Ligo para uma amiga querida em Sampa que se separou há uns três anos de um marido a quem amava apesar das desavenças constantes: ela queria continuar o trabalho na ONG em que atua há anos, ele aposentado, queria morar no Guarujá onde tinham um apartamento para veraneio.
Ela viaja muito, ele parece um hidrômetro.
No desfecho de temporadas longas no Guarujá, ele um dia confessou: conheci uma pessoa.
Então, minha amiga ficou solteira aos 67 anos.
Agora com 70 e trilheira de marca – adora essas caminhadas no mato e aguenta mochila nas costas, ela me confidenciou: estou namorando um JAPA. Faz trilhas comigo. E riu feliz.
Japa para quem não conhece as gírias de São Paulo, é um japonês ou um nissei ou um sansei, não importa… A cidade tem uma colônia imensa de gente do Japão. Quando eu era jovem, há 50 anos atrás, eles se misturavam pouco.
O Bairro da Liberdade era sim um gheto cultural, eles tinham escolas, jornais próprios e casavam entre si. Agora não mais.
Eu então pergunto: mas agora, com tantos vietnamitas e chineses, e coreanos, ainda chamamos todo mundo que tem olhinhos puxados de Japa? Ela ri de novo e me diz: Japa é carinhoso, não vejo mal…
E aí começamos um papo que me fez recordar como criamos estereótipos para lidar com os humanos, e com eles – os estereótipos, como nos recusamos a conhecer de fato quem é diferente de nós. Colocamos um rótulo e pronto! O relacionamento, o tipo de tratamento está dado.
Só para deixar meus amigos aqui do FB por dentro desse papo de comadres, vou rememorar o dicionário que me guiou na juventude, anos 60 e 70, tá?
. Pederasta ou ‘veado’ – homossexual masculino
. Frutinha – homossexual jovem
. Mulher macho – lésbica
. Gilette – bissexual
. Japa = todo homem ou mulher de olhinhos puxados
. Piranha = toda garota que parecia ‘fácil ‘ – quer dizer ‘dava’ (fazia sexo) pros meninos.
. Cabeção ou CDF – pessoa inteligente, em geral jovem
. Lesado ou lesada ‘ todo mundo que aparentava ter uma deficiência mental
. Maluco beleza ou ‘Odara’ – pessoas não convencionais – pessoas que acreditavam em disco voador
. Doidão – por drogas ou bebida alcoólica
. ‘Fera’ – adjetivo positivo para dizer que a pessoa era muito boa no que fazia
. Cagoeta – delator
. Bundão – covarde
. ‘Descansado’ – preguiçoso
. Marmita – pejorativo de pobre ou operário (que portava marmita de alumínio com sua refeição no ônibus ou trem)
. Mulato ou moreno – para designar mistura de pretos com brancos
. Preto retinto – para acentuar a negritude pura
. Menina certinha ou ‘pra casar’ – quer dizer que não fazia sexo e correspondia ao padrão família pequeno burguesa.
. Playboy – rapaz rico que levava uma vida de dissipação e dirigia carros importados
. Pobre de ‘marré derci’ – tipo pobre quase miserável.
. Aparelho – lugar (casa ou ap) onde se reuniam ou se escondiam militantes de esquerda
. Amasso – namoro quente com ‘pegação’.
. Subdesenvolvimento – padrão econômico indesejado – sentimento de inferioridade total.
. Terceiro mundo – nós, no buraco da lacraia, no cu do mundo.
. Alienado – quem não fazia política
. Reacionário – quem não era de esquerda
. Camarada – quem comungava das mesmas ideias políticas.
Bem, poderia continuar pois há uma infinidade de expressões, em todas as épocas, que servem para estigmatizar, diminuir, negar, acusar, etc.
Dizem que o politicamente correto veio para corrigir isso… tenho aqui as minhas dúvidas, pois a transgressão e a intolerância me parecem bem persistentes.
Mas esta é outra conversa.
Então? Você, meu amigo ou amiga, que tem a minha idade, por volta de 70, lembra-se de outras expressões que usamos para traduzir nossa cesta de preconceitos?
* Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.