ODS15

Águas no Rio, lavas de vulcão na Islândia. Onde está o erro da humanidade?

Por Amélia Gonzalez – 

Acompanho, desde cedo, os alertas do prefeito Eduardo Paes à população por causa das fortes chuvas que caem sobre a cidade. As pessoas têm que ficar em casa, o ensaio de escolas de samba, que costuma acontecer no Sambódromo, foi cancelado (ponto positivo para a administração municipal). É preciso evitar as áreas alagadas, que são muitas. A chuva que caiu de ontem para hoje superou, novamente, todos os índices pluviométricos de que se tem notícias até hoje.

Esta foto mostra a situação da cidade islandesa . É do jornal https://www.mbl.is/frettir/
Não vou me esmerar em buscar números para provar que choveu muito. Os Serviços Meteorológicos já estão alimentando as notícias dos sites, fartamente, com esses dados.

O que me interessa aqui, como sempre, é refletir sobre a relação homem/natureza. Ou homem e meio ambiente, expressão que ficou mais forte na Conferência de Estocolmo, 1972, cujo relatório final se transformou num livro de rara riqueza histórica – ‘Uma Terra Somente’, escrito por Barbara Ward e René Dubois – cujo exemplar não sai aqui da minha estante mais próxima.

Naquela época, reunidos em torno de um tema ainda pouco experimentado, líderes das Nações Unidas falavam em “meio ambiente humano’. O livro é uma compilação de tudo o que foi discutido na primeira Conferência mundial sobre o clima, e a folhas tantas há a recomendação:

“Um consultor pede especificamente aos autores de ‘Uma Terra Somente” não permitirem que o corpo editorial reduza o livro a uma simples narração de fatos porque a salvação dependerá, afinal, de um despertar emocional”.

O pedido foi respeitado. E os autores concluem, em quase todo o texto, que “o estabelecimento de um ambiente humano desejável significa mais que a manutenção do equilíbrio ecológico, que o controle econômico dos recursos naturais e mais que o controle das formas que ameaçam a saúde biológica e mental”. Sabe-se hoje, certamente, o que ficou entendido como ‘controle econômico dos recursos naturais’. É o tal desrespeito às leis do ‘ambiente’, que não é apens “humano’, como também já se sabe muito bem hoje.

As chuvas intensas são provocadas pelas mudanças climáticas, e disso ainda não se tinha noção em 1972. Mas naquela época o cheiro de que alguma coisa precisava ser feita para manter a “saúde’ já se sentia forte.

Houve muitos estudos de lá para cá, mas um fenômeno (teria sido inesperado?) atravessou as boas intenções dos líderes da época:  a população mundial saiu dos 4 bilhões para os atuais 8 bilhões, ou seja, o dobro de pessoas habita o planeta, meio século depois. Muita gente junta, sinônimo de problemas, certo?

Não é bem assim. Isto não deveria ser o problema, lembra Barbara Duden,  historiadora médica alemã, estudiosa de estudos de gênero e professora emérita da Universidade de Hannover, em artigo no “The Development Dictionary” (Ed. Z). Duden faz uma retrospectiva sobre a mudança do significado da palavra “população” desde os anos 50.

A historiadora chama atenção para o uso da palavra desenvolvimento, sempre associada a coisas boas, em contraponto ao “uso indevido e injustificado’ da palavra “população”, que se tornou, praticamente, a necessidade de um extermínio das pessoas no planeta.

“População não agrega valores, mas pessoas que se reproduzem, poluem, consomem, produzem e, para o bem comum, precisa ser controlada”, escreve ela.

A conclusão é: o planeta não comporta mais tantas pessoas. Mas, de fato, o que se quer “controlar” é o nascimento de mais pessoas de países pobres. Em vez de construir um planeta possível para oito, nove, dez bilhões (chegaremos lá no fim do século), a ideia é que se contenha, que se refreie o nascimento de mais cabeças que, no fim e ao cabo, podem ajudar, com sua cratividade, a encarar o problema de forma mais humana.

Trazendo novamente o assunto aqui para nosso microcosmo, para a cidade do Rio de Janeiro alagada. Sim, as mudanças climáticas vão intensificar esses fenômenos, o que há muito os cientistas estão alertando. Sendo assim, o que fazer? Um controle de população ou um remanejamento das construções urbanas para evitar que as pessoas morem em áreas de risco, assim como um maior controle do lixo urbano para evitar que os canais sejam entupidos e não deixem escoar as águas da chuva?

Acertou quem marcou a segunda opção. E por que isso não é feito? Bem, aí precisaremos andar mais ainda na História do mundo ocidental, que se apegou a um sistema econômico decididamente a favor da acumulação, não da distribuição de riquezas (e não estou falando, por óbvio, das riquezas naturais).

Prefiro me ater ao presente e apresentar aos leitores um outro caso de descontrole urbano que funciona contra a população. Vamos até o outro lado do mundo, à fria Islândia que, hoje, ao mesmo tempo em que aqui lidamos com o excesso de águas, se apavora diante do fogo que sai do vulcão extinto há oitenta anos.

Um vulcão solta lavas de tempos em tempos, e disso sabemos desde que a humanidade desenvolveu ferramentas para estudar as riquezas do planeta. E por que se constrói uma cidade com lindas casinhas, exatamente no caminho que essas lavas percorrem?

Obviamente eu não tenho essa resposta. Mas tenho direito de imaginar algumas condições que levem pessoas a ocuparem alguns espaços. Graças à tecnologia que me proporciona chance de pesquisar em tempo real os dados que busco, fico sabendo pelo Google que a cidade atingida pelas lavas, Grindavik, tem cerca de quatro mil habitantes. Para não ser injusta com nossos problemas, é bom saber também que toda a Região Norte do Rio de Janeiro, a mais atingida pelas chuvas, tem mais de dois milhões de moradores.

Voltando à Grindavik, fico sabendo, também em fontes de pesquisa da web, que a pesca é seu principal meio de sobrevivência. Mas, vejam só: não estamos falando apenas de pescadores artesanais, que pescam para si e, no máximo, para a vizinhança. Grandes corporações já se instalaram ali, e no bojo, pescam também baleias, cuja pesca é uma verdadeira matança, e só serve mesmo para exportar.

Não, não estou dizendo que o vulcão soltou suas lavas em protesto à matança de baleias. Não chego a esse ponto de pensamento “emocional’, como previam nossos líderes em 1972. O que imagino é que o suporte financeiro que tais grandes empresas oferecem aos moradores locais perto de grandes reservas naturais (baleias incluídas) pode dar uma pista, ao menos, que leve à resposta da pergunta que faço acima.

Quanto à cidade do Rio de Janeiro, por ser um território mais próximo e conhecido, vou ousar fazer uma afirmação, com base na leitura de alguns especialistas: o planejamento urbano está bem equivocado. Se tem pessoas demais, é preciso espalhá-las, criar transporte eficaz para conduzi-las de maneira segura ao local de trabalho. É preciso também oferecer meios para que essa população tenha tudo o que precisa perto de casa (escola, hospital, lazer).

E a lista de melhorias urbanas continua, é grande. Não vamos conseguir parar a intensidade das chuvas, porque já mexemos bastante no meio ambiente (que não é propriedade dos humanos somente, gosto sempre de ressaltar). Mas podemos, com toda a capacidade e humanidade (sim, essa é uma boa palavra), tentar meios para nos equilibrarmos diante dos eventos que virão, sem machucar mais tanta gente.

(Envolverde)