A Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou hoje (23 de julho) sua Opinião Consultiva sobre as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas e aos direitos humanos. Esta decisão histórica segue na sequência de um Parecer Consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, lançado em 3 de julho de 2025, e a uma Opinião Consultiva da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, divulgada em 21 de maio de 2024, ambos sobre questões semelhantes relacionadas às mudanças climáticas. Com este novo parecer, o cenário do litígio climático internacional ganha uma base mais sólida e proporciona um impulso sem precedentes para responsabilizar os países pela proteção do planeta contra o avanço perigoso das mudanças climáticas.
As conclusões do parecer (ver tradução no final do texto) reforçam as obrigações que os Estados têm sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e seus dois acordos correlatos – o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris – e enfatizam as obrigações dos Estados de implementar esses acordos, cooperar com outros Estados para atingir os objetivos da Convenção e garantir que essas ações coletivamente impeçam a violação do limite de temperatura de 1,5°C.
O parecer também enfatiza a importância do princípio da precaução, prescrevendo que os Estados têm o dever de prevenir danos significativos ao meio ambiente, agindo com a devida diligência e usando todos os meios à sua disposição para evitar que atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou controle causem danos significativos ao sistema climático e a outras partes do meio ambiente. Neste contexto, o Tribunal destaca ainda a aplicação do Princípio das Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas, reconhecendo assim o maior dever dos países desenvolvidos e a grande variação nos níveis de contribuição e capacidade de resposta dos países restantes.
Além da UNFCCC, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, o parecer consultivo da CIJ reconhece obrigações relacionadas ao clima assumidas sob outros tratados, como a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio e sua Emenda de Kigali; a Convenção sobre Diversidade Biológica; e a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África. O Tribunal também estabelece a ligação entre o direito dos direitos humanos e a proteção climática, enfatizando a importância de os Estados cumprirem suas obrigações em todos os acordos internacionais relacionados.
Os juízes da CIJ reconheceram unanimemente que a violação por um Estado de qualquer das obrigações descritas no parecer constitui um ato internacionalmente ilícito que acarreta a responsabilidade desse Estado. Consequentemente, a violação de quaisquer direitos conduz à obrigação dos Estados de atos ou omissões ilícitas, se forem contínuas, e fornecer garantias de não repetição, se as circunstâncias assim o exigirem. Além disso, as consequências jurídicas resultantes da prática de tal “ato internacionalmente ilícito” podem incluir reparação integral, restituição ou satisfação, quando o nexo causal puder ser demonstrado entre a ação ou omissão de um Estado e a violação desses direitos.
“O parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça se soma aos pareceres da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Internacional do Direito do Mar no estabelecimento de parâmetros para as obrigações dos Estado no enfrentamento à emergência climática. Neste sentido, reconhece que todos os países têm obrigações relativas à redução das emissões de gases de efeito estufa que decorrem de diversos tratados e do direito costumeiro e que a falha em agir pode acarretar um ilícito de Direito Internacional passível de responsabilização”, destaca Helena Rocha, co-diretora do Programa Brasil e Cone Sul do Cejil – Centro pela Justiça e o Direito Internacional.
Clima e Direitos Humanos: Uma Relação Inequívoca
A relação entre clima e direitos humanos é evidente no Parecer Consultivo da CIJ, que reconhece inequivocamente que as mudanças climáticas representam uma “ameaça urgente e existencial” para a humanidade e o planeta. A responsabilização legal também é reforçada pelo reconhecimento de que as emissões de gases de efeito estufa são “inequivocamente causadas por atividades humanas” e que suas consequências são “graves e de longo alcance”, afetando tanto os ecossistemas naturais quanto as vidas humanas. Esses pontos reforçam tanto a urgência da ação climática quanto a necessidade de os Estados-nação agirem decisivamente para proteger o sistema climático para as gerações atuais e futuras.
O Parecer Consultivo da CIJ também enfatiza a importância de instrumentos internacionais existentes, como o Acordo de Paris, e a necessidade de que suas metas sejam cumpridas. A Corte enfatizou que os países têm obrigações estritas de proteger o sistema climático, alinhando-se com os objetivos de limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2°C, preferencialmente 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais.
O pedido para este Parecer Consultivo veio de Vanuatu, uma nação insular do Pacífico particularmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. O objetivo era buscar clareza jurídica sobre as obrigações dos Estados sob o direito internacional para combater as mudanças climáticas e proteger os direitos humanos afetados por elas. Portanto, o pedido baseou-se em duas perguntas: 1) quais são as obrigações dos países sob o direito internacional para proteger o clima das emissões de gases de efeito estufa; e 2) quais são as consequências legais para os países que prejudicam o sistema climático?
As perguntas apresentadas à Corte estavam diretamente ligadas ao princípio da Convenção do Clima da ONU de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e capacidades respectivas. Este princípio reconhece que todos os países têm uma responsabilidade compartilhada na proteção do clima global, mas que suas capacidades e contribuições históricas para o problema variam. Assim, os países desenvolvidos, que historicamente contribuíram mais para as emissões de gases de efeito estufa, têm uma responsabilidade maior em liderar os esforços de mitigação e adaptação, bem como em fornecer apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento. O parecer da CIJ, ao abordar essas questões, oferece um arcabouço jurídico crucial para a justiça climática, orientando os Estados sobre suas obrigações e a necessidade de cooperação internacional para enfrentar a crise climática global.
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS DAS CONCLUSÕES FINAIS DO PARECER CONSULTIVO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA:
Por estas razões,
A CORTE,
(1) Por unanimidade,
Considera que tem jurisdição para emitir o parecer consultivo solicitado;
(2) Por unanimidade,
Decide atender ao pedido de parecer consultivo;
(3) No que diz respeito à questão (a) apresentada pela Assembleia Geral:
A. Por unanimidade,
É de opinião que os tratados sobre mudanças climáticas estabelecem obrigações vinculativas para os Estados partes para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa. Essas obrigações incluem o seguinte:
(a) Os Estados partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm a obrigação de adotar medidas com o objetivo de contribuir para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação às mudanças climáticas;
(b) Os Estados partes listados no Anexo I da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm obrigações adicionais de liderar o combate às mudanças climáticas, limitando suas emissões de gases de efeito estufa e aumentando seus sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa;
(c) Os Estados partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm o dever de cooperar uns com os outros para alcançar o objetivo subjacente da Convenção;
(d) Os Estados partes do Protocolo de Quioto devem cumprir as disposições aplicáveis do Protocolo;
(e) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de agir com a devida diligência na tomada de medidas, de acordo com suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades, capazes de fazer uma contribuição adequada para alcançar a meta de temperatura estabelecida no Acordo;
(f) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de preparar, comunicar e manter contribuições nacionalmente determinadas sucessivas e progressivas que, entre outras coisas, quando tomadas em conjunto, sejam capazes de alcançar a meta de temperatura de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais;
(g) Os Estados partes do Acordo de Paris têm a obrigação de buscar medidas capazes de alcançar os objetivos estabelecidos em suas sucessivas contribuições nacionalmente determinadas; e
(h) Os Estados partes do Acordo de Paris têm obrigações de adaptação e cooperação, inclusive por meio de transferências de tecnologia e financeiras, que devem ser cumpridas de boa-fé;
B. Por unanimidade,
É de opinião que o direito internacional consuetudinário estabelece obrigações para os Estados de garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa. Essas obrigações incluem o seguinte:
(a) Os Estados têm o dever de prevenir danos significativos ao meio ambiente, agindo com a devida diligência e usando todos os meios à sua disposição para evitar que atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou controle causem danos significativos ao sistema climático e a outras partes do meio ambiente, de acordo com suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades;
(b) Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros de boa-fé para prevenir danos significativos ao sistema climático e a outras partes do meio ambiente, o que exige formas sustentadas e contínuas de cooperação por parte dos Estados ao tomar medidas para prevenir tais danos;
C. Por unanimidade,
É de opinião que os Estados partes da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio e sua Emenda de Kigali, da Convenção sobre Diversidade Biológica e da Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, têm obrigações sob esses tratados para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa;
D. Por unanimidade,
É de opinião que os Estados partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar têm a obrigação de adotar medidas para proteger e preservar o ambiente marinho, inclusive dos efeitos adversos das mudanças climáticas, e de cooperar de boa-fé;
E. Por unanimidade,
É de opinião que os Estados têm obrigações sob o direito internacional dos direitos humanos de respeitar e garantir o gozo efetivo dos direitos humanos, tomando as medidas necessárias para proteger o sistema climático e outras partes do meio ambiente;
(4) No que diz respeito à questão (b) apresentada pela Assembleia Geral:
Por unanimidade,
É de opinião que a violação por um Estado de quaisquer obrigações identificadas em resposta à questão (a) constitui um ato internacionalmente ilícito que acarreta a responsabilidade desse Estado. O Estado responsável tem o dever contínuo de cumprir a obrigação violada. As consequências legais resultantes da prática de um ato internacionalmente ilícito podem incluir as obrigações de:
(a) cessação das ações ou omissões ilícitas, se elas estiverem em curso;
(b) fornecimento de garantias de não repetição das ações ou omissões ilícitas, se as circunstâncias assim o exigirem; e
(c) reparação integral aos Estados lesados na forma de restituição, compensação e satisfação, desde que as condições gerais do direito da responsabilidade do Estado sejam atendidas, incluindo a demonstração de um nexo causal suficientemente direto e certo entre o ato ilícito e o dano.
Feito em francês e inglês, sendo o texto em francês o autêntico, no Palácio da Paz, Haia, neste vigésimo terceiro dia de julho de dois mil e vinte e cinco, em dois exemplares, um dos quais será depositado nos arquivos da Corte e o outro transmitido ao Secretário-Geral das Nações Unidas.
(Assinado) IWASAWA Yuji,
Presidente.
(Assinado) Philippe GAUTIER,
Secretário.