Por Alice Sales para o Eco Nordeste –
Após mais de 20 anos desde que foi considerada extinta da natureza, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) está cada vez mais perto de voltar a voar livremente em seu único habitat natural no mundo: as matas de Caatinga, em Curaçá, na Bahia. Esse marco da conservação se dará graças ao esforço de um trabalho em prol da reabilitação de exemplares nascidos em cativeiro, na Alemanha, trazidos ao Brasil para que sejam reintroduzidos na natureza.
Os esforços para salvar essa espécie, contudo, vão muito além do trabalho realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pela Associação para a Conservação dos Psitacídeos Ameaçados (ACTP) que se dedicam aos cuidados e adaptação desses animais repatriados para a soltura.
Antes do retorno das ararinhas-azuis à natureza, é necessário assegurar que a área repovoada pela espécie possua condições de recebê-las. Para tanto, o Projeto RE-Habitar Ararinha Azul, executado pelo Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (Nema) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em parceria com a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento (Fade) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), vai recuperar áreas degradadas da Caatinga destinadas para a soltura das aves.
O projeto prevê recuperar a vegetação em áreas prioritárias localizadas no interior e no entorno das Unidades de Conservação Refúgio de Vida Silvestre (RVS) e Área de Proteção Ambiental (APA), em Curaçá (BA). Ao todo serão recuperados 200 hectares de Caatinga, sendo 100 hectares de áreas vinculadas às margens de rios intermitentes ou temporários e 100 hectares de áreas mais secas.
“A prioridade é recuperar a capacidade das propriedades rurais de conservarem água no subsolo e as margens de riachos. Melhorando assim a vida dos moradores e o habitat prioritário da ararinha-azul”, destaca Renato Garcia Rodrigues, coordenador do Nema/Univasf.
O processo de reflorestamento dessas áreas se dará por modelos de semeadura direta e plantio em núcleos, com o diferencial de consórcios com as tecnologias sociais de combate à desertificação nas drenagens naturais da região. “Assim, temos um foco muito grande em aumentar significativamente o aporte de água nas propriedades e utilizar esse fator como um impulsionador da restauração”, explica.
Barragem Sucessiva
Também serão construídas barragens subterrâneas, barragens sucessivas e cordões em contorno para aumentar a disponibilidade de água na região. Dessa maneira, além de contribuir para um ambiente mais favorável para as espécies vegetais e para as ararinhas- azuis, também se tornará viável uma atividade agrícola sustentável para a comunidade local.
De acordo com Renato Garcia, o trabalho de recuperação dessas áreas faz parte de um longo processo. As espécies que servem de alimentação para as ararinhas levam cerca de dois a três anos para frutificar. Já as espécies que servem como moradia para as aves por meio de seus ocos devem demorar décadas até poderem ser utilizadas. O pesquisador destaca a importância de iniciar esse processo o mais rápido possível para que a recuperação da área acompanhe o crescimento da população de ararinhas-azuis.
As espécies escolhidas para o reflorestamento das áreas foram pensadas exatamente para suprir as necessidades de alimentação e hábitos da ararinha-azul, como um “cardápio” de espécies com atributos que conciliam rápido crescimento e que servem de alimentação para as ararinhas, e outras que servirão para a construção de ninhos. “Além disso, utilizaremos espécies vegetais de uso das comunidades e unidades demonstrativas de sistemas agroflorestais. Acreditamos que recuperando várias funções do ecossistema teremos condições de garantir a sobrevivência das ararinhas, melhorando também a vida das pessoas em suas próprias propriedades e atividades econômicas tradicionais,” enfatiza.
Riacho Melancia, em Curaçá, Bahia
Para o ecólogo do Nema, Fábio Socolowski, o envolvimento da população local será fundamental para a preservação da vegetação e da ararinha-azul, que é uma ave exclusiva da Caatinga. “O projeto tem duração de três anos, então nós vamos deixar uma semente. Porém, caberá a cada morador que receber a nossa visita e trocar conhecimentos conosco, a compreensão da importância não só da recuperação dos ambientes degradados, mas da preservação daquilo que ainda existe”, finaliza.
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