mulheres. As mulheres pretas, apesar de serem 9,2% do total das mulheres, foram apenas 5,3% das vereadoras eleitas. Já as mulheres pardas são 46,2% das mulheres, mas alcançaram apenas 33,8% das cadeiras obtidas por elas nas eleições municipais mais recentes.
Por fim, olhando para cargos gerenciais nos setores público e privado, o IBGE observa que as mulheres ocupavam apenas 37,4% dessas posições em 2019. O percentual pouco avançou em relação aos 36,8% registrados em 2012.
Nos cargos gerenciais de maior remuneração, a presença das mulheres é ainda menor, de 22,3% no dado mais recente.
Entre os ministros do governo, as mulheres eram apenas duas – Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Tereza Cristina (Agricultura) – entre 22 ministros.
“A eleição de mulheres para os cargos legislativos apresenta melhora discreta, mas ainda longe de corresponder à metade feminina da população brasileira e ainda em situação muito desfavorável quando comparada a outros países”, observa o IBGE.
“A maior participação nesses cargos é importante não apenas em termos de representatividade, mas para aumentar as chances de pautar a formulação de políticas públicas de suporte às agendas de promoção de equidade, de acesso a oportunidades e de proteção contra violência doméstica, assédio e abusos de toda ordem”, conclui o instituto.
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