A pandemia da Covid-19 colocou o Brasil entre os primeiros países do mundo em números de mortes e também foi usada como pretexto para que as violações de direitos humanos, em 2020 aumentassem no país, aponta o Informe 2020/21 da Anistia Internacional: O estado dos Direitos Humanos no Mundo, que será apresentado nesta quarta-feira, 07 de abril, às 10h em coletiva de imprensa on-line . Além disso, a crise na saúde aumentou a desigualdade social estrutural e sistêmica do país, cerca de 27 milhões de pessoas passaram a viver na extrema pobreza, com menos de R﹩246 ao mês.
A agenda negacionista do presidente Jair Bolsonaro agravou as consequências da pandemia da Covid-19 sobre a população brasileira, sobretudo nas comunidades mais empobrecidas e historicamente discriminadas, como população negra, povos indígenas, comunidades quilombolas, populações tradicionais, moradores de favelas e periferias, mulheres, LGBTQIs, especialmente pessoas trans, quilombolas, migrantes e refugiados, pessoas em situação de rua, pessoas em privação de liberdade, e idosos e idosas, crianças e adolescentes desses diferentes grupos e trabalhadores e trabalhadoras informais e autônomos.
A retórica autoritária do governo federal traduziu-se em prática. Aumentou o risco para a defesa de direitos humanos no Brasil e o espaço cívico foi reduzido. ONGs, jornalistas, ativistas, defensores e defensoras de direitos humanos e movimentos sociais foram perseguidos e estigmatizados. Cresceu a violência de gênero, e a violência policial seguiu deixando rastros de mortes e violações de direitos humanos em favelas e periferias. A grave situação dos direitos humanos no Brasil e também no mundo é apresentada hoje, Dia Mundial da Saúde, no lançamento simultâneo do relatório anual da Anistia Internacional em mais de 150 países.
O Informe 2020/21 da Anistia Internacional: O estado dos Direitos Humanos no Mundo documenta como as mulheres, as trabalhadoras e os trabalhadores da saúde estiveram desprotegidos, assim como os povos indígenas, a população negra e quilombola, e outros grupos historicamente discriminados pela sociedade e negligenciados pelos governos vêm arcando com o peso maior da pandemia, enquanto alguns líderes fizeram uso político da crise e intensificaram seus ataques aos direitos humanos.
Direito à saúde
A região das Américas foi a mais fortemente atingida pela Covid-19, com 5 4 milhões de casos e 1, 3 milhão de mortes em 2020. EUA, Brasil e México apresentam os maiores números absolutos de mortos, depois de seus governos, juntamente com os da Nicarágua e Venezuela, terem lançado mensagens de saúde confusas, deixado de implementar políticas para proteger os setores de maior risco ou deixado de garantir transparência plena.
Embora o enfrentamento da pandemia de Covid-19 tenha sido desafiador no mundo inteiro, a epidemia no Brasil foi exacerbado pelas constantes tensões e falta de coordenação entre autoridades federais, estaduais e municipais na gestão e no enfrentamento da pandemia, assim como pela ausência de um plano de ação claro e baseado nas melhores informações científicas disponíveis e pela falta de transparência nas políticas públicas, entre outros fatores.
“É urgente uma mudança de rumo no enfrentamento da Covid-19, no Brasil. É obrigação do poder Executivo, governos federal, estaduais e municipais atuar em cooperação. O primeiro passo é priorizar as necessidades daqueles que foram deixados para trás por décadas de abandono e políticas excludentes e garantir seu acesso às vacinas contra a Covid-19. O poder público precisa garantir vacina para todos, de forma gratuita. Vacinação não é privilégio, é direito. O Sistema Único de Saúde tem sido referência na região das Américas de como é possível aplicar a universalidade na prestação de saúde. Durante todos esses anos, mesmo tendo seus recursos drenados de maneira incessante, inclusive a partir da Emenda Constitucional 95, que em 2016 congelou os investimentos em saúde e educação, o SUS seguiu prestando assistência a todas as pessoas no Brasil. O Informe lançado hoje aponta a negligência das autoridades públicas, e a Anistia Internacional exige que o direito à vida seja garantido por meio da imunização”, explica Jurema.
Defensores e defensoras de direitos humanos
América Latina e o Caribe continuaram a ser a região mais perigosa para os defensores dos direitos humanos, especialmente para aqueles que trabalham para defender sua terra, seu território e o meio ambiente, tendo a Colômbia se mantido como o país mais letal do mundo para defensoras e defensores. O Brasil é o terceiro país do mundo que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos e do meio ambiente, segundo relatório da ONG Global Witness. A Anistia Internacional destaca em seu relatório que em 18 de abril, Ari-Uru-Eu-Wau-Wau professor e agente ambiental foi assassinado na cidade de Jaru, em Rondônia, depois de receber várias ameaças de morte em 2019. E também menciona o assassinato de Marielle Franco que, três anos depois, ainda não foi solucionado.
“A luta pela garantia de direitos deve ser de todas e todos brasileiros e brasileiras. As ameaças sofridas por defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil e os assassinatos dessas pessoas revelam que as autoridades públicas estão falhando no seu dever de garantir o direito fundamental à vida. A vida e a luta de defensores e defensoras importam e o Brasil deveria assegurar que eles exerçam sua luta, ao invés de ocupar essa posição de destaque entre os mais letais para defensores no mundo”, critica Jurema Werneck.
Liberdade de expressão
A liberdade de expressão, continuou ameaçada no Brasil, Bolívia, Cuba, Uruguai, Venezuela e México, tendo este último sido o país mais letal do mundo para jornalistas em 2020. Autoridades públicas de mais de uma dúzia de países se aproveitaram das restrições adotadas por conta da pandemia e violaram direitos de liberdade de associação e de reunião pacífica. Indevidamente, esses direitos foram restritos pela polícia ou pelos militares, com o uso ilegal da força.
As ameaças de campanha do presidente Jair Bolsonaro de perseguir opositores, ONGs, movimentos sociais e desqualificar jornalistas foi cumprida em mais um ano de seu mandato. Segundo um relatório da ONG Artigo 19, entre janeiro de 2019 e setembro de 2020, integrantes do governo federal fizeram declarações agressivas e estigmatizantes contra jornalistas em razão do seu trabalho em 449 ocasiões. Os ataques incluíram intimidações, difamação, discriminação de gênero e deslegitimação da atividade jornalística. Já movimentos sociais, ONGs, ativistas e grupos em situação de vulnerabilidade, como os povos indígenas e quilombolas foram, de forma constante e sistemática, alvo de ataques do próprio presidente e de autoridades do seu governo.
“A Anistia Internacional acompanha com preocupação os ataques constantes do presidente Jair Bolsonaro e demais membros do seu governo a jornalistas e parte da sociedade civil organizada. Estas atitudes são graves flagrantes de violações de parâmetros internacionais de direitos humanos. Tanto a sociedade civil organizada, quanto a imprensa têm papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa. Seguiremos nosso trabalho defendendo e exigindo que brasileiros e brasileiras tenham seus direitos humanos assegurados, conforme prevê a Constituição Federal de 1988”, afirma Jurema.
Direitos Econômicos e sociais
As Américas iniciaram 2020 como a região mais desigual do mundo, e isso apenas se agravou sob a pandemia , com 22 milhões de pessoas passando a viver na pobreza, enquanto o número de pessoas vivendo na pobreza extrema aumentou em 8 milhões. A Covid-19 atingiu duramente a vasta economia informal da região, ao mesmo tempo em que as medidas governamentais em muitos casos enfraqueceram os direitos sociais, econômicos e culturais dos que vivem nas situações mais precárias.
Profissionais de saúde
Pelo menos 10.558 trabalhadores da saúde nas Américas haviam morrido de Covid-19 até 5 de março de 2021, com profissionais de saúde em quase todos os países reclamando da falha de seus governos em oferecer condições de trabalho seguras e equipamentos de proteção individual suficientes. Alguns dos que foram a público fazer denúncias enfrentaram sanções, como na Nicarágua, onde pelo menos 31 trabalhadores da saúde foram demitidos depois de manifestar suas preocupações.
O Estado brasileiro não forneceu assistência adequada aos trabalhadores da saúde durante a pandemia de Covid-19, aponta o relatório da Anistia Internacional. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, os profissionais da saúde, em sua maioria mulheres, enfrentaram condições de trabalho desafiadoras, inclusive com falta de equipamentos de proteção individual, falta de protocolos claros para gerenciar infecções, ausência de apoio à saúde mental, falta de proteção social para as famílias dos trabalhadores e com contratos de trabalho precários.
Direitos dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais
O Brasil não cumpriu seus compromissos internacionais e suas próprias leis nacionais que garantem a proteção dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais. Além da pandemia da Covid-19, a mineração ilegal, as queimadas e a apropriação de terras para a criação ilegal de gado e para o agronegócio continuaram a ameaçar as comunidades indígenas e outros povos tradicionais, prejudicando seu direito à terra e ao meio ambiente.
Uso excessivo da força
No mês seguinte, uma decisão do Supremo Tribunal Federal suspendeu as operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, enquanto durasse a pandemia da Covid-19. A medida representou uma queda de 74% nas mortes cometidas pela polícia. A impunidade e a falta de acesso à justiça continuam a ser uma preocupação da Anistia Internacional.
“Existe uma pandemia dentro da crise da Covid-19, chamada violência de gênero. Há 14 anos o Brasil possui a Lei Maria da Penha que prevê a proteção das mulheres, mas ainda convive com números elevados de agressões e mortes. Exigimos o cumprimento integral desta lei e seus mecanismos e a criação de outras medidas para garantir o direito básico das mulheres à vida. A violência de gênero aumentou em todo o mundo e as mulheres são maioria dentre os trabalhadores dos serviços essenciais: possuem maior risco de adoecimento e sobrecarga com trabalho doméstico não remunerado. As autoridades brasileiras precisam agir urgentemente”, aponta Jurema Werneck.
Conquistas das Américas
Apesar das denúncias e violações ocorridas no Brasil. A região das Américas avançou em alguns pontos na luta pelos direitos humanos.
O Brasil assinou esse tratado há 2 anos, mas ainda não ratificou. E, embora as ações sobre mudança climática tenham continuado limitadas em todo o continente, o Chile tornou-se o primeiro país da região, e um dos primeiros do mundo, a apresentar uma meta de redução de emissões para 2030.A injustiça e discriminação racial persistiram. Mas as rações à morte de George Floyd levoaram milhões de pessoas nos EUA a participar dos protestos do movimento Black Lives Matter e importantes debates sobre racismo foram colocados em pauta.
“A Anistia Internacional é um movimento de 10 milhões de pessoas que se unem para transformar injustiças em garantia de direitos. Nos fortalecemos mutuamente com o engajamento e a resiliência que testemunhamos da parte de ativistas de toda a região das Américas, especialmente mulheres e jovens. Sua coragem diante das adversidades nos mostra que podemos criar um mundo mais justo para todos”, disse Jurema Werneck.
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