Clima e Desenvolvimento é um binômio indissociável e por ser tema de grande relevância para a sociedade, há uma pactuação crescente em direção ao progresso social e de direitos para todos, equacionando problemas como a relação entre investimentos públicos e privados, na perspectiva do desenvolvimento econômico com a sustentabilidade. Esse panorama foi traçado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino, durante o painel Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030, realizado nesta quinta-feira como parte da terceira etapa da Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC).
O painel foi organizado pela Iniciativa Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030 e apresentou as possibilidades de promoção do desenvolvimento inclusivo para o País, com foco na descarbonização, considerada indispensável. As participações foram moderadas por Marina Marçal, coordenadora de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (iCS), para quem a década atual é estratégica “para traçarmos rotas de adaptação e descarbonização para os países signatários do Acordo de Paris”.
Nesse sentido, Flávio Dino, que também preside o Consórcio de Governadores dos nove estados integrantes da Amazônia Legal, lembrou que as normas só terão eficácia se houver um convencimento da sociedade no sentido de moldar as relações sociais na vida concreta. Segundo ele, desde a conferência de Estocolmo, em 1972, houve uma conscientização crescente entre os agentes econômicos, empresários e gestores públicos para a necessidade de “cuidarmos desse binômio clima e desenvolvimento, pois apenas com segurança climática haverá sustentabilidade, inclusive nos negócios”.
A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Understell, confirmou o fato de que “estamos na década crítica da descarbonização como um imperativo e temos de chegar a 2030 com pelo menos metade das emissões de gases de efeito estufa que temos hoje na economia global, mas, infelizmente, estamos longe disso”. Apesar de ser um ponto preocupante, a descarbonização também representa, disse ela, uma grande oportunidade em função do surgimento de tecnologias que permitem acelerar esse processo, como ocorre em setores estratégicos, como o energético, “e que pode se espraiar para outros segmentos, como agricultura e edificações”.
Natalie lembrou que, hoje, o quadro é bastante promissor, com a mobilização de setores relevantes da economia, como a comunidade financeira internacional, os bancos centrais, todos preocupados com os riscos climáticos, “confirmando uma situação bastante favorável e o surgimento de vários desafios, principalmente quando a gente olha para o contexto nacional”. Dados mostram que, em 2020, o Brasil foi o quinto maior emissor de gases de efeito estufa e o primeiro emissor em relação à agricultura, florestas e uso da terra, além do aumento da pobreza e de uma economia estagnada.
Por isso mesmo, disse ela, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira precisa ser atualizada, com o governo brasileiro apresentando metas climáticas mais ambiciosas para descarbonizar e crescer, criando estratégias de longo prazo. A proposta é reduzir 60% das emissões até 2030 contra os 43% sugeridos pelo governo brasileiro, o que acarretará um aumento significativo no nível de desmatamento, saindo dos atuais 10 mil quilômetros quadrados para até 13 mil km2.
Para a vice-presidente de Marca, Inovação e Sustentabilidade da Natura, Andrea Alvares, é inegável o peso e o papel do setor privado no alcance da sustentabilidade climática: “Essa é uma discussão tão urgente, embora os dados sejam bastante conhecidos, que provoca angústia e inquietude, e nos faz pensar por que não conseguimos nos mover mais rápido na transformação desse cenário, no que se refere à descarbonização, mudança nos padrões de consumo e de modo de vida para um lugar de respeito à vida”.
Andrea Alvares afirmou: “Estamos, coletivamente, promovendo resultados que ninguém quer, como crise climática, depressão, ansiedade, por isso, é preciso transformar o sistema para conquistar as mudanças necessárias “. Ela destacou que a Natura está na Amazônia há mais de 20 anos com o compromisso de manter a floresta em pé, promovendo inovação, desenvolvimento social e econômico para a região, colocando em prática um plano de reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa, “porque a gente acredita que esse é o caminho da inovação, da competência e da competitividade”.
E recomendou às empresas que desejam investir naquele bioma: “Não entrem na Amazônia levando sua lógica predatória de maximização e de esgotamento de recursos, pois a lógica que funciona ali é a da descentralização, da diversidade, de respeito aos limites da natureza, ao conhecimento já existente, à inteligência da própria natureza e dos povos que ali estão há milênios e cujo conhecimento a gente vem dizimando”.
Na opinião de Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú, o Brasil tem um grande potencial para liderar uma economia de descarbonização. Ele apresentou uma visão de futuro estruturada em quatro pilares. O primeiro já é uma condição, são as situações inexoráveis e que estão muito claras; o outro se baseia em análise de futuro, é o mundo das tendências; o terceiro oferece uma abordagem menos tangível, que são as emergências, que vão aparecendo e não estão muito claras no mundo das tendências.
Dentro desse contexto, elencou, “a emergência climática e a necessidade de lidar com ela, não é mais uma tendência, já virou condição e temos de levar isso em consideração como país. Ao lado dessa urgência climática aparece, crescentemente, o uso da terra como tendência e elemento central para lidarmos com a urgência climática”. A quarta tendência, acrescentou Waack, é o mundo da transição alimentar: “O Brasil é um player fortíssimo no capital ambiental e na produção de alimentos, com grande relevância no protagonismo geo-político e como produtor de alimentos”, e precisa lidar com essas externalidades, já que a imagem atual do governo não é das melhores mundo afora.
A partir do contexto apresentado, vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro afirmou, na Cúpula do Clima, o compromisso com a neutralidade climática em 2050 sem, no entanto, atualizar a NDC brasileira, sem apresentar uma trajetória clara de implementação e de alcance das metas. Com base nessa realidade, as organizações não governamentais, governos estaduais, setor produtivo, academia e sociedade civil decidiram unir forças para propor cenários para uma meta climática mais ambiciosa, reduzindo emissões de gases dentro de uma perspectiva de recuperação econômica verde.
O debate foi organizado pela Iniciativa Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030, coordenada por um Comitê Executivo que reúne mais de dez instituições da sociedade civil organizada, academia e setor produtivo e conta, ainda, com um Comitê Político Externo, que congrega grandes nomes da área ambiental e do setor produtivo, e um Comitê Jurídico. A Iniciativa objetiva construir um documento oficial, formatado com as várias visões e cenários para o Brasil até 2030, levando-se em conta o preocupante quadro das desigualdades sociais agravadas pela pandemia de COVID-19.
Para assistir a íntegra das discussões, basta acessar o canal do Instituto Ethos no YouTube: https://bit.ly/3C9m4yM