ODS16

Ato da USP alerta sobre necessidade de defesa constante da democracia

Por Jornal da USP  – 

Realizado na Faculdade de Direito, evento foi organizado em repúdio aos atos terroristas em Brasília; participantes destacam a necessidade de punição dos envolvidos e de não descuidar da defesa dos valores democráticos

Convocado como resposta aos atos terroristas no domingo (8) nas sedes dos três poderes em Brasília, um ato em defesa da democracia aconteceu na Faculdade de Direito (FD) da USP nesta segunda, dia 9 de janeiro, às 12 horas, no Largo São Francisco, no Centro de São Paulo. A chamada, que correu rapidamente as redes sociais desde domingo à noite, trouxe para o Salão Nobre da Sanfran dirigentes da USP, professores, estudantes, juristas, representantes do movimento estudantil e de outras entidades da sociedade civil, além de personalidades da política e da mídia. O ato foi transmitido pelo Canal da FD no Youtube, e está disponível neste link.

“Venho aqui para alertar nossa nação para que não descuidemos da defesa constante do Estado Democrático de Direito, que é o único ambiente em que a vida moderna é viável e próspera”, iniciou o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, na abertura do evento. Depois de destacar que também representava as outras duas universidades estaduais paulistas, Unesp e Unicamp, ele enfatizou a necessidade de defesa da democracia e expressou o repúdio da comunidade universitária aos atos de terrorismo que foram vistos na capital federal do País. (Clique aqui para ler a íntegra do discurso.)

Público presente no evento no Salão Nobre da Faculdade de Direito – Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

Carlotti afirmou que o ato também representava uma exigência para que os responsáveis pelos crimes que destroçaram a imagem e as instalações físicas dos Poderes da República sejam punidos na forma da lei. “É na lei que se consubstancia a estrutura democrática de um país livre. Não podemos, de forma nenhuma, deixar prevalecer a impunidade”, enfatizou. “Não há, nem haverá anistia. Os terroristas que despedaçaram Brasília não estão e jamais estarão à altura da palavra anistia. Devemos apoiar as iniciativas do Supremo Tribunal Federal para que ações semelhantes não se repitam”.

Ao Jornal da USP, a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, também presente ao ato, afirmou que a USP vem a público ainda sob forte impacto das imagens do terror do dia anterior, para “expressar o seu mais veemente repúdio às tentativas de impor pela força o estado de exceção, que coíbe as liberdades, avilta os direitos humanos e descortina um horizonte sombrio para a nação brasileira. Não nos é facultado omitir nesse momento tão grave da nossa sociedade. A história da nossa instituição norteia-se pela defesa esclarecida da condição superior da democracia como formação civilizacional que, nunca é ocioso assegurar, lastreia a produção do conhecimento, da ciência, da cultura, que define a missão superior da Universidade. Esses atos de evidente barbárie são divergentes do ordenamento ético da vida universitária e agridem as leis vigentes no país. Não podemos esquecer do regime ditatorial que ceifou vidas e torturou muitos dos nossos; fundamental será investigar e apurar com rigor e punir todos os envolvidos, sejam os mentores, sejam os executores dessas ações que nos expõem vergonhosamente na cena mundial. A complacência será a sementeira de novos ataques e a aplicação do rigor da lei a necessária e soberana garantia da normalidade democrática.”

Celso Fernandes Campilongo, diretor da FD, citou que o dia 8 de janeiro foi marcado pela criminalidade e falou da importância da ordem constitucional e das instituições para uma sociedade civilizada e democrática. Também lembrou do evento em defesa da democracia que ocorreu no Largo São Francisco em 11 de agosto do ano passado. “O dia de hoje tem uma tônica do revigoramento da democracia, de que deveremos ter nos próximos anos muita atenção com o cultivo da democracia”, discursou. “Uma democracia se não for bem cuidada, com toda a atenção e com todo o carinho, pode transformar o seu povo num povo escravizado e na negação da democracia”, disse, cobrando a punição dos envolvidos nos atos golpistas.

Representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Patricia Vanzolini foi enfática ao chamar os acontecimentos em Brasília de golpe. “É importante que toda a comunidade jurídica fale em uníssono que é golpe, e é crime, não é liberdade”, afirmou. Uma denominação que não tinha o consenso de todos da área, reconta Patricia, mas que “o que nós vimos ontem dá razão àqueles que sempre temeram que nós passássemos por uma tentativa de golpe”.

Patricia diz que medidas firmes devem ser tomadas em situações intensas, como a atual, e lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu muitas críticas por aplicar medidas tidas como muito violentas, ou ilegais, mas que, “olhando em retrospecto, agora, nós conseguimos perceber que se era isso [os ataques] que ele pretendia evitar, essas medidas eram necessárias”. Ela destaca também que o STF tem sido o verdadeiro guardião da nossa liberdade democrática. E conclui: “O que nós vimos ontem não é um ataque ao Estado Democrático de Direito, essa entidade imaterial, mas um ataque ao povo brasileiro, e nós estamos aqui para defendê-lo”.

“Fascistas não passarão”

Apesar da rápida convocação, o Salão Nobre da Sanfran, palco de momentos históricos da faculdade na sua tradicional luta pela liberdade, lotou com um público variado de cerca de mil pessoas, de integrantes da comunidade USP, profissionais de direito e alunos da escola.

Foi um público generoso em aplausos aos discursos, que se entusiasmava ao gritar, em alto e bom e som, várias vezes, a expressão “sem anistia”, e a clássica expressão de Dolores Ibárruri, chamada La Passionaria, na revolução espanhola, contra os fascistas de Franco: “Não passarão”, entoada em coro entusiasmado e repetido.

A manifestação de 11 de agosto passado, convocada pela Faculdade com apoio da USP em defesa da realização das eleições, quando o bolsonarismo pregava o contrário, perpassou quase todos os discursos – como se tivesse sido uma reunião premonitória dos problemas que estavam por vir, mesmo depois da eleição vencida por Lula.

Do pátio da Faculdade de Direito, um grito uníssono ecoa em defesa da democracia, foi o título do Jornal da USP na cobertura daquela reunião. Assim começava a reportagem: “Milhares de pessoas lotaram as dependências da escola, no Largo de São Francisco, para ouvir a leitura de duas novas cartas: o manifesto Em Defesa da Democracia e Justiça, subscrito por 107 entidades das mais variadas matizes políticas, econômicas e sociais — incluindo desde a elite do empresariado nacional até centrais sindicais, universidades, organizações científicas, ambientalistas e de defesa dos direitos humanos —, e a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!, redigida por um grupo de professores e ex-alunos do Direito da USP, que, na noite do próprio dia 11, superou a marca de um milhão de assinaturas”.

Estudantes pelo Estado Democrático de Direito

O movimento estudantil marcou presença no ato pela democracia deste dia 9 de janeiro. Em seu discurso, Manuela Morais, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto do Largo São Francisco, chamou a atenção para a importância da união contra o ataque à democracia brasileira “por parte de um projeto político fascista, que atuou com a conivência de autoridades”. “Sabemos que, historicamente, as manifestações pacíficas dos estudantes e dos movimentos sociais são reprimidas violentamente pelo Estado”, lembra. “É preciso que a justiça não nos falhe dessa vez.”

Manuela também cobra a responsabilização dos financiadores desse movimento, que mantiveram os acampamentos terroristas em Brasília e em outras partes do País. “É por meio da mobilização social permanente que conquistamos direitos e evitamos retrocessos. No dia de hoje, a voz do povo brasileiro diz: ‘sem anistia’”, finalizou.

Davi Barbosa Bonfim, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP, órgão que representa todos os estudantes da Universidade, lembrou dos estudantes que lutaram pela democracia quando a ditadura militar estava instalada no País e como o movimento estudantil, aliado ao movimento dos trabalhadores, continuou resistindo contra o projeto do governo Bolsonaro. “O projeto do bolsonarismo foi e segue sendo o de destruição dos poderes e de aniquilação daqueles que pensam diferente e que lutam contra a extrema direita”, disse.

Além disso, Bonfim reforçou a necessidade de não anistiar os golpistas que depredaram os prédios dos Três Poderes. O movimento estudantil continua ativo, e “nunca fugiu da tarefa de ser o número um em enfrentar aqueles que atentam contra a democracia e agora, novamente, seremos a linha de frente para conseguir enfrentar aqueles que querem atentar contra o povo brasileiro”, afirmou.

Também participaram Marcos Kauê, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), e Amanda Harumy, diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

Amplo apoio

O evento no Largo São Francisco também contou com discursos do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, que também representava o Ministério Público do Estado (MPE); do ouvidor da polícia estadual de São Paulo, Claudio Silva; do ex-procurador do Estado, Oscar Vilhena; do representante das Centrais Sindicais Ricardo Patah; e do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Entre as personalidades, estavam presentes o padre Júlio Lancellotti, o ex-jogador Walter Casagrande, o vereador Eduardo Suplicy, entre outros nomes.

Diante de um auditório lotado, o reitor da USP cobrou que todos se mantenham tranquilos, acreditando nas instituições, mas que estejam atentos aos acontecimentos. “Esses depredadores não passarão. Nossa democracia sairá vitoriosa uma vez mais”, finalizou.

*Crédito da imagem destacada: Mesa com o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, ao centro, durante o evento na Faculdade de Direito da USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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