por Samyra Crespo – 

Conheci Marina Silva em NYC em 1998. Ela estava participando da Semana da Amazônia, então um evento anual para mostrar para os gringos que a região tinha além de florestas, gente, cultura. Era um happening, envolvia muita produção e tinha o objetivo de esquentar as doações internacionais além de divulgar a importância da preservação da região, que na época era vendida erroneamente como “pulmão do mundo”.

Ela me foi apresentada por Nilo Diniz que se tornara seu assessor e que mais tarde, com o PT no poder – se tornaria secretário do CONAMA, este mesmo, o Conselho que o atual governo quer ferir de morte.

Marina estava adoentada, sequelas das doenças amazônicas de que fora vítima na meninice e juventude. Já apresentava aquele mesmo porte longilíneo, cabelos puxados para trás, mas era simpática e via-se que tinha carisma. As pessoas à sua volta pareciam extremamente devotadas e isso logo me impressionou. Ela inspirava além de respeito, afeto.

Anos depois, quando se tornou ministra do meio ambiente do Governo Lula (2003), escrevi um artigo no O Globo: “A Hora e a Vez do Socioambientalismo”.

Então pouco se falava ou se usava este termo. E sabemos bem como as palavras são importantes para nomear, dar identidade política aos fenômenos.

O governo era de centro-esquerda. Fizera um “pacto de governabilidade” com o diabo, no caso o PMDB. Ninguém sabia direito o que ia dar ao misturar água de cachoeira com lama de pântano. Ou sabia. Ou não tinha escolha.
A Carta aos Brasileiros já tinha sido publicada. Os capitalistas ficaram calmos. Muita expectativa no ar. Euforia dos movimentos sociais que pela primeira vez veriam suas agendas recepcionados pelo time que galgara o podium do poder.

Na área ambiental a nomeação de Marina foi um alívio e um suspiro de esperança.

Companheira de Chico Mendes. Representante dos “povos da floresta”. Muitos alegavam ser tais povos uma invencionice de antropólogos, mas como um rastilho de pólvora logo surgiram, vieram à tona, alcançaram a cena política e as páginas midiáticas um exército de desconhecidos do Brasil urbano: ribeirinhos, extrativistas dos seringais e castanheiros, quebradeira de coco (aí que saudades de dona Raimunda!), assentados da reforma agrária, palmiteiros da Mata Atlântica, descascadoras de siri dos mangue recifenses, remanescentes de quilombos, e grupos sociais antes invisíveis e desimportantes.

Fez um estrondo. A redemocratização do País parecia aprofundar, tirar da escuridão uma pá de gente esquecida entre as folhagens das áreas protegidas ou das terras públicas cobiçadas.

Com Marina o socioambientalismo ganhou cara, documentos e poder.

E os jovens encontraram uma musa. Tive oportunidade de vê-los nas Conferências de Meio Ambiente da Juventude, patrocinadas pelo MEC e pelo MMA. Tratavam-na como popstar. Tietagem total que ela acolhia com sorrisos de Monalisa. Nunca a vi gargalhar.

Uma espécie de “guerra cordial” rolava no bastidor entre os grupos conservacionistas de raiz e os socioambientalistas cada vez mais empoderados.

O ISA, Instituto Socioambiental, sob a liderança de Beto Ricardo e João Paulo Capobianco (Capô para os íntimos) logo se tornou a ONG mais influente junto à Musa. Capô se tornou secretário e mais tarde o segundo homem na hierarquia do Ministério.

O idílio com Marina e os brasileiros desconhecidos logo virou cinzas. Motivo? A demarcação das terras indígenas. Onde já se viu dar tanta terra pra índio? E o ISA percorrendo as aldeias, falando em direitos e coisa e tal? Posseiros, garimpeiros e fazendeiros logo enxergaram a inimiga. Acionando rapidinho os amigos em Brasília.

Outra frente de luta, nada tranquila se abriu no próprio Ministério: o projeto instituto Chico Mendes que não existia. E que resultou de um IBAMA partido ao meio. Trauma. Contarei depois.

Por ora saibam que o ministério de Marina tinha um apelido na Esplanada: Ministério Não Governamental.
Uma fratura ocorria entre alas do PT.

Mas os socioambientalistas foram ao paraíso por 5 anos. E muita coisa ocorreu no plano da ideologia.

No próximo post vamos “ler por dentro” as propostas desta corrente do ambientalismo brasileiro e responder à pergunta que me foi feita por Maurício Andrés Ribeiro: mas os socioambientalistas não são marxistas?

 

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.

 

 

(#Envolverde)