por Júlio Ottoboni –
Impressionava o trajeto imenso que fez à deriva. Foram dias entre sol e noite, calmaria e tempestades, sustentado apenas pela boia que conseguiu levar o corpo exausto até a salvação.
Ali não importava o tamanho da bóia, mas a própria existência, tão pouco a vida miserável que levava ou as privações impostas pela batalha diária em terra ou no mar. Muito menos os anos que seus braços e dorso carregavam ou o saber nadar… nada superava o que aquela pequena circunferência de isopor oferecia naquele momento em águas totalmente desconhecidas.
Ele viu embarcações passarem e não o notarem, viu estrelas e a Via Lactea, viu o Sol engolir estrela e queimar o rosto e os braços. Vultos de peixes enormes o cercaram e sumiram. Tempo é um lugar que não existe. Para quê pontos cardeais quando se está à deriva e sem controle de forças que regem as águas, o planeta e o universo?
Num amanhecer, de um dia acumulado no deserto da esperança, quando já não se sabia mais quantas noites e dias tinham passado, conseguiu ser salvo por um barquinho pesqueiro, como o seu emborcado em sua jornada diária, na luta travada diante dos humores do oceano. Homens, rústicos e miseráveis como ele, o retiraram do mar e atenderam ao chamado da esperança.
Mas o naufrago fez questão de trazer com ele a pequena bóia para um porto seguro. Não era um troféu a ser exibido, mas uma extensão de sua vida e de sua espera e esforço.
Hoje, na minha maturidade, consigo enxergar o que minha juventude de repórter só sabia escutar, perguntar e escrever. Refletia dentro da minha experiência de vida. Agora vejo que as grandes personagens da história foram a boia e a persistência, sem elas nada existiria.
Hoje, como tantos náufragos que lutam pela sobrevivência neste oceano de correntes traçoeiras, que num momento do acaso podem se transformar em salvadoras, vejo o reflexo nas águas do que chamamos de vida. Observo os argumentos que me cercam, como as grandes sombras dos peixes. As ondas continuarão a bater no rosto, independem da vontade alheia.
Não interessa mais o tamanho da boia, mas que ela exista. Assim como a boa vontade dos homens que também temem emborcarem seus barquinhos em oceanos bravios. E que aprenderam que a luta sempre será pela sobrevivência, pela vida. Independentemente de sua condição.
Imagem: O Naufrago, de Reneé Stiv
Julio Ottoboni – Pós em Jornalismo Científico (1ª turma do país ) – Analista de Comunicação e Gestão de Crise. 40 anos de atuação nos jornais e revistas como repórter nacional, entre eles os jornais O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Agência Estado, Vejinha, Scientific American do Brasil, Gazeta do Povo, Gazeta Mercantil e DCI. Tem livros publicados e contos em diversas coletâneas de língua portuguesa. Estuda a vida e obra do poeta modernista Cassiano Ricardo.