ODS15

Da sustentabilidade à nova era regenerativa

por Unisinos – 

Além da sustentabilidade, há um conceito que está ganhando impulso nos últimos anos: o desenvolvimento “regenerativo”. Da agricultura à economia, do projeto ao urbanismo, a ideia é criar “as condições propícias para a vida”, uma receita tirada da própria natureza e de sua capacidade para desenvolver ecossistemas cada vez mais complexos e diversos.

A reportagem é de Carlos Fresneda, publicada por El Mundo, 15-02-2021. A tradução é do Cepat.

“A sustentabilidade em si não basta”, aponta o biólogo, pensador e divulgador ambiental Daniel Wahl, nascido em Munique (1971) e fixado em Mallorca [Espanha], autor de um livro à frente de seu tempo que, enfim, é publicado em espanhol: “Diseñando culturas regenerativas” (Ecohabitar).

“A palavra sustentabilidade pode resultar inadequada, se nos perguntarmos: o que realmente devemos sustentar?”, aponta Wahl. “Após trabalhar por anos e de inclusive terminar minha tese sobre o projeto sustentável, percebi que temos que dar um passo além. Precisamos avançar para uma cultura regenerativaresiliente e adaptável, que sirva para criar um futuro próspero para o planeta e para a humanidade”.

A cultura, o quarto pé da equação

Daniel enfatiza a palavra “cultura”, porque em seu entendimento é também o quarto pé que até agora faltava na equação: “A economia, a ecologia e a sociedade foram consideradas como os três pés da sustentabilidade. Mas a mudança mais profunda talvez seja o que deve ser produzido em nível cultural, porque é aí que está a chave de nossa visão do mundo. A cultura é a que marca nossos padrões de conduta e de pensamento, e a que nos permitirá deixar para trás essas ideias “imediatistas” que nos levaram a este ponto crítico”.

Diseñando culturas regenerativas” foi escrito originalmente e publicado em inglês quatro anos antes da pandemia. Mas sua mensagem de “saúde e resiliência” é de uma palpitante atualidade, unida a seu valor como resposta à emergência climática, a perda de biodiversidade e o esgotamento dos recursos, entre outras crises ambientais que se acumulavam sob o tapete.

“Estamos assistindo à queda de um sistema que já não nos serve”, alerta Wahl. “O importante é admitir que isso faz parte do processo da própria vida. É assim que a vida na Terra evoluiu por 3,8 bilhões de anos e é assim que continuará funcionando”.

Daniel Wahl se sente devedor, entre outros, de Fritjof Capra, autor de “A teia da vida”, e do professor de Estudos Ambientais David Orr. Também não pode esquecer o que aprendeu com John Todd (o inventor das ecomáquinas) e com Janine Benyus, a autora de “Biomimética”, de quem recebeu uma das lições mais valiosas.

“A vida tende a criar as condições conducentes à vida. A natureza tem essa capacidade prodigiosa de se regenerar, se adaptar e funcionar em um novo contexto. Cabe a nós decifrar como isso acontece e aplicar à economia, à produção de alimentos e ao planejamento das cidades, que deveriam funcionar como autênticos ecossistemas. Também corresponde a nós encontrar o nosso próprio lugar, junto a resto dos seres vivos, e deixar de acreditar que estamos acima da natureza ou que podemos controlá-la.

Sem resíduos

Na natureza não existe, por exemplo, o conceito de resíduo: tudo se reaproveita fechando ciclos, em um sistema que aspira acompanhar o que já conhecemos como economia circular. O desenvolvimento “regenerativo” vai ainda além e pretende imitar os fluxos enriquecedores dos sistemas vivos, com sua capacidade de restaurar o dano e se adaptar às mudanças.

Com os pés no chão, após atuar como diretor do Findhorn College, na Escócia, e o combinar com o seu trabalho na Gaia Education e no International Futures ForumWahl está há uma década tentando aplicar a teoria em Mallorca: “Instalei-me aqui porque estava convencido de que o melhor laboratório de provas é uma ilha, com os limites bem definidos. E neste caso, quatro ilhas com tamanhos bem diferentes e unidas pelo mar, com todo o seu poder regenerador”.

Muito antes que a pandemia batesse, Daniel Wahl oferecia seminários falando do “turismo regenerativo” e introduzindo a ideia de economia circular “em um setor que até então havia funcionado com um sistema extrativo e degenerativo”. O coronavírus foi como um tsunami para as ilhas, que logo descobriram que não é possível depender exclusivamente do “monocultivo” do turismo.

O caso de Mallorca

“É preciso diversificar a economia nas ilhas e criar, antes de mais nada, uma conexão regeneradora terrestre e marinha”, adverte Wahl, que foi biólogo marinho e instrutor de mergulho em sua juventude. “Cedo ou tarde, o turismo voltará à ilha, mas será em escala menor e com um novo modelo que já não será “extrativo”, mas que deixará riqueza na ilha e impulsionará o cultivo ecológico de alimentos, as redes locais de abastecimento e a nova mobilidade elétrica. As ilhas poderão ser também um “hub” de novas tecnologias verdes para a indústria naval. E, claro, precisarão preservar o mar como fonte extraordinária de riqueza, com uma pesca sustentável e uma proteção das costas”.

Nas ilhas, atesta Wahl, já existe uma força pulsante de mudança que vinha de antes, mas que está aparecendo justamente agora. “Há muitas iniciativas em andamento, mas acredito que chegou o momento de criar sinergias. É necessário um catalizador que sirva de ponto de encontro entre as iniciativas impulsionadas por gente local e por quem vem de fora”.

Wahl almeja nem mais e nem menos do que a criação de um Centro de Aprendizagem para a Regeneração Biorregional que converta as Baleares em referência mundial, não mais de “recuperação verde”, mas de “autêntica transformação diante das grandes perguntas que teremos que responder nesta crise”.

Tudo girará, em um futuro inadiável, em torno do conceito de “biorregião”, vaticina Wahl: “Uma economia resiliente à crise terá que se reorganizar em função da proximidade, com as bacias de água como referência, e em nível de comunidades e regiões. Isso, sim, com uma visão de saúde planetária e de colaboração e solidariedade em escala global”.

Na opinião de Wahl, foi curioso comprovar como sob a pandemia, e apesar das restrições de movimento, estas redes de ativismo se potencializaram e acabou emergindo com mais força do que nunca a poderosa ideia. “2020 foi um ano trágico para muitos, mas, ao final, pode ser o ponto de inflexão. Acredito que é agora que as pessoas abriram os olhos e, enfim, tomaram consciência. O século XXI pode ser, ao final, o século da regeneração”.

Funcionar como ‘sistemas vivos’

Dezenas de organizações em todo o mundo já estão trabalhando com o conceito de “desenvolvimento regenerativo”, aplicado fundamentalmente à economia, à agricultura e ao plano de comunidades locais. Em outubro de 2019, foi realizado o primeiro encontro mundial em Boulder (Colorado, Estados Unidos): a Regenerative Earth Summit. Sintetizamos, aqui, alguns dos exemplos mais reconhecidos.

Regeneration International’: Movimento criado em 2015 e impulsionado pela ecofeminista indiana Vandana Shiva para estimular a transição para uma agricultura “regenerativa”, frente ao desafio da mudança climática e da fome no mundo.

Regenesis (Novo México, Estados Unidos): Cocriado em 1995 por Pamela MangTim Murphy e Ben Haggard, é um dos grupos pioneiros da ideia, reunindo o trabalho de educadores dos campos da permacultura e do planejamento ecológico no sudoeste dos Estados Unidos.

Capital Institute (Nova York, Estados Unidos): Voltado à aplicação dos princípios “regenerativos” no campo da economia e das finanças, e no funcionamento das comunidades como “sistemas vivos”. Seu impulso serviu para criar a Rede de Comunidades Regenerativas, estendida para oito países.

Costa Rica Regenerativa: Referência mundial na preservação da natureza, Costa Rica foi eleita o primeiro “hub” de desenvolvimento regenerativo, com uma divisão do país em “biorregiões” e planos de relocalização econômica que levem em conta “os papéis de todos os componentes da rede da vida”.

Regenerate Australia: Projeto patrocinado pela WWF, com a destinação de 270 milhões de euros para restaurar os habitats e revitalizar as comunidades atingidas pelos devastadores incêndios que assolaram o sudeste do país, entre 2019 e 2020.

Comunidade das Nações: Sob os auspícios de Patricia Scotland, a Commonwealth (que abarca 53 nações e 2,4 bilhões de habitantes) lançou a iniciativa global “Desenvolvimento Regenerativo para Reverter a Mudança Climática”. O trabalho da economista britânica Kate Raworth (Economia Donut) serve de referência obrigatória para buscar um ponto de encontro entre o bem-estar e os limites planetários.

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