No maior e mais populoso país da América Latina, os riscos de desastres são identificados com a inexperiência e idéias anacrônicas dos membros do governo
Os governos da direita, esquerda ou centro estão afundando em todo o mundo. Será diferente no Brasil com Jair Bolsonaro, um presidente que busca governar com base em crenças religiosas, direitistas e militares?
Outros presidentes sul americanos eleitos também em 2018, Sebastián Piñera, no Chile, e Iván Duque, na Colômbia, talvez menos vinculados ao ideário de extrema-direita, foram mergulhados em uma surpreendente impopularidade depois de apenas quatro meses no poder.
Piñera assumiu o cargo em 11 de março e em julho sua aprovação caiu para 49% em julho e apenas 37%, com rejeição de 51%, em novembro, segundo pesquisas da Criteria Research .
A queda de Duque foi ainda mais abrupta. Em menos de 100 dias de governo, no final de outubro, sua popularidade caiu pela metade, 27,2%, segundo pesquisas da firma Invamer. “Está indo mal”, de acordo com 73,8% dos entrevistados.
Na Argentina, Mauricio Macri, que completou seu terceiro ano de mandato em 10 de dezembro, enfrenta protestos desde 2016 contra suas políticas de ajuste fiscal, dos aumentos dos preços públicos, do desemprego e da pobreza crescente.
Fora do continente, as dificuldades se estendem para a França, com o presidente Emmanuel Macron confrontado com a rebelião dos “coletes amarelos” e Grã-Bretanha, onde a primeira-ministra conservadora, Theresa May, sofre as incertezas do Brexit que a levaram ao poder em 2016 e pode agora defenestrá-la.
No maior e mais populoso país da América Latina a partir de janeiro os riscos de desastres são identificados principalmente com a inexperiência e ideias anacrônicas dos membros do novo governo, que tendem a excluir o pragmatismo às vezes necessário ou ignorar questões importantes da atualidade. A maioria nunca participou do Poder Executivo, mesmo que em nível local.
Os efeitos já são sentidos, especialmente na política externa. O Brasil sairá do Pacto Global pela Migração Segura, Ordenada e Regular.
O acordo não vinculante foi assinado por 152 países na Assembleia Geral das Nações Unidas na quarta-feira, 19 de dezembro, com a votação contrária apenas dos Estados Unidos, Hungria, Israel, Polônia e República Tcheca, e 10 abstenções, incluindo a dos latino-americanos. Chile e República Dominicana.
O governo brasileiro de Michel Temer apoiou o acordo negociado desde abril de 2017, mas já designado como futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, anunciou uma mudança na posição de rejeição, apresentando argumentos semelhantes aos apresentados pelo presidente norte-americano Donald Trump.
Não é uma questão a ser regulada a nível internacional, mas por cada país “de acordo com a realidade e sua soberania nacional”, disse o diplomata, sabendo que nesse assunto o Brasil é o oposto daqueles que rejeitam o pacto, por medo de lado “invasões”.
Não é uma questão a ser regulada a nível internacional, mas para todos os países “de acordo com a realidade e soberania nacional”, disse o diplomata, mesmo sabendo que nesse assunto o Brasil esta do lado oposto daqueles que rejeitam o pacto, por medo de lado “invasões”.
Neste país de 208 milhões de pessoas, há três milhões de residentes no exterior, três vezes o número de imigrantes que recebe, portanto mais fonte dos supostos “invasores” do que das vítimas.
Mas Araújo pretende “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia ‘globalista’, pilotada pelo marxismo cultural”, de acordo com suas idéias que conduzem ao ridículo, publicadas em seu blog e em uma revista da diplomacia brasileira.
O “globalismo” e o comunismo são inimigos que se confundem nas declarações de vários futuros ministros, que prometem extirpar a ideologia em suas áreas de ação, uma ameaça nebulosa.
O chanceler de Bolsonaro considera que a esquerda pratica o “sadismo abortista”, quer extinguir a humanidade, “uma sociedade onde ninguém nasce, nem um bebê, muito menos o menino Jesus”.
Curiosamente, o diplomata ascendeu em sua carreira diplomática defendendo a política externa dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), entre 2003 e 2016, agora execrada por ampliar as relações com os países do Sul e defender o multilateralismo.
A partir dessa fúria, em que todos os opositores são categorizados como comunistas, nasceu a ideia de romper também com o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas e mudar de Tel Aviv para Jerusalém a embaixada brasileira em Israel, seguindo os passos de Trump. , o “único que pode salvar o Ocidente cristão”, segundo Araujo.
Essas iniciativas, ainda a serem confirmadas, assustam as grandes empresas exportadoras agrícolas. Eles temem perder vendas de carne para os países árabes, que dão ao Brasil um superávit comercial de mais de 6 bilhões de dólares por ano, e os principais mercados que exigem cuidados ambientais na origem de suas importações, como europeus.
A extrema direita no Brasil segue suas irmãs dos países ricos, apesar de ter uma realidade diferente. Sua identidade comum é baseada na rejeição da imigração, independentemente da situação no país, e dos avanços nos direitos sexuais, além da negação da mudança climática.
Convicções religiosas e pensamento militar serão outros eixos que guiarão o novo governo.
“Deus acima de tudo”, era o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro e continua a ser assim nos atos do futuro governo. O Estado brasileiro é secular, como definido pela Constituição, um preceito que de fato tem sido pouco cumprido, mas que agora se destina a ser abandonado diretamente.
A Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, é advogada e pastora da Igreja Pentecostal Evangelista Quadrangular, fundada nos Estados Unidos em 1923.
Ela será responsável pela política indígena, mas é acusada de “sequestrar” crianças de aldeias indígenas e incentivar o ódio dos colonos contra os povos originários. Ela adotou uma filha indígena há muito tempo.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também enfrenta problemas. Ele foi condenado pela Justiça em 19 de dezembro pela fraude que teria cometido em um plano de gestão ambiental em 2016, quando foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
A sentença proscreve seus direitos políticos por três anos, mas isso não o impede de assumir o ministério, já que ele tem o direito de apelar, adiando a execução criminal.
O pensamento militar estará muito presente no Governo, seja com o próprio Bolsonaro, um ex-capitão reformado, seja pela ocupação de sete ministérios por generais do Exército, na maioria aposentados.
Eles se juntam a um civil, o filósofo colombiano Ricardo Velez, que liderará o Ministério da Educação, depois de se destacar como professor na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
A defesa de uma integração de questões de segurança nacional ao ensino e seu ataque ao marxismo do italiano Antonio Gramsci apontando-o como a grande ameaça comunista atual, outorgou-lhe as qualidades para assumir o cargo.
Os militares serão fundamentais principalmente na luta contra o crime organizado, uma bandeira decisiva no triunfo de Bolsonaro em outubro.
Dentro de seu ambiente, alguns defendem a flexibilidade legal para proteger os agentes policiais na guerra contra as gangues armadas, o que representa o risco de expandir a violência e o paramilitarismo, um fenômeno até então mais conhecido na Colômbia e nas grandes cidades.
As chamadas milícias já dominam grande parte do Rio de Janeiro e atuam de maneira mais discreta em outras cidades. Muitas foram criadas e são comandadas por policiais ativos ou aposentados. Elas poderão crescer nessa guerra oficial contra o tráfico de drogas, mesmo que eles sejam ilegais e criminosos também.
Os discursos violentos de Bolsonaro contra ambientalistas, porque “prejudicam o desenvolvimento”, os camponeses sem terra que “invadem” propriedades, contra os indígenas e quilombolas que no seu governo não merecerão “um centímetro de terra” incentivam os agricultores a contratar pistoleiros para expulsar ou matar “indesejáveis”.
Alheio a essas contradições, a economia pode ter um impulso inicial favorável no governo Bolsonaro, gerando um crescimento cíclico após três anos de recessão e estagnação, graças ao apoio dos empresários ao liberalismo radical pregado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Edição: Estrella Gutiérrez
Tradução: João Baptista Pimentel Neto
Publicado originalmente em português pelo “Diálogos do Sul“