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Polícia Federal confirma que ‘Colômbia’ mandou assassinar Bruno e Dom

Por Wérica Lima, Cícero Pedrosa Neto e Elaíze Farias, da Amazônia Real– 

A Polícia Federal no Amazonas, enfim, confirmou que os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em 5 de junho de 2022, foram a mando de Ruben da Silva Villar, o ‘Colômbia’. Segundo o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, em coletiva nesta segunda-feira (23), ‘Colômbia’ conversou nas vésperas e depois do crime com os assassinos Amarildo da Costa Oliveira, o ‘Pelado’, junto com Oseney da Costa Oliveira, o ‘dos Santos’, e Jefferson da Silva Lima, o ‘Pelado da Dinha’, que são réus do crime e estão presos em presídios federais, no Mato Grosso do Sul.

Desde o início das investigações, lideranças indígenas da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, sempre consideraram que o ‘comerciante’ era o mandante dos assassinatos, versão que, em um primeiro momento, foi negada pela PF.

Segundo Fontes, há duas semanas a PF pediu a transferência de ‘Colômbia’ para um presídio de segurança máxima. ‘Colômbia’ foi preso em julho de 2022, por uso de documentos falsos. Ele foi solto sob fiança em outubro, mas voltou a ser preso em dezembro, por descumprimento das condições impostas pela Justiça Federal. Ele também é acusado de associação criminosa de pesca ilegal na TI Vale do Javari. Na coletiva, o delegado disse que foram encaminhados seis novos indiciamentos para a Justiça Federal sobre este inquérito, totalizando 10 pessoas.

Nós temos, comprovadamente, ele [‘Colômbia’] fornecendo as munições que foram utilizadas no crime. Nós temos o pagamento que ele realizou para o advogado. Temos a ligação que ele realizou na sexta-feira [dia 3 de junho], véspera dos crimes para um dos investigados. No dia do crime, há a tentativa dele ligar para o criminoso. Temos vários elementos que o apontam”, disse o delegado.

Eduardo Fontes disse ainda que existem provas que comprovam o fornecimento de embarcações para organização da pesca Ilegal dentro da TI Vale do Javari combatida por Bruno Pereira, que era coordenador da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU).

Segundo o superintendente da PF, ‘Colômbia’ também é suspeito de ser o mandante do assassinato do servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Maxciel Pereira dos Santos, pela semelhança dos crimes. Maxciel, na época, atuava na Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, mas foi assassinado em Tabatinga, município vizinho de Atalaia do Norte, onde fica localizado o Vale do Javari.

“A motivação também é, de fato, a fiscalização da pesca ilegal que Maxciel realizava e no combate à pesca legal. Isso trazia grandes prejuízos aos criminosos. Por essa razão, a mesma motivação que a gente encontra lá em Maxciel, ela aparece aqui no caso Dom”, explicou Eduardo Fontes.

Entrevista coletiva na sede da Polícia Federal do Amazonas, com o superintendente da PF, Eduardo Alexandre Fontes
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Eliésio Marubo, advogado da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), afirmou nesta segunda, após a coletiva na PF, em Manaus, que o próprio Bruno já havia informado que ‘Colômbia’ estava à frente dos crimes ilegais dentro do território indígena.

“Temos os elementos que o próprio Bruno havia indicado: que Colômbia era o gerente do grupo criminoso e é o mentor intelectual do crime. Mas há financiadores e há outros envolvidos, que a Polícia Federal não trouxe para o inquérito”, disse a jornalistas Eliésio Marubo.

Outro envolvido que foi indiciado pela PF é Edivaldo da Costa de Oliveira, irmão de Amarildo da Costa Oliveira. Mas, segundo o delegado, não é possível efetuar a prisão dele nesse momento da investigação. Edivaldo, que  inicialmente teria participação na ocultação de cadáver nas investigações, agora também é apontado como a pessoa que forneceu a arma do crime. Além de Edvaldo, houve a revelação do envolvimento de um adolescente, sobrinho de Amarildo, que participou da ocultação e queima dos cadáveres. Ao todo, cinco pessoas foram indiciadas pelo crime de ocultação dos cadáveres, segundo o delegado.

Um dos pontos mais controversos da investigação foi a recusa, inicialmente, da PF aceitar a alegação dos indígenas do Vale do Javari de ‘Colômbia’ ser o mandante. Menos de dez dias após do assassinato, a PF chegou a negar que havia mandantes. A postura dos policiais foi muito criticada pelos indígenas da Univaja e de outras organizações. O delegado se defendeu:

“O fato da Univaja e de outros indígenas terem dito desde o início que ele era [o mandante], não era suficiente para eu contar para a Justiça. Eu preciso comprovar isso. Nós convocamos também a Univaja perguntando o que eles tinham de prova e todos os outros que nos diziam que era fato é o mandante, mas a polícia tem que trabalhar de forma probatória em qualidade. Nós estamos hoje conscientes que nós estamos entregando em relação a todos os envolvidos um fato”, disse o delegado Eduardo Fontes, na coletiva de hoje.

Com a confirmação do envolvimento de ‘Colômbia’ no crime, como mandante, o delegado Eduardo Fontes disse que “90% das investigações” estão finalizadas. Segundo ele, não há mais envolvidos, além dos que já foram citados.

“Mostrando já o desfecho, as análises já foram realizadas, é muito pouco provável que apareçam novos nomes. Praticamente o que a gente está analisando só vai reforçar o que nós já temos”, disse Fontes, que está se despedindo da superintendência da PF no Amazonas.

Conforme Fontes, não será mais preciso de força tarefa para o caso, mas que outras estratégias podem ser questionadas com a gestão do novo superintendente da PF, Umberto Ramos, que foi nomeado na semana passada, mas ainda não assumiu.

Cenário criminoso continua

O advogado Eliésio Marubo, da Univaja

A afirmação de que a investigação está quase chegando ao fim preocupou o adcogado Eliésio Marubo. Ele afirmou que, sem uma ampla atuação na região, haverá mais mortes pois muitos criminosos ainda estão na região.

“O fato de trazerem ‘Colômbia’ para a posição de mandante, não desmantela o cenário criminoso. Eu entendo que ele é um personagem de uma trama que envolve políticos e empresários na região”, disse o advogado.

Segundo o advogado da Univaja, a PF continua se precipitando em dar respostas rápidas, como aconteceu no início das investigações, quando afirmou que não havia mandante.

“Estão querendo entregar o produto da investigação. O processo está em julgamento e estão querendo dar qualquer resposta”, disse ele, à Amazônia Real.

Conforme o advogado, a investigação ainda tem muitas perguntas sem respostas, especialmente em possíveis envolvimento de políticos locais.

“Qual interesse dos políticos em apoiar os criminosos? Quem está pagando a defesa dos criminosos, inclusive de ‘Colômbia’? São bancas que atuam em casos de grande repercussão e cobram cifras milionárias para isso. A defesa PróBono [gratuita] não justifica tamanha exposição das bancas. Como advogado criminalista, eu não vejo a atuação gratuita em defesas como essas. Principalmente, porque são atuações muitos dispendiosas”, declarou.

A Amazônia Real apurou que lideranças indígenas ainda aguardam o resultado das investigações sobre as ameaças sofridas por indígenas do Vale do Javari e por servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de Atalaia do Norte e de Tabatinga, nos últimos meses.

A ameaça contra a liderança Feliciana Kanamari, que teve uma arma apontada ao peito por um pescador ilegal, até hoje não teve respostas da PF, segundo uma liderança ouvida. “Ocorreu outras ameaças, mas não vimos nada de concreto sobre isso”, disse ele, que pediu anonimato.

‘Colômbia’ ficou foragido e preso novamente

Colômbia’ quando chegou à sede da PF em Manaus em 2022 (Reprodução TV)

A investigação da PF no crime passou por diferentes etapas, com os delegados dizendo, inicialmente, que não havia mandante. ‘Colômbia’, porém, já havia entrado no radar da imprensa dias após o desaparecimento de Bruno e Dom no rio Itacoaí. Após inúmeras reportagens trazendo seu nome associado ao narcotráfico e à pesca ilegal na região, Ruben Villar , decidiu se apresentar na sede da PF, em Tabatinga. Na ocasião, apresentou documentos divergentes, com indícios de fraude, e foi preso em flagrante. Ele apresentou dois nomes e nacionalidades diferentes, colombiana e peruana.

No dia 22 de julho, a PF fez uma operação de busca e apreensão na casa de ‘Colômbia’, na tentativa de colher elementos que o relacionasse à rede criminosa que atua no Vale do Javari e ao duplo homicídio. A operação encontrou mais documentos falsos.

Depois de quatro meses preso preventivamente, ‘Colômbia’ foi solto ao pagar fiança de R$ 15 mil, o que despertou temor imediato nas lideranças indígenas, nas testemunhas dos assassinatos, e em servidores da Funai. Em 20 de dezembro, ele volta ao regime fechado após denúncias de que estaria infringindo as condições estabelecidas pela justiça para sua prisão domiciliar – a de permanecer em Manaus monitorado com tornozeleira eletrônica e mensalmente se apresentar à justiça. Um oficial de justiça esteve no domicílio informado por ‘Colômbia’ e não o encontrou. No local, teriam dito que ele não residia ali.

Até agora, doze pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal no Amazonas pelos crimes de duplo homicídio qualificado e associação criminosa para a pesca ilegal em área indígena. Pelo duplo homicídio estão presos Amarildo da Costa Oliveira, o ‘Pelado’, que também responde por associação criminosa e mantinha estreita relação com ‘Colômbia’, como já revelaram as investigações; Oseney da Costa Oliveira, o ‘Dos Santos’, irmão de ‘Pelado’; Jefferson da Silva Lima, conhecido como ‘Pelado da Dinha’.

Por associação criminosa foram denunciados Jânio Freitas de Souza; Amarilio de Freitas Oliveira (filho de ‘Pelado’), Manoel Raimundo Corrêa (o ‘Deo’), Francisco Lima Crreia ( o ‘Chico Tude’), Paulo Ribeiro dos Santos, Eliclei Costa Oliveira (o ‘Sirinha’), Otávio da Costa de Oliveira, Laurimar Costa Alves (o ‘Cabôco’) e Ruben da Silva Villar .

Entre os acusados de associação criminosa, apenas Rubens permanece em regime fechado. Os demais foram postos em liberdade condicional, mediante pagamento de fiança, entrega de passaportes e proibição de sair do país, além da obrigatoriedade de comparecimento mensal à sede da Justiça Federal em Atalaia do Norte.

Os processos que investigam os casos tramitam na Vara Federal de Tabatinga. Nesta segunda-feira (23), começariam as audiências de instrução, mas foram adiadas pelo juiz Fabiano Verli pelo que o juiz chamou de “falta de comunicação” da Justiça Federal e por não haver salas  disponíveis para os réus participarem dos depoimentos remotos.

O “patrão”

Velório do indigenista Bruno Pereira em Recife, capital de Pernambuco (Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo).

Desde o início das apurações da Amazônia Real, iniciadas logo após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, em 5 de junho do ano passado, o nome de ‘Colômbia’ é mencionado como o mentor do duplo homicídio. As fontes indígenas ouvidas pela Amazônia Real sempre o apontaram como o “patrão” que financiava todo o esquema criminoso da pesca ilegal de pirarucu e tracajá no Vale do Javari, que impacta diretamente na segurança alimentar, nos modos de vida e na integridade física dos mais de povos indígenas que vivem na TI Vale do Javari, incluindo grupos de recente contato e isolados.

‘Colômbia’, segundo testemunhos coletados pela agência ao longo dos seis meses de apurações que se seguiram, era quem provia materialmente os pescadores com barco, combustível, sal, redes, anzóis e outros utensílios utilizados na pesca do pirarucu e tracajá, além de comida para as expedições e para que os pescadores deixassem o sustento para as famílias — o “rancho”, como costumam chamar.

Além de ser o financiador da pesca ilegal, ele também era o principal cliente no esquema, receptando o pescado em forma de pagamento pela dívida contraída pelos pescadores, com o aviamento da estrutura para a atividade, além de comprar — ao preço que desejasse — o restante da carga sensível e ilegal, com necessidade de armazenamento frio e longe da vista das autoridades. Sem ter onde armazenar, os pescadores quase sempre vendiam todo o restante para Rubens, que mantinha uma estrutura frigorífica em Benjamin Constant.

“Eu me sinto aliviado de saber que a polícia finalmente conseguiu enxergar o envolvimento do ‘Colômbia’ com o assassinato do Bruno e do Dom. Ele que financiava o crime aqui dentro [da TI Vale do Javari]. Mas ainda não acabou”, revela uma fonte indígena que pediu para não ser identificada temendo por sua vida”

O indigenista Bruno Pereira trabalhou ativamente desde os seus tempos de Funai até a coordenação da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), para desarticular a rede criminosa e lucrativa da pesca ilegal.

Conforme os próprios indígenas, ela só existia pelo financiamento de ‘Colômbia’, já que a pesca do pirarucu, pescado de grande porte, e do tracajá demanda estruturas como isopor, quilos e mais quilos de sal, barcos de médio e pequeno porte, e bastante combustível para se percorrer a vastidão que é o Vale do Javari.

A perita Taís Muniz mostra imagens da perícia que comprovaram as autorias do crime (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

* Crédito da imagem destacada: De acordo com o delegado Eduardo Fontes, ele também é suspeito de envolvimento no assassinato do servidor da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, em 2019 (Foto: Reprodução redes sociais).

 

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