por Gilberto Natalini *e Marcus Eduardo de Oliveira **
Para começar com verdades inconvenientes, há aí, no meio dessa relação conflituosa, um legado da destruição ambiental com uma rota definida que nos leva diretamente para um mundo insustentável.
Vale dizer às claras: um mundo que está se tornando inabitável, especialmente diante do agravamento dos impactos do aquecimento global.
“Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica”
(Papa Francisco, Laudato Si´, 101)
Verdadeira encruzilhada, no âmago dessa questão vamos encontrar o velho jogo das relações de acesso-posse-domínio-exploração do mundo natural, capaz de confirmar em termos gerais a tradicional posição de superioridade da economia mainstream em relação ao meio ambiente.
Isso quer dizer que tudo fica sob o domínio do poder da economia de mercado. Razão pela qual não é difícil notar as falhas dos líderes políticos e empresariais em tomar medidas significativas para mitigar o impacto das mudanças climáticas, conclusão que a própria ONU, por sinal, já apontou recentemente em relatório.
Seja como for, em torno dessa cisão citada se faz necessário destacar ao menos uma significativa constatação: o impacto no sistema Terra e no ordenamento climático promovido pela força antrópica, quer dizer, por aqueles que não hesitam em usar e abusar (da) natureza, aí localizadas as elites de poder corporativo (e não custa lembrar que são apenas 150 corporações que respondem por 70% das emissões de gases de efeito estufa em escala mundial), bem como as elites consumidoras capitalistas do Norte global (mantenedoras da sociedade de mercado e alimentadoras da emergência ambiental, dá no mesmo), se revela altamente insustentável, principalmente para a ideia maior (e responsável) do equilíbrio ecológico planetário.
Logo, importa anunciar que entendemos esse equilíbrio ecológico como elemento-chave para se pensar o futuro da sustentabilidade planetária. Ou mesmo a razão pela qual é possível imaginar – desde que vencido o status quo – levar qualidade ao sistema vida.
Para tanto, no interior de toda essa ação, resta o principal de tudo: vencer o mais significativo dos dilemas atuais, isto é, o fato de que a demanda da humanidade e a oferta ecológica (materiais e energia) se conflitam.
Em tal situação, será de fundamental importância vencer a atual economia de curto-prazo que se mantém afastada do cuidado ecológico, e cada vez mais se mostra incapaz de proteger as comunidades vulneráveis.
E vejam: mesmo diante do avassalador caos ecológico, não surpreende notar que as sociedades contemporâneas, submetidas à lógica capitalista e aos ganhos com produtividade, tão rapidamente aprenderam a se organizar em meio a essa confusão antropocêntrica.
Ocorre que o fizeram de um jeito conhecido: pautadas por um único e poderoso guia: a ideologia das quantidades, leia-se, a poderosa política de crescimento continuado, consistente agressão às condições ambientais do planeta.
Nessas circunstâncias, causa e efeito, à racionalidade econômica coube declarar a economia (de globalização capitalista) como uma espécie de locomotiva potente, capaz de puxar tudo para a frente. Por isso o projeto de modernidade continua (e em velocidade que assusta), pelo menos para o ambientalismo crítico, identificado com o custo do dano ecológico, o que implica em romper os limites ecológicos e ignorar a biocapacidade planetária.
Por isso, ainda, passamos a conviver com o costumeiro descaso ambiental, condição que ajuda a promover a cisão inicialmente citada. E como esse projeto de modernidade gesta a desestabilização de tudo, parece dispensável enfatizar agora, para fins de análise, o papel empenhado pelas dinâmicas capitalistas, responsáveis pela centralização do grande capital.
Porquanto, nesse desdobrar, é relativamente fácil constatar o quão forte vai se tornando esse capitalismo que degrada, devasta, subtrai e danifica a condição ecológica.
E tudo se complica ainda mais à medida em que as conhecidas forças dominantes não hesitam em defender no horizonte estreito do debate atual a ideia de que a luta pela preservação e conservação ecológicas, por exemplo, ou mesmo a imprescindível busca pela sustentabilidade planetária, obstaculiza o alcance de desenvolvimento.
Ora, os que não renegam a realidade sabem bem que a defesa dos ambientes naturais (dito no plural mesmo) não é incompatível com o desenvolvimento social, humano e ecológico. Por sinal, desenvolvimento com qualidade, na acepção do termo, somente é possível com mais – e nunca com menos – qualidade do meio ambiente. Assim sendo, deve estar atrelado à preservação ambiental.
Qualquer assunto contrário a isso nos parece peça rasa, vil, desprezível no debate ambiental atual.
Por último, todos os que professamos o catecismo ecológico, temos o dever de dizer em linguagem coloquial que o desenvolvimento humano depende de recursos naturais e energéticos.
Da mesma forma como a economia de mercado (e mesmo esse modelo econômico tradicional) depende da saúde planetária.
Portanto, em nome da boa economia, a economia tradicional não pode sacrificar o meio ambiente ou simplesmente ignorar a ecologia.
Todos precisamos de ecossistemas saudáveis e equilibrados. A vida agradece.
(*) Gilberto Natalini é médico-cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017) e candidato a governador do Estado de São Paulo pelo Partido Verde (PV) em 2014.
(**) Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018) e A Civilização em risco (Jaguatirica, 2024), entre outros.