por Fábio Zuker – Amazônia Real –
Um total de 96 bolsas para estudantes indígenas e quilombolas foi cortado no início deste ano. Alessandra Munduruku, uma grande liderança do Tapajós, enfrenta dificuldades para estudar (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Santarém (PA) – Estudantes indígenas e quilombolas da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) têm se mobilizado desde o mês de janeiro deste ano para evitar que os cortes de 96 bolsas do Programa Bolsa Permanência (PBP), benefício concedido pelo Ministério da Educação (MEC), impossibilite o acesso deles ao ensino superior. No dia 21 de janeiro, eles ocuparam pacificamente a Pró-Reitoria de Gestão Estudantil (PROGES) em protesto contra a suspensão das bolsas. Depois a reitoria anunciou que o MEC iria reativar 36 pagamentos, cada um de R$ 900. Segundo alunos, essas bolsas ainda não foram reativadas.
Agora a UFOP alega, conforme nota oficial, que sofreu um contingenciamento de 38% dos recursos para o funcionamento acadêmico e administrativo da Universidade. O corte afetou praticamente todas as instituições federais de ensino superior do país.
O contingenciamento, como o MEC prefere se referir ao corte, foi anunciado pelo ministro Abraham Weintraub no início de maio. Ele cortou 30% no orçamento do Ministério da Educação, do ensino infantil à pós-graduação, contrariando inclusive propostas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, que considerava transferir valores do ensino superior para o ensino básico, naquilo que o governo considera uma inversão.
Nesta quarta-feira (15 de maio), estudantes de todo Brasil prometem realizar protestos contra a política de cortes de orçamento do MEC.
“Tem que pagar aluguel e transporte”
Uma das estudantes afetadas pelo corte do Programa Bolsa Permanência (PBP) é a liderança indígena Alessandra Korap Munduruku, que ingressou na UFOPA para fazer o curso de Direito pelo Processo Seletivo Especial Indígena, mas até meados de maio ela não havia conseguido a bolsa. Por isso resolveu pedir doações aos amigos na internet.
Alessandra Korap Munduruku é uma das mais reconhecidas lideranças de sua etnia. Ela está à frente, junto com outras lideranças da luta por demarcação do território Munduruku e por denúncias públicas contra obras de hidrelétricas no rio Tapajós. Em abril passado, ela fez um potente discurso na Câmara dos Deputados, em Brasília, sobre as ameaças que seu povo está sofrendo por causa da mineração ilegal no território e a demora na demarcação das terras.
Alessandra é da aldeia Praia do Índio, no médio Tapajós, no Pará, e tem dois filhos. Ela decidiu estudar na UFOPA para obter conhecimento jurídico para defender seu território e o rio onde vive. “Vai fazer dois meses que estou na cidade [de Santarém]. É complicado morar na cidade, porque tudo tem que comprar (água, frutas, até peixes e ainda tem que pagar aluguel para morar, pagar transporte e pagar apostila para estudar e ainda tem que comprar remédio)”, escreveu a indígena em texto que acompanha um pedido de doações para sustentar seus estudos na cidade, e que circula pelas redes sociais.
“Eu entrei no processo seletivo especial pois não tenho dinheiro para viver na cidade. Agora chega lá, e não tem a bolsa, que no é nosso direito”, afirmou Alessandra Munduruku à agência Amazônia Real.
A UFOPA está localizada na cidade de Santarém no Oeste do Estado do Pará, e atende pela educação universitária nas cidades de Itaituba, Juruti, Monte Alegre, Óbidos, entre outras.
Em janeiro, o MEC anunciou que cortou as bolsas do PBP por causa de novas diretrizes de avaliação estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), entre eles, o desempenho dos alunos e tempo de permanência na instituição.
Com o valor de R$ 900,00, os alunos pagam despesas com estadia e alimentação na cidade – já que muitos vêm de aldeias e quilombos, por vezes dias de barco da cidade de Santarém, e alguns recebiam ainda valores extras da própria UFOPA.
Para os alunos, essa decisão do MEC não levou em consideração o contexto de estudantes que necessitam de acompanhamento pedagógico não fornecido pela universidade. Além disso, a decisão também foi alvo de críticas dos estudantes indígenas e quilombolas, assim como de parte da comunidade acadêmica, já que deixava de fora da conta do período de permanência na universidade o programa de Formação Básica Indígena – que consiste em um ano extra de formação especial destinado a estudantes indígenas.
Em portaria interna publicada no dia 23 de abril, a UFOPA decidiu, entre outros pontos, que cada estudante não pode acumular mais de R$ 1.000,00, incluindo a Bolsa do MEC e auxílio da universidade. Entretanto, na prática, consiste na redução dos valores de bolsas para alguns estudantes, como os quilombolas ingressantes em 2015. Eles recebiam, além dos R$ 900,00 do PBP, um auxílio da UFOP de R$510,00.
Com a portaria, esses estudantes passarão a receber R$100,00 de auxílio da universidade e R$900,00 do PBP, somando um total de R$ 1.000,00.
“Estou desde janeiro, em reunião constante com a universidade, no princípio, quando houve o corte das bolsas dos estudantes indígenas e quilombolas. Naquele momento fizemos a ocupação, o reitor se comprometeu a pagar com o próprio recurso da universidade os valores das Bolsas que foram finalizadas”, afirma José Henrique de Jesus Pinto, coordenador do Coletivo dos Estudantes Quilombolas, e estudante de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional.
Ele disse que foi criada uma comissão interdisciplinar, para acompanhar os estudantes, e, naquele momento, foi “colocada uma proposta de que haveria o acompanhamento desses estudantes, um a um, para poder reintegrá-los à bolsa ou para poder avaliar se ainda valeria a pena pagar a eles, já que alguns alunos estão há mais de sete anos na universidade”, continua o estudante.
“As reuniões que temos tido na comissão têm sido levadas no sentido de continuar pagando ou não continuar pagando. Não foi feita nenhuma manifestação de interesse pedagógico ou de acompanhamento”, conclui José Henrique.
Estão matriculados na UFOPA mais de 7 mil estudantes, sendo 588 indígenas e 233 quilombolas, segundo a Proges. Eles ingressaram na instituição por meio do Processo Seletivo Especial.
Na última quinta-feira (09) aconteceu mais uma reunião com a reitoria da UFOPA, mas não houve definição de acordo entre a reitoria e os estudantes sobre o retorno da bolsa PBP.
“Em momento algum houve abertura para que pudéssemos fazer uma contraproposta também. Para nós, não é questão de valores, mas de permanecer na universidade. Não está havendo um diálogo, no sentido de resolver a situação. Está havendo uma imposição da universidade para gente”, afirma José Henrique.
O que diz a UFOPA?
A UFOPA divulgou nota oficial informando que o governo federal confirmou o bloqueio de créditos na ordem de R$ 21 milhões no orçamento de 2019 da instituição. Deste valor, 65% seriam para recursos de obras e R$ 38% para o funcionamento acadêmico e administrativo da Universidade.
A reitoria da UFOPA diz na nota que “mesmo antes do anúncio oficial por parte do Ministério da Educação (MEC), quando houve as primeiras indicações sobre estas restrições, a Reitoria buscou diálogo com o governo e com parlamentares, no sentido de impedi-las e garantir a execução do nosso Plano de Gestão Orçamentária (PGO), baseado na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso Nacional. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), da qual a Reitoria da Ufopa é integrante, tem uma reunião com o MEC na próxima semana na tentativa de reverter este quadro.”
A instituição diz que iniciou em 2018 um “processo de otimização e eficiência em nossos gastos com contratos, o que impossibilita hoje uma maior diminuição nos valores sem comprometer o funcionamento de serviços essenciais” e afirma que “o bloqueio de créditos orçamentários da Ufopa é maior, percentualmente, do que o de algumas universidades consolidadas.”
A UFOPA afirma que precisará “garantir a execução das atividades acadêmicas e das obras em andamento”, pois a partir de julho a instituição não terá “como honrar rigorosamente todos os compromissos, como energia elétrica, serviços de limpeza, segurança e aluguéis”.
“Os impactos se estendem para a impossibilidade de lançamento de editais de apoio à produção científica de estudantes e professores, e de apoio à participação em eventos científicos. Daremos prioridade aos auxílios e bolsas planejados, garantindo os recursos para os editais. As obras planejadas para 2019 não serão iniciadas. Das obras em andamento, somente a obra de construção do prédio no Campus Alenquer pode vir a sofrer alteração no cronograma de execução. As demais seguem o planejado, pois possuem recursos empenhados de 2018”, diz a nota.
Para José Henrique, entretanto, “em momento algum a reitoria deu margem pra uma contraproposta [por parte dos estudantes]. Nós entendemos a dificuldade que as universidades estão passando, devido aos cortes no orçamento, porém essa não é uma proposta que pegou carona nessa onda dos cortes, isso já era um plano da atual gestão, muito antes do governo anunciar os cortes”. Leia a íntegra da nota dos estudantes e instituições.
(#Envolverde)