Por Cimi –
Durante esta semana, uma delegação de 13 indígenas da Terra Indígena Karipuna participou de audiências e reuniões com diversas embaixadas denunciando o aumento das invasões à sua terra
“Viemos aqui pedir ajuda, socorro. Pedimos que vocês nos ajudem a cobrar o Estado brasileiro para que ele faça valer a Lei maior do país e proteja nosso território”. Este foi o apelo que o cacique André Karipuna e outras lideranças da Terra Indígena (TI) Karipuna, em Rondônia, levaram a embaixadas e representantes de 21 países entre os dias 19 e 23 de setembro.
Durante esta semana, uma delegação de 13 indígenas da TI Karipuna presente em Brasília (DF) participou de audiências e reuniões com diversas embaixadas e com a Delegação da União Europeia no Brasil, levando seu relato sobre a situação no território Karipuna e seu pedido de apoio.
Os indígenas também se reuniram com a Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), com parlamentares das Comissões de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia (Cindra) e de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados e com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil.
Mais uma vez, o povo Karipuna também levou suas reivindicações à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e à Fundação Nacional do Índio (Funai), onde as lideranças foram recebidas. A desesperança com a atuação dos órgãos públicos ligados ao poder Executivo, entretanto, motivou também os pedidos de apoio internacional.
“Pedimos apoio para cobrar que o Estado brasileiro cumpra sua função de proteger e fiscalizar nosso território. Já percorremos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e nada é feito. Faz sete anos que estamos lutando contra as invasões em nossa terra e elas só aumentam. Estamos sendo ameaçados, pressionados por grileiros e fazendeiros”, denunciou o cacique André Karipuna.
Há pelo menos sete anos o povo Karipuna denuncia a grave situação de seu território. Em 2017, as invasões se intensificaram e os indígenas identificaram a ocorrência de loteamentos ilegais no interior da terra indígena – ou seja, o desmatamento e a divisão de grandes partes de sua terra em “lotes”, vendidos ilegalmente a pretensos proprietários.
Naquele ano, a situação dos Karipuna foi classificada pelo MPF como de “iminente genocídio”. Isso porque o povo, quase dizimado após um desastroso contato conduzido pela Funai na década de 1970, chegou a ficar reduzido a apenas oito pessoas.
Atualmente, são 61 pessoas – um povo “em fase de crescimento”, como define André Karipuna – o que faz desta uma população especialmente vulnerável. Apesar de terem obtido na Justiça Federal decisões judiciais que determinam a proteção de sua terra, na prática, o Estado tem falhado em proteger de forma sistemática o território.
As operações pontuais de fiscalização são insuficientes para garantir a segurança do povo Karipuna. Nesta terra, como tem ocorrido em quase todo o território nacional, a política de desmonte dos mecanismos de proteção e fiscalização ambiental levada a cabo pelo governo Bolsonaro têm resultado no aumento das invasões e no avanço do desmatamento.
“Estamos muito preocupados com o que está acontecendo agora no nosso território”, afirmou Katika, anciã Karipuna e uma das oito sobreviventes da experiência traumática de contato que quase exterminou seu povo. “Estamos cercados por madeireiros, fazendeiros, grileiros e pescadores. A Funai, que deveria nos proteger, não protege”.
“Me preocupo não apenas com minha vida, mas com todo o meu povo”, explicou a anciã, repetidas vezes, ao longo da semana. Apesar da idade avançada, da dificuldade de locomoção e da barreira da língua, Katika fez questão de explicar, didaticamente, os motivos de sua aflição. Com a ajuda de seus filhos André e Andressa, garantiu que sua mensagem fosse traduzida e repassada a embaixadores, secretários e representantes de países e instituições.
“Os invasores não querem só a nossa madeira, eles querem roubar a nossa terra. Enquanto eu estiver aqui, vou lutar, e depois que eu não estiver mais, a luta Karipuna continua”, repetiu, pacientemente, a diferentes interlocutores.
Sua mensagem foi reforçada por seu irmão Aripã, também ancião Karipuna e também sobrevivente do contato.
“Estamos no meio de muitos invasores. Nos preocupamos também com nossos netos. O que eles vão comer, como vão viver?”, questionou Aripã. “Estão derrubando nossa mata, os peixes estão sumindo, os animais estão morrendo. Pedimos que nos ajudem a cobrar o governo brasileiro a combater as invasões na nossa terra”.
A TI Karipuna possui 153 mil hectares demarcados, homologados e registrados como patrimônio da União ainda na década de 1990. A gravidade da situação no território motivou a viagem inédita de uma delegação de 13 pessoas de diferentes gerações Karipuna à capital federal, com crianças, adultos e anciões.
Isolados
O povo também expressou sua preocupação com a situação dos indígenas em situação de isolamento voluntário que vivem em seu território – e que estão ainda mais vulneráveis à ação de invasores. Há registros de dois grupos de indígenas isolados no interior da TI Karipuna – nenhum deles reconhecido pela Funai.
“Estamos sofrendo muito com as invasões de fazendeiros, grileiros, pescadores”, afirma Andressa Karipuna. “Não podemos nem sequer circular e buscar alimentos em nosso território. E se para nós já está assim, imaginamos como estão nossos parentes que vivem em isolamento em nossa terra”.
“A Funai não reconhece, mas a gente já viu eles. Já vimos vestígios, como armadilhas para caça e tapiris, e também já vimos eles. Então, é certo que estão lá. Já enviamos vários documentos relatando isso à Funai, mas eles dizem que não têm informação”, relata Andressa.
Os dois grupos de indígenas em isolamento voluntário fazem parte dos 117 registros de povos isolados contabilizados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no país, conforme dados do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil de 2021.
Semana de lutas
Durante a semana, o povo Karipuna realizou encontros individuais com embaixadores e representantes das embaixadas de países como Suíça, Chile, Espanha, Alemanha, Nova Zelândia, Bolívia e Austrália. Além disso, a delegação participou de uma reunião com a Delegação da União Europeia no Brasil, que contou com a presença de representantes de 16 Estados-membro.
O Cimi, o Greenpeace Brasil e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apoiaram e acompanharam as atividades e denúncias do povo Karipuna em Brasília. Enquanto a delegação Karipuna percorria embaixadas e órgãos públicos, na Europa, Adriano Karipuna também fazia uma semana de denúncias internacionais, buscando angariar apoio e dar visibilidade à luta de seu povo.
Também participaram da mobilização em Brasília indígenas dos povos Piripkura, Kasharari e Uru-Eu-Wau-Wau, que vivem com os Karipuna na aldeia Panorama, no interior da TI.
“A situação é gravíssima. Todos na aldeia Karipuna sabem o que é passar noites e noites em claro, preocupados. Neste último ano, os invasores avançaram até muito perto da aldeia, e o povo está cada vez mais ilhado. Recentemente, o povo encontrou picadas – marcações feitas no meio da floresta – dos invasores demarcando lotes para ocupação ilegal a cerca de um quilômetro das casas Karipuna. É muito perto”, explica Laura Vicuña Manso, missionária do Cimi Regional Rondônia.
“Hoje, a TI Karipuna está cercada por 300 mil cabeças de gado, que pressionam a terra indígena. Mais de 11 mil hectares já foram desmatados no interior do território, e boa parte dessas áreas já tem pastagens”, contextualiza o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar.
Os indígenas pediram aos países da União Europeia, especialmente, que garantam salvaguardas de proteção aos territórios indígenas como critério para qualquer acordo comercial firmado com o Brasil.
“Até chegarem na mesa das pessoas de fora, os produtos que estão sendo extraídos ilegalmente no Brasil já mataram muitos indígenas. Estão saindo do país coisas ilegais como se fossem legais”, resumiu André Karipuna. “Nós, povos indígenas, é que defendemos a Amazônia. Só tem vida nas florestas através de nós”.
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