por Sucena Shkrada Resk* –
Manifestações nas ruas, no último dia 20, são um reforço à Cúpula Jovem do Clima da ONU, que ocorreu neste sábado, dia 21, e à Cúpula oficial, que acontece hoje (23/09), com discursos de governantes de mais de 60 países
A sensação de pertencimento a uma causa comum reuniu mais de 4 milhões de pessoas, de diferentes idades, em 6.100 manifestações, em 185 países nas Mobilizações Globais pelo Clima, no dia 20 de setembro. No Brasil, houve a mobilização em pelo menos 20 estados, com 70 ações em mais de 80 cidades envolvendo 60,000 pessoas. Na América Latina, foram por volta de 160 ações, em 25 países, totalizando mais 70 mil pessoas, com destaque para México, Peru, Colômbia, Paraguai, além do Brasil. Mas as iniciativas continuam em várias localidades, como a Marcha Global pelo Clima – em Defesa da Amazônia e do Cerrado, programada para 27 de setembro, em Teresina, PI, e a 2ª Marcha Gaúcha do Clima, no dia 29, em Porto Alegre, RS.
O que é possível identificar é que cada vez mais pessoas ingressam na mobilização pela causa climática, querendo obter informações qualificadas com quem já milita há anos na causa, unidas pelo sentido de urgência e emergência, que observam diante de fatos concretos que ocorrem com a intensificação dos eventos extremos e as análises e construções de cenários apresentados por cientistas. A chamada que ressoa de forma recorrente é que “Não existe plano B para o planeta”, com o avanço das mudanças climáticas e do Aquecimento Global.
Vivemos uma crise climática, esta é a tônica que começa a vigorar e se acentuou na Cúpula Jovem do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 21, e hoje, no encontro da Cúpula do Clima Oficial, com dezenas de governantes, que ocorrem em Nova York, EUA.
Prazo está expirando
“O engajamento se torna cada vez maior. As mudanças climáticas já impactam as pessoas. Os idosos são os mais vulneráveis ao mesmo tempo que o futuro das crianças fica mais comprometido. Se continuarmos com o mesmo modo de agir, com grandes emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) pelos fósseis e pelo desmatamento, e não mudarmos os modelos de negócios, a situação fica mais difícil”, avalia Nicole Oliveira, estrategista de mobilização global da 350.org.
A especialista lembra que há um prazo de nove anos para se zerar as emissões, de acordo com recomendações e estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), composto por cientistas do mundo inteiro que subsidiam a ONU. “Caso contrário, a gente vai chegar em um ponto sem volta. O IPCC alerta há muitos anos sobre a gravidade dos impactos climáticos. O último relatório expôs a aceleração do problemaAs famílias e diferentes movimentos, como da Igreja, com a base da Encíclica Laudato Sí, do papa Francisco, e de outras religiões estão auxiliando nesta mobilização quanto a ações proativas ser uma obrigação de todos, por meio de protestos e cobranças”, diz. Veja também Sínodo da Amazônia tem como tema central a ecologia integral .
A 350.org também está acompanhando de perto e participando da agenda em Nova York. “Na sexta-feira, a manifestação nas ruas foi impressionante. Inclusive crianças e educadores de escolas de ensino fundamental participando, além de outras organizações coletivas. “A conscientização de que é preciso atuar chegou ao nível global. O que acontece ainda hoje é que há uma forte pressão do interesse privado sobre as decisões governamentais, em especial da indústria fóssil. As empresas mais poderosas influenciam o processo da negociação nas conferências do clima (a deste ano é em dezembro no Chile – COP25). A tentativa é mudar a balança para pender ao interesse público. Esta é a complexidade em jogo”.
Mais um ponto importante, segundo Nicole, da 350.org, é combater o chamado greenwashing (conhecido como lavagem ou maquiagem verde) por parte de empresas, que querem se aproveitar do atual momento para passar uma imagem falsa em favor do meio ambiente. “É preciso defender a justiça climática e social. Não é só a meta de transição do fóssil às energias renováveis, mas uma energia que gere e distribua renda, com a própria comunidade detendo a tecnologia”, afirma.
Cúpula Jovem do Clima
A Cúpula Jovem do Clima, no sábado, reuniu mais de 700 jovens líderes ativistas de 140 países, com destaque à presença da sueca Greta Thunberg, 16 anos, precursora da mobilização Fridays for Future, também conhecidas por Sextas-feiras pelo clima ou greves climáticas. Eles apresentaram seus anseios e projetos ao secretário-geral da ONU António Guterres e a empresários e representantes de governos. A ativista também participou hoje com os “adultos” e deu um recado desconcertante aos adultos:
“Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias…Nada vai parar o movimento dos jovens” (Greta Thunberg)
Entre estes jovens ativistas, que se encontram nos EUA, estão alguns brasileiros. Um deles é o estudante de Engenharia Ambiental curitibano João Alves Henrique Cerqueira, 27 anos, que integra a Rede Ciclimáticos, que anda sobre “bikes” pelo país e coleta relatos de quem milita e é afetado e está se adaptando às mudanças climáticas. Já percorreu mais de 500 km pelo país nesta iniciativa.
Também integra o grupo, o doutorando em Geografia Ambiental Danilo Inacio, que estuda atualmente na Austrália, e desenvolve pesquisas a respeito da Amazônia e o gaúcho Ezequiel Vedana, 31 anos, formado em Comércio Internacional. O jovem empreendedor criou um produto biodegradável que age sobre a urina, que possibilita a redução a quantidade de descargas.
Na representação feminina, estão a estudante de Direito, em Brasília, Paloma Costa, que coordena o grupo de clima do coletivo de jovens Engajamundo, e também é uma das fundadoras do Ciclimáticos, e Artemisa Barbosa Ribeiro (Artemisa Xakriabá), 19 anos, de Minas Gerais. A indígena desde mais nova está envolvida em ações de reflorestamento e direitos indígenas. Ela chegou a se encontrar com congressistas norte-americanos, pedindo apoio aos povos indígenas e à questão climática. Acompanhou Greta Thunberg na Mobilização Global pelo Clima, na sexta-feira.
A jovem empreendedora e estudante de biotecnologia baiana Anna Luísa Beserra, 21, que foi uma das vencedoras do Prêmio Jovens Campeões da Terra, do Pnuma (braço ambiental da ONU), também representa o país. Ela desenvolveu em parceria com outros estudantes das Universidades Federal da Bahia e do Ceará, um equipamento que distribui água potável para mais de 250 pessoas e deve chegar a 700 até o final de 2019. O filtro tem o papel de purificar a água da chuva coletada por cisternas de áreas rurais por meio de raios solares.
Democratização do discurso
A 350.org Brasil ao acompanhar e participar da Mobilização Global pelo Clima tem encontrado uma multiplicidade de personagens, desde mães e pais com bebês recém-nascidos caminhando e se manifestando pelo clima a avós, que levam às ruas suas bagagens de vida para contribuir às manifestações. Para este contigente de cidadãos (ãs), não importa se os cartazes são escritos a mão e feitos de pedaços de papelão ou estão em papeis mais sofisticados. O que une a maioria são mensagens que se travestem em formatos de apelo, como “Não estamos fazendo o suficiente”; “Gente fria aquecendo o planeta”; “Deixa o verde em pé”; “Natureza acima de tudo”; “Nossa casa está em chamas”; “Não existe planeta em pé, se a gente ficar sentado” e “Somos Amazônia”. É um processo de democratização do discurso.
Confira os depoimentos de algumas personagens da sociedade civil, que fizeram parte deste dia histórico, no dia 20.
“Acho importante participar, porque é nossa hora de ocupar espaços e ter liberdade para falar sobre esse tema, porque a gente já está sendo afetado pelas mudanças climáticas. Antigamente na nossa região, tinha muitos rios, animais e a poluição começa a destruir tudo isso. A gente tenta proteger o que ainda tem de natureza, porque são a nossa vida”, disse o indígena Geneci Veríssimo, 24 anos, que vive na aldeia guarani Mbyá – Tekoá Pyaú-, na região do Jaraguá, na capital paulista.
Yamani Kandara Pataxó, estudante de Letras, afirma que a defesa climática é uma luta que está ligada ao modo de vida indígena. “A nossa cultura é uma forma de defesa da natureza e com o Aquecimento Global, ninguém escapa dos efeitos. A mobilização é uma forma de chamar a atenção para o perigo das invasões de terras indígenas que estão ocorrendo, extrações ilegais de minérios e de grandes latifúndios”, diz.
Para o jovem estudante do ensino médio, o paulistano Gustavo Moreira Silva, 16 anos, da zona Sul de São Paulo, o que o levou a estar pela primeira vez em uma mobilização climática foi a constatação de que o próprio ser humano “está destruindo o planeta”. “Mesmo havendo alguns esforços pelo meio ambiente, ainda é muito pouco. Temos de levar a conscientização para nossa comunidade, nas nossas escolas. Como é possível o consumo de tanto plástico, que também polui os oceanos, e contribui para as mudanças climáticas? Quero ajudar a fazer a diferença, mesmo que seja pequena”, disse. Ele produziu seu próprio cartaz dando este alerta sobre a ação antrópica.
A estudante de Biologia Ingrid da Silva Oliveira, 23 anos, que mora em Mogi das Cruzes, afirma ter esperança que as mobilizações possam “chacoalhar” as pessoas, para que possam refletir. “Embora a gente tenha um tempo limitado, vivemos um problema grave, em que as respostas devem ser dadas coletivamente, já que quem deveria cumprir as metas de redução de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e que detém o poder das decisões nas nações não está cumprindo. O que me preocupa é que teremos dificuldades de produzir alimentos em poucas décadas, com as secas e chuvas se acentuando. Precisamos agir para ontem”, considera.
E para agir, todas as gerações devem estar envolvidas, segundo o ativista João Paulo Amaral, que participa dos coletivos Bike Anjo e Famílias pelo Clima. “Nós enxergamos que existe uma emergência climática, em um contexto em que há governos negando isso e cientistas sendo calados. O Famílias pelo Clima é derivado de um movimento global – Parents for Future. Aqui no Brasil nasceu com um grupo de mães com demandas por um futuro climático seguro. Por aqui envolve tios, avós, filhos, ajuda a mediar a ansiedade causada às crianças, pelo problema das mudanças climáticas”, explica.
Fazer as relações com o que acontece no dia a dia, é que atraiu a jovem Camila Alves, 18 anos, de Taboão da Serra, SP, à causa. “Estou em uma mobilização pela primeira vez e quero fazer algum tipo de voluntariado, tentar explicar aos meus pais e na comunidade, o que está acontecendo, que influencia em nossa saúde e no meio ambiente. A informação é necessária para todo mundo. Já sentimos os efeitos das mudanças climáticas, na qualidade do ar, no desmatamento com grandes extensões de terra com o agronegócio”, diz.
Aulas abertas
Para multiplicar as informações, acadêmicos que tratam do tema também estão saindo das salas de aula para ministrar “aulas abertas”, como ocorreu no vão do MASP, em São Paulo. “A sociedade é um ator importante. A nossa produção científica tem de ser aberta. E os problemas do cotidiano trazem uma releitura, como do rodízio de veículos que acontece em São Paulo. Ele nasceu como uma medida instigadora de abandono do uso do carro, mas hoje é muito mais, as pessoas querem ar puro”, explica Silvana Zioni, professora de bacharelado em Políticas e Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC (UFABC).
O cientista social Pedro Jacobi, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM/USP), analisa que o caminho da conscientização só pode acontecer por meio do incentivo ao diálogo.
“Tratar de planos, boas práticas, educação nas redes globais, no planejamento territorial. A sociedade precisa se dar conta das escolhas erradas feitas pelos líderes de governos quanto ao clima. As agendas já estão colocadas. Muito dessa mobilização hoje se deve à iniciativa da jovem Greta Thunberg. Uma oportunidade para que estes jovens saibam o papel que têm de encostar quem tem poder de decisão na parede, por meio das cobranças e atitudes proativas”. Jacobi é um dos organizadores do e-book “Planejando o Futuro Hoje: ODS 13, Adaptação e Mudanças Climáticas em São Paulo, lançado recentemente.
Crédito da foto: Sucena Resk/350.org Brasil
Na avaliação do constituinte, o advogado e ambientalista Fábio Feldmann, as mobilizações são um sinal de que a sociedade quer os governos dos países sejam mais proativos com relação ao meio ambiente e especialmente ao combate às mudanças climáticas, nas negociações internacionais. “Não é uma preocupação só com a situação da Amazônia, mas com qual é o nível de ambição para a solução dos problemas por parte dos governos, na Cúpula do Clima”, diz.
O sociólogo e ativista ambiental Edson Domingues complementa que as decisões em nível local, nas cidades, é uma importante instância de participação, e precisam ser cada vez mais estimuladas. “Um ponto importante diz respeito à transparência. Um exemplo é quanto informações com relação à predominância da matriz energética que está sendo adotada em nossa frota de transporte coletivo, que tem um novo processo de concessão, e se o prazo para torná-la renovável e limpa, está respeitando o Plano Municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo”, sugere.
Sobre a 350.org Brasil e a causa climática
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.
Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil
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