Por Redação CicloVivo –
Mulheres, catadores de caranguejo e jovens se unem para preservar 12 hectares de mangues.
O chamado das Nações Unidas para uma mobilização global em torno da Década da Restauração dos Ecossistemas, lançada em junho, exige mais do que plantar árvores para recobrir o planeta. Em manguezais da costa amazônica, no Pará, por trás das mudas que estão sendo cultivadas em viveiros visando recuperar áreas degradadas, desponta um desafio para além do ambiental: a participação comunitária, por meio do empoderamento social das famílias que utilizam os recursos naturais, unindo conservação da biodiversidade à geração de renda, segurança alimentar e acesso a direitos, essenciais ao desenvolvimento sustentável.
Reconhecer e valorizar os saberes dos detentores do conhecimento tradicional, com inclusão social, econômica e cultural é uma das principais estratégias do projeto Mangues da Amazônia, que é patrocinado pela Petrobras e realizado por Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, em parceria com o Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Com cerca de 8 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa na zona costeira do Pará, Maranhão e Amapá, os manguezais da Amazônia representam a maior faixa contínua desse ecossistema em todo o mundo. O projeto prevê recuperação de 12 hectares já impactados, beneficiando diretamente em torno de 1,6 mil pessoas, entre os 6 mil comunitários mobilizados em três reservas extrativistas dos municípios de Augusto Corrêa, Bragança e Tracuateua, no Pará. Em dois anos, o plano é realizar o plantio de 60 mil mudas das três espécies de árvores de mangue dominantes na região, com construção de viveiro e monitoramento.
O envolvimento de pescadores, caranguejeiros, marisqueiras e famílias que utilizam os recursos dos manguezais para o sustento é chave ao sucesso do reflorestamento. “É uma atividade de base comunitária, que não deve ser colocada de cima para baixo, mas envolver cooperação”, afirma o pesquisador Marcus Fernandes, coordenador do LAMA/UFPA.
Além da participação das crianças, fundamental para levar o tema às escolas, o trabalho compartilhado ajuda na percepção das comunidades sobre os ganhos, com mais chances de retorno positivo e continuidade das ações. “Estamos restaurando um ambiente que oferecerá de volta bens e serviços para todos, e a organização social visando objetivos comuns é elemento essencial”, destaca o pesquisador. Segundo Fernandes, o principal desafio está na sensibilização de que replantar é importante não somente para recuperar ecologicamente o ambiente, mas também disponibilizar recursos que são fonte de renda, como caranguejo e madeira”.
O projeto Mangues da Amazônia reúne diversas frentes de trabalho de modo a produzir um legado social e cultural para a permanência de práticas sustentáveis no futuro. A iniciativa Nem te Conto consiste em ciclos de diálogo junto a comunidades, especialmente entre mulheres, adolescentes e pessoas LGBTQI+, em temáticas como violência doméstica, gravidez na adolescência, diversidade de gênero e saúde preventiva, que será o tema da atividade em julho. “O desafio é intervir e garantir mudanças na realidade, mas é necessário estrutura do estado para que os direitos sejam garantidos”, destaca Adiele Lopes, psicóloga social do projeto.
O primeiro encontro, voltado às mulheres, versou sobre saúde mental em tempos de covid-19, com a busca ativa de demandas neste campo e a posterior realização de dinâmicas para inspirar o diálogo, com apoio da equipe do projeto. “O objetivo é trazer reflexões capazes de desconstruir situações enraizadas que perpetuam opressão e, consequentemente, adoecimento nessas comunidades em situação de vulnerabilidade, marcadas pelo isolamento e dificuldade de acesso à serviços básicos”, enfatiza Lopes.
“É importante debater dores, vivências e sonhos”, completa Ádria Freitas, pesquisadora da área socioambiental do projeto Mangues da Amazônia. A série de lives Vozes do Mangue tem audiência nacional e internacional e na primeira edição abordou o tema “Mulheres na Ciência”, com intuito de dar visibilidade ao trabalho das pesquisadoras e dos povos tradicionais na produção de conhecimento para as questões socioambientais e uso sustentável dos manguezais.
O segundo episódio das lives trouxe matriarcas, trabalhadoras e defensoras dos manguezais, com dois momentos de vivência: um apresentando histórias de vida e depoimentos de extrativistas sobre a sua relação com o meio ambiente, e outro com a fala de lideranças femininas sobre as atividades junto às comunidades tradicionais. Ao final, uma roda de conversa abordou o papel das políticas públicas e dos movimentos sociais na luta em prol do bem-estar dessas comunidades tradicionais.
O trabalho educacional ganha impulso na parceria com a prefeitura de Bragança, por meio da TV Escola Bragantina, que realiza aulas à distância para o alcance de comunidades rurais e teve a contribuição da equipe do projeto Mangues da Amazônia para a temática “Ciências da Natureza”, reforçando o conteúdo do currículo escolar. Em aulas quinzenais, do 3º a 5º ano do Ensino Fundamental, o material didático aborda aspectos da biologia dos manguezais, como o desenvolvimento das plantas, as cadeias alimentares da fauna e o ciclo de vida do caranguejo-uçá, importante recurso extraído para o sustento das famílias.
Atividades educativas
“As novas gerações demonstram abertura para mudanças de visão no tema ambiental, entendendo a importância da conservação e do cuidado para que os manguezais estejam disponíveis para a retirada do sustento”, observa a pedagoga Lanna Costa, pesquisadora da área socioambiental do Mangues da Amazônia. “Além do aspecto ecológico, o incentivo ao estudo das ciências ajuda na formação dos jovens para o mundo”, finaliza.
Os jovens guardiões e guardiãs dos manguezais, onde trabalham junto com a família para obter alimento e renda, são alvos também do Clube de Ciências, que abrange meninos e meninas de sete a 12 anos no propósito de despertar os olhares e a curiosidade para a ciência. Além de contribuir no desempenho escolar, a atividade cultiva o entendimento sobre como funcionam a natureza e as coisas presentes no cotidiano das brincadeiras e do trabalho nas comunidades.
Um dos objetivos é promover a difusão científica e fazer a informação chegar aos pais através das crianças. Com frequência semanal, aos sábados, a iniciativa inclui expedição de campo nos manguezais, visitas a laboratórios científicos e dinâmicas sobre lendas e outros elementos culturais, no reforço à importância da troca de saberes entre o conhecimento tradicional e a academia. O plano é abranger 240 crianças, em dois anos, nas três reservas extrativistas trabalhadas pelo projeto, no Pará, com a proposta de gerar no final um produto educativo – como um jogo, uma cartilha ou um vídeo – para compor o acervo da brinquedoteca das escolas.
Já o Clube do Recreio, também no âmbito do projeto Mangues da Amazônia, destina-se a crianças de menor faixa etária, de três a seis anos, mobilizadas por atividades lúdicas e educativas sobre os manguezais. “É uma contribuição à formação cidadã, além do estímulo ao futuro engajamento ambiental”, explica Aila Freitas, coordenadora da ação, que neste ano envolverá 60 crianças, no momento de forma remota. As atividades práticas são realizadas com auxílio da família nas residências, a partir de material didático entregue nas comunidades pela equipe do projeto. “A proposta é que as crianças reproduzam os aprendizados ao longo das fases de crescimento, como multiplicadoras de ideias”, enfatiza Freitas.
Foto de destaque: Instituto Peabiru | Divulgação
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