“A questão é mostrar a importância de ter áreas preservadas nas fazendas”, diz cientista; estudo avalia estoque de carbono no solo e relação com aquecimento global
Quando uma propriedade rural suprime parte da vegetação nativa para dar lugar à agricultura, não é só a paisagem que muda: o habitat daquele local é simplificado, podendo haver perda de biodiversidade e aumento na emissão de carbono. É justamente essa relação que uma pesquisa desenvolvida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) quer estudar em fazendas de Mato Grosso. A partir da coleta de amostras do solo, cientistas irão comparar o estoque de carbono de áreas protegidas e de áreas cultivadas em propriedades rurais no Cerrado e na Amazônia mato-grossense.
“São fazendas que ocupam grande extensão territorial e respeitam a legislação, portanto, suas reservas legais (RLs) e áreas de proteção permanente (APPs) são enormes, com grandes estoques de carbono e de biodiversidade de fauna e flora. A questão é mostrar a importância de ter essas áreas preservadas nas fazendas, porque unidades de conservação (UCs), como os parques, não são suficientes para a manutenção da biodiversidade. Áreas protegidas em propriedades particulares também são essenciais, inclusive, para o balanço do carbono, que influencia no aquecimento global”, explica o pesquisador do IPAM Filipe Viegas de Arruda, presente na expedição científica que concluiu as coletas de solo no início de março deste ano.
Para que o trabalho fosse possível, os pesquisadores coletaram amostras em níveis de 10, 20, 30, 40, 50, 100, 200, 300 e 400 centímetros abaixo da superfície. Foram, ao todo, 1.250 quilos de solo coletado. O material foi enviado para análise na USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba (SP) e parte do solo teve que ser armazenada e transportada congelada para não comprometer análises futuras.
A expedição coletou ainda dados para análises químicas e para quantificação de nitrogênio, que também compõe gases de efeito estufa, como o óxido nitroso. O resultado laboratorial deve ser consolidado no final do primeiro semestre e será base para estabelecer relações entre o manejo do solo, emissão de gases do efeito estufa e apontar caminhos para práticas agrícolas mais sustentáveis.
Carbono e aquecimento global
Segundo o MapBiomas, 44,2% do Cerrado estava ocupado por áreas de pastagem e agricultura em 2020 – atividades que ocupavam 31% do bioma em 1985. Pelo Código Florestal, produtores rurais no Cerrado devem conservar ao menos 35% da vegetação nativa da propriedade. Na Amazônia brasileira, onde 80% da área de imóveis rurais deve ser conservada, 15% do território estava ocupado por pastagem e agricultura em 2020, porcentagem que era em torno de 4,5% em 1985.
Como consequência do desmatamento, o carbono armazenado pela vegetação é gradativamente liberado de volta para a atmosfera. É um fenômeno que pode demorar dezenas de anos, por meio de decomposição natural, ou pode ser muito rápido, se o fogo for utilizado para queima da matéria orgânica. Isso ocorre porque gases como o CO2 (gás carbônico) e o CH4 (metano) são liberados de matéria orgânica morta, contribuindo com o aumento da concentração de gases que causam o efeito estufa. A alta nas emissões por atividades humanas, como a indústria e o agronegócio, fez com que o efeito estufa deixasse de ser um fenômeno natural de equilíbrio térmico do planeta para chegar ao nível do aquecimento global, que provoca condições climáticas extremas.
“Em diferentes regiões do Cerrado e da Amazônia há grandes transformações de áreas preservadas para áreas de agricultura. Compreender o balanço do estoque de carbono em relação às áreas de agricultura e áreas preservadas é importante para prever o impacto dessas mudanças no uso do solo para a crise climática”, destaca Arruda.
Biodiversidade protegida
A expedição de campo também coletou, em outubro do ano passado, dados sobre fauna e flora nas mesmas áreas das fazendas no Estado de Mato Grosso. O intuito dos pesquisadores é unir as informações com as análises do solo para promover a proteção da biodiversidade nos locais e, até mesmo, subsidiar a criação de corredores ecológicos, conectando as áreas protegidas entre as propriedades rurais para a circulação de animais.
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