Por Beatriz Mirelle, da Redação* –
Esta matéria faz parte do PEPE (Programa Envolverde de Parcerias Estudantis).
Presidente do Instituto Arara Azul fala sobre o aumento nos focos de incêndio, extinção de espécies e conscientização
A bióloga Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul, foi a convidada do Diálogos Envolverde da última quinta-feira (17). Em meio a progressão de incêndios que afetam o Pantanal, a especialista analisa a atuação da população local e dos governos no combate às queimadas. Com mediação dos jornalistas Dal Marcondes e Reinaldo Canto, Neiva pontuou as principais causas do crescimento de focos de incêndio e os possíveis resultados do “pós-fogo”.
O Projeto Arara Azul atua no monitoramento e conservação de várias espécies, principalmente das araras azuis. Desde 2014, elas estão fora do risco de extinção, porém, com a destruição de locais considerados redutos, podem voltar para essa triste lista. “Observamos há mais de 15 anos a fazenda São Francisco do Peligari, um dos maiores santuários das araras no pantanal mato-grossense. Em 20 dias, o fogo basicamente varreu essa propriedade”. Neiva confessa que inicialmente sentiu-se impotente ao entender a magnitude do ocorrido, entretanto já sabia que algo assim poderia ocorrer. “Os focos de incêndio começaram em fevereiro. Foram pequenos, mas diferentes, porque naquele período o Pantanal está alagado. Talvez apenas em outubro chova o suficiente para cessar o fogo”.
Entenda os fatores da extensão do fogo e as consequências disso, de acordo com a especialista:
Araras azuis
A bióloga justifica que a recuperação do número de araras azuis foi feita por meio de manejos que contaram, majoritariamente, com a ajuda da comunidade local. Além de ser alvo do tráfico animal, as aves sofrem com a coleta das penas pelos povos originários e a descaracterização do habitat natural, por conta do desmatamento e queimadas.
“Antes dos incêndios, a população de araras já havia aumentado. Mesmo assim, percebemos alguns retrocessos na conscientização da população e uma interferência das mudanças climáticas no sucesso reprodutivo delas”. Dentre as transformações, Neiva ressaltou as chuvas concentradas em larga escala em um curto período de tempo, o que alaga os ninhos, além de secas extremas, que geram mortes por insolação.
Ela conta que esses animais possuem especificidades reprodutivas e alimentícias que são prejudicadas com a perda do habitat. “Sem árvores para se reproduzirem e palmeiras para se alimentarem, não restará araras”, lamenta. Além disso, a especialista reforça sobre o possível aumento na disputa por ninhos e a predação de adultos e de filhotes por falta de comida.
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Cultura do pantaneiro
Neiva entende que as proporções que as queimadas estão tomando em 2020 correspondem a uma junção de acontecimentos. “A escassez de chuvas e o baixo nível de água nos rios, principalmente no Rio Paraguai, um dos grandes distribuidores na região, são influenciadores”. Com o alto índice de matéria seca, o pantaneiro tem costume de colocar fogo em certos territórios para que o gado coma um pasto mais fresco, assim como os indígenas, que usam o fogo para limpar determinadas áreas. “A seca, os ventos fortes e essa cultura de se colocar fogo como estratégia de renovação pode gerar extrapolação e descontrole”.
A especialista conta que esse não é um costume apenas da área rural e que a mudança precisa ser na mentalidade das pessoas. “Trabalhamos com a Secretaria de Meio Ambiente e outras instituições para o combate e conscientização dessas práticas. Além de ser crime na área urbanizada, a queimada proposital também está proibida por 120 dias”, informa.
Consciência e ação
Como forma de combate, a bióloga compreende que os jovens são a grande chance de transformação do estilo de vida. Apesar dessa esperança, ela aponta que as mudanças precisam ser feitas rapidamente. “As pessoas estão acelerando o processo de extinção de fauna e flora sem perceberem que os humanos também serão atingidos. A conscientização não é possível de maneira isolada, é necessário dar alternativas para substituir as atividades que, apesar de serem culturais, são erradas”. Para isso, ela destaca que é imprescindível a ação da ciência juntamente com os órgãos públicos instituindo campanhas e políticas públicas de preservação e conscientização ecológica.
Neiva frisa que as maiores atuações no combate às queimadas no Pantanal são feitas por brigadistas, fazendeiros, pesquisadores e pela população. A falta de pessoas e equipamentos especializados para alcançar áreas remotas são entraves durante as ações dos atores sociais.
“Sabemos que o governo atual não incentiva a preservação, a saúde e ciência. Há um retrocesso e uma atuação tímida na ajuda a esses temas. Os recursos dos órgãos ambientais foram extremamente reduzidos do ano passado pra cá, então, mesmo que quisessem, não haveria estrutura para ajudar”, pontua a especialista. O bioma do Pantanal já está com mais de 20% da cobertura vegetal destruída, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mesmo assim, na última quinta-feira, em um discurso feito durante a inauguração de um complexo de usinas solares em Coremas, na Paraíba, o presidente Jair Bolsonaro declarou que “o Brasil está de parabéns” na preservação ambiental.
Diálogos Envolverde
A entrevista na íntegra feita com a bióloga Neiva Guedes está disponível no YouTube da Agência Envolverde. Nesses canais é possível conferir outras lives do Diálogos Envolverde, programa que acontece toda quinta-feira, às 11h. Além disso, nesta quinta-feira (24), às 19h, será transmitido o último encontro do Seminário Campinas 2030, formado por especialistas de Campinas e região que discutem sobre a pauta socioambiental.
e*Conteúdo multimidiático produzido por estudantes de Jornalismo Presencial da Universidade Metodista de São Paulo, sob a supervisão dos professores Alexandra Gonsalez, Eloiza de Oliveira Frederico, Filomena Salemme e Wesley Elago.
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