ODS11

Medellín rende vários exemplos para cidades brasileiras

Por  Sílvia Marcuzzo em matéria especial para Revista Plurale *- 

Medellín, capital da Antióquia, ficou conhecida mundialmente por ser a cidade do Pablo Escobar. Só que hoje, a cidade é reconhecida justamente porque em pouco mais de 20 anos, deixou de ser uma das mais perigosas, para ser uma das mais criativas e inovadoras do mundo. E isso se deve a um trabalho contínuo, que envolveu vários segmentos: governos, empresários, sociedade civil, instituições religiosas, entre outros.

Em 1991, Medellín registrava 6.349 homicídios por ano. Em 2018, esse número caiu para 638. Esse e outros motivos levam ao coletivo POA Inquieta a se inspirar nessa grande cidade para promover reflexões de como podemos mudar a realidade da capital dos gaúchos.

Um grupo ligado ao coletivo de Porto Alegre esteve visitando a cidade por uma semana em novembro de 2021. E constataram o quanto a realidade brasileira pode aprender com as experiências de Medellín. Encaixada no vale do Aburra, a megalópole tem 2,5 milhões e meio de habitantes e transborda exemplos de cultura cidadã.

Adriane é professora da Unisinos e articuladora do POA Inquieta. Ela esteve à frente da terceira missão à capital da Antioquia, na qual fiz parte. Reporto um pouco do que constatei para Plurale.

A doutora em Sociologia pela UFRGS, professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Unisinos acredita que tanto em Porto Alegre como Medellín, há iniciativas de “alternativas emancipatórias”, que envolvem inovação social, como a economia solidária. Até hoje, Medellín utiliza os processos do Orçamento Participativo, que nasceu na Capital gaúcha para envolver a comunidade nas decisões de onde aplicar os recursos públicos.

‘Uma população que participa, conhece os seus problemas, tem mais condições de se auto organizar. Conhecer a própria a realidade é um elemento para a autogestão”, comentou a professora, reforçando que em Medellín, o processo de participação foi um projeto de estado de longo prazo e não de uma gestão.

Em Medellín, a participação social é monitorada. A cada dois anos são apresentados dados pela Universidade de Antioquia, que acompanha o nível de participação e do exercício da cidadania.

O primeiro passo, para a professora, é não negar a existência de conflitos, mas sim, procurar entender o que há por trás dos comportamentos. Esse é um dos motivos que lá foram promovidas rodas de conversa entre os moradores. Pois muitas coisas precisavam vir à tona. Inclusive muitas obras foram realizadas para solucionar conflitos entre segmentos da população.

Outro caso é o transporte por teleféricos, que possibilitou que muitos bairros de periferia tivessem acesso ao centro da cidade. Foi uma demanda das comunidades que foi viabilizada pelo poder público. No Rio de Janeiro, no Complexo do Alemão, também foi instalado um teleférico parecido com os de Medellín, mas não demorou muito tempo em operação. Segundo a pesquisadora, a população carioca não foi envolvida no processo.


Teleféricos conectam as partes altas da cidade. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Medellín conta com 14 Unidades de Vida Articulada, que são grandes centros comunitários, que a própria população decidiu que serviços gostaria de desfrutar. As UVAs ficam em lugares ondem antes ficavam reservatórias de água da EPM. Esta UVA, dispõe de piscina, ludoteca, atividades para crianças, adolescentes, idosos. Apenas uma UVA, localizada no bairro do Poblado, não fica na periferia.


Medellín dispõe de um sistema de bibliotecas para os estudantes – total de 36, das quais 10 parques bibliotecas e 26 bibliotecas. Esta biblioteca acima fica na Comuna 13. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

O município ainda dispõe de um sistema de bibliotecas, com 36 sedes, sendo 10 parques biblioteca e 26 bibliotecas. Várias organizações de Medellín monitoram o desempenho dos serviços. Uma das instituições que fazem parte desse sistema de monitoramento é a Proantioquia, uma entidade que congrega empresários de Medellín. Lá é medido o nível de satisfação dos estudantes com relação ao ensino que recebem, por exemplo.


Esta é uma Unidade de Vida Articulada – UVA – que oferece serviços para a população. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Os governos nas últimas décadas – o município tem data de fundação em 1641 – procuraram respeitar pelo menos 200 metros em volta do Rio Medellín, que corta a cidade. Isso possibilitou a construção da rede de metrô, a espinha dorsal da capital da Antioquia. O sistema de transportes também impressiona, pois utiliza distintos modais, conforme a necessidade dos usuários e a topografia.

A forte ocupação nas montanhas do Vale do Aburrá, em Medellín, mostra grandes manchas cor de tijolo e lembram as favelas cariocas. A grande diferença é que a prefeitura tem uma forte atuação nessas áreas e em boa parte das regiões há infraestrutura de transporte. Mas lá, o terreno das montanhas sofre com desmoronamentos. O engenheiro civil Leyman Murillo, que presta serviços para a “alcadia”, como se chama a prefeitura, conta que esteve já em favelas no Rio. Para ele a grande diferença na ocupação do território é que em Medellín, o Estado está presente procurando atender as demandas da comunidade.

A informalidade em Medellín é alta, 65% dos negócios são informais, conforme Oscar Santiago Uribe Rocha, do escritório de resilência de Medellín. Uribe, como é conhecido entre os “inquietos”, viveu várias fases da realidade da Capital da Antioquia. Teve sua casa atingida por bombas e também atuou junto a processos de construção de paz na Colômbia e na África do Sul, com Nelson Mandela. Para ele, o crucial em contextos como o Brasil e o seu país é enfrentar a desigualdade social, “a passos de tartaruga”. Devagar e sempre, como manda o dito popular.


Parque del Rio foi construído ao longo do Rio Medellín. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Um parque que conquista espaço para o verde

Uma das atrações da capital de Antioquia é o Parque del Río, construído ao longo do rio Medellín, em uma construção acima do túnel por onde passa uma movimentada avenida. Até o momento, o parque pega partes das margens do rio e uma extensão de um quilômetro de túnel. Com farta vegetação, vários equipamentos e mobiliário urbano, famílias inteiras ocupam com tranquilidade o agradável espaço até à noite.


O Parque del Rio apresenta especies de diferentes ecossistemas e essa parte até uma nevoa, uma fina chuva cai nas plantas e transeuntes. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Um dos destaques tanto do parque, quanto de vários lugares da cidade é o chamado “urbanismo pedagógico”, que são várias formas de promover a educação, a disseminação do conhecimento, em áreas públicas.


Sinalização do Parque del Río. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Medellín atrai gente do mundo inteiro

A cidade atrai gente de várias partes do mundo, não só turistas, mas também para morar. O sociólogo Manuel Manrique Castro, autor do livro A História do Serviço Social na América Latina, escolheu Medellín para viver. Ele conheceu muitos lugares do mundo, foi coordenador de programas da Unicef no Brasil e na Colômbia, conta que os investimentos em obras públicas de Medellín vem principalmente do lucro da EPM uma holding estatal que congrega várias empresas da área de saneamento e geração de energia, não só na Colômbia, mas em países como Chile, México e Estados Unidos.

“Devido ao meu trabalho em uma organização internacional, morei e conheci muitas cidades pelo mundo. Vim para Medellín a convite de uma instituição educacional e de direitos humanos e me atraiu porque é uma cidade onde se percebe força e progresso.


O sociólogo Manuel Manrique Castro, autor do livro A História do Serviço Social na América Latina, escolheu Medellín para viver. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Medellín, depois de ter atingido o fundo do poço no início dos anos 90 devido à violência das drogas, optou pelo caminho do desenvolvimento com equidade, da promoção da cidadania e dos direitos humanos. Ainda está longe de alcançá-lo, mas seu caminho é claro. Mas dispõe de uma sólida estrutura institucional, um setor empresarial comprometido com os objetivos do desenvolvimento sustentável e uma cidadania que intervém ativamente na defesa dos seus direitos e na identificação dos principais desafios dos setores populares.

 


O metrô de superfície funciona há 25 anos na cidade. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

Medellín enfrenta com criatividade seus desafios urbanos. Tem um metrô de superfície há 25 anos, o que a capital Bogotá não dispõe. O metrô é a espinha dorsal de um sistema de transporte integrado que, com o passar do tempo, melhora sua cobertura e tecnologia ecologicamente correta.


Um dos destaques de Medellin é que há arte espalhada pela cidade, todas estaçoes de metrô tem ou esculturas, instalações, como esse mosaico gigante. Foto de Sílvia Marcuzzo – Medellín/ Colômbia.

 

O investimento público em prol da equidade urbana e social é muito importante. A cidade conta com uma eficiente concessionária que contribui com boa parte de seu orçamento. Também possui um eficiente sistema de informação, monitoramento e controle que lhe permite coibir a corrupção.

Aqui a vida é agradável pela gentileza de seu povo, sempre entusiasmado, trabalhador e confiante no futuro. Como todas as nossas cidades, ela enfrenta sérios desafios, mas, ao contrário de tantos outros lugares, aqui você pode ver movimento positivo, inovação constante, visão de futuro e vontade de traduzir a equidade social em ações”.

 

Sílvia Marcuzzo – Editora do Portal Silvia Marcuzzo e no Canal Silvia Marcuzzo no Youtube.

Jornalista, Facilitadora de grupos. Consultora em Sustentabilidade.
Trabalha com temas socioambientais desde 1993 em redações, assessorias e projetos multissetoriais, principalmente envolvendo questões de sustentabilidade de quase todos os biomas brasileiros, especialmente Mata Atlântica e Amazônia.

*A jornalista Sílvia Marcuzzo esteve em Medellín e conheceu de perto o belo exemplo de busca pela construção da cultura cidadã da cidade colombiana.

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