por Patrícia Kalil, de Alter do Chão (PA) especial para a Envolverde –
Na caça a bandidos, polícia armada interpela mulher por beber cerveja e prende pai de família em conversa que dura menos de 30 segundos
ALTER DO CHÃO, 18 de agosto de 2017, sexta-feira, começo da noite. Viaturas e viaturas de uma operação especial com a Polícia Militar, a Força Tática, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros e a Vigilância Sanitária desembarcam na pacata vila amazônica de surpresa. Montam uma blitz na entrada do balneário, enquanto outros policiais armados vão à Praça 7 de Setembro, o principal ponto de encontro da vila. Ao avistarem uma mulher tomando uma latinha de cerveja, aproximam-se e começam a intimidá-la por consumir bebida alcóolica na frente de crianças. Ela é funcionária da FUNAI e tenta dialogar. Pressionada, Tábata senta com dois de seus filhos cercada por policiais armados e fica à espera de seu companheiro que está no mercado.
Quando o professor universitário Pedro chega com o terceiro filho do casal no colo, a família já está desesperada. As crianças choram. O pai coloca o filho no banco. Um morador filma a confusão (aqui e aqui).
Sem psicologia ou tato, os oficiais cercam o pai moreno e alto, não pedem nem seus documentos ou sequer explicam o motivo de tanta agressividade na abordagem. Pedro, já exaltado, pede que não encostem nele, defendo-se. Em menos de 30 segundos, a polícia avalia o comportamento do pai como afrontador e declara crime de desacato. Sem qualquer chance de diálogo ou mesmo escuta, o antropólogo recebe voz de prisão. A partir daí, nos próximos minutos, o que assistimos é a uma cena constrangedora. Pedro é violentamente empurrado, tem sua camiseta rasgada, é arrastado em praça pública na frente dos filhos, recebe um golpe mata leão até ser algemado e levado para a delegacia. Gritaria e pânico. A polícia, que poderia ter sido amiga e cuidadosa, assusta quem deve proteger. O fim de semana foi inteiro assim, com fechamento de lanchonetes, bares e restaurantes antes da hora. Até mesmo músicos do carimbó foram parados em abordagem intimidadora.
Vamos conversar sobre o que está acontecendo? Investigar o crescimento de assaltos à mão armada na vila conhecida por ter a praia de água doce mais bonita do Brasil é diferente de tratar moradores com arbitrariedade policial. Somos todos cidadãos. A polícia em uma comunidade pequena pode conhecer os moradores e ser aprazível com turistas para defendê-los. De forma pacífica e amistosa, a presença de policiais nunca deveria causar medo, mas conforto. É inaceitável levarmos isso com normalidade. Com esse tratamento, os únicos que não serão presos são os assaltantes, que de maneira mais óbvia, sabem exatamente onde não agir: na praça. Leia abaixo entrevista com Tábata:
Dentro do contexto social da vila e levando em conta os elementos de convivência daqui, vocês estavam fazendo algo suspeito ou ilegal, apresentando qualquer ameaça?
Tábata Morelo Vianna— Nós estávamos fazendo o que várias famílias fazem em Alter do Chão. Levamos nossos filhos para andar de bicicleta, jogar bola, brincar com outras crianças e enquanto isso tomávamos cerveja e conversávamos com outros pais e amigos que estavam na praça. Chegamos na praça depois do pôr do sol e o incidente ocorreu por volta de 20h30.
Como você foi abordada pela polícia? Segundo nota oficial da Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup), você estava alcoolizada e foi ameaçadora.
Tábata — Ainda não estou em condições emocionais de relatar todo o acontecido, mas adianto que foram muitos policiais em minha direção e quando eles começaram me acusar, um dos meus filhos saiu de perto e o perdi de vista. Fiquei desesperada por não vê-lo e os policiais ficaram na minha frente, impedindo minha visão e repetindo que eu estava bêbada e por isso perdi meu filho. No entanto esse era o filho que eles acusaram de estar perto da bebida (no banco onde estávamos). Peguei o menor no colo e fui procurar o outro com medo de que ele fosse pra rua. Retornei ao banco da praça com os dois no colo. Eram vários policiais armados me cercando e repetindo acusações. Não havia ninguém do conselho tutelar.
“Registra-se o direito do cidadão aos momentos de convivência com a família, prática comum no lugar que é marcado por atividades turísticas e por laços solidários entre os moradores. Ressalta-se a necessidade de respeito aos direitos humanos, principalmente em situações que envolvam mulheres e crianças. É necessário que as instituições de segurança incorporem em suas práticas o diálogo, buscando resolver os conflitos com entendimento, sem descontrole” — Trecho de nota pública da Reitoria da UFOPA
Vamos falar sobre o momento em que Pedro chega. Em menos de um minuto, antes mesmo de se inteirar da situação de crise, a conduta policial é tão autoritária, com armas diante dos filhos, encurralando o professor no canto da praça, que é natural esperar que qualquer ser humano tenha uma resposta mais emocional. Sem grande motivo, decretam voz de prisão a um pai que está chegando do supermercado e vendo sua família cercada por homens armados que não sabem dialogar. Como foi na delegacia? Como o delegado viu o caso? O que está acontecendo agora?
Tábata — O Pedro deu depoimento algemado (com os braços para trás), sem camisa, sem chinelo. Eu estava do lado de fora do vidro, também descalça, com as 3 crianças sozinha. Não deixaram nenhum amigo entrar na delegacia para me ajudar com as crianças. Elas viram o pai algemado. Enquanto o Pedro estava prestando depoimento vários policiais ficaram em volta de mim e das crianças, o conselheiro tutelar fez perguntas pra mim ali no corredor. Várias pessoas do juizado de menores estavam ali presentes conversando apenas com os policiais. Não sei como o delegado está vendo o caso, não temos essa informação. Agora estamos tentando nos organizar para tomar as medidas cabíveis.
“É um ato contra os direitos do cidadão a coação pela violência policial de forma arbitrária e excessiva, e que não deveria condizer com a prática de uma instituição que deve defender os direitos das famílias de estarem em local público, e dever do Estado de prestar segurança social a todos os cidadãos, bem como esclarecer os motivos de atuação junto a população, evitando os conflitos e métodos que há muito devem ser expurgados das instituições policiais”. — Trecho de nota pública do Sindicato dos Professores da Universidade Federal
Como estão as crianças?
Tábata — As crianças estão muito mal, estão agressivas e com medo de sair de casa. Meus filhos falam que não querem nunca mais ir à praça ou na praia. Eles ficam com medo se eu ou meu companheiro saímos de casa (para comprar pão, por exemplo). Perguntam se a polícia vai estar na padaria e se o pai vai ser preso. Estamos muito abalados, a família como um todo.
“Não há dispositivo no ECA que proíba pai ou mãe de beber, a lei fala que o infante não pode beber, mas pais podem se divertir com seus filhos e esse é um direito da família que está no estatuto e na Constituição Federal. O fato é que ninguém pode proibir um pai e mãe de beber e dizer que o filho está exposto a risco em praça pública. Qual era a exposição ao perigo? — agente voluntário de Proteção da Criança e do Adolescente pela 5° vara do fórum de Santarém
Como é a sensação de ser tratado como foram?
Tábata — Nem os ditos “bandidos” devem ser tratados da forma como fomos tratados. Não existia nenhuma denúncia contra nós, não foram pedidos nossos documentos, estavamos sendo conduzidos arbitrariamente, sem intimação, sem nada, na frente dos nossos filhos, por justamente estarmos perto deles. Nossos filhos presenciaram uma violência que nunca haviam visto (nem pela televisão, pois não possuímos televisão). A sensação é péssima, estamos muito mal, preocupados com as crianças, estamos com medo. Não desejamos essa sensação para ser humano nenhum.
Vocês estão recebendo algum apoio?
Tábata — Estamos recebendo apoio de muita gente e instituições, muitos amigos queridos e pessoas anônimas. Esse apoio nos dá força para não desabarmos. Agradecemos imensamente a cada um.
Nos últimos meses, estamos vivenciando um crescimento de assaltos em Alter do Chão, com reivindicações dos moradores por mais investigações. Vocês participaram dessas manifestações?
Tábata — Não participamos fisicamente (porque sempre estamos com as crianças e não foi possível estar lá com os companheiros), mas damos total apoio às reivindicações postas em pauta.
Como vocês acham que a segurança pública em Alter do Chão, uma vila turística, pode ser melhorada?
Tabata — Essa é uma pergunta difícil. Nesse momento estamos vivendo o medo, e pensar em segurança quando se está com medo… Não sei o que dizer. Fico com medo de dizer.
A Anistia Internacional mostrou em relatório esse ano o crescimento da violência policial no Brasil acompanhando do fortalecimento de um discurso discriminatório contra minorias. Vocês acham que isso está acontecendo também em Alter do Chão? Quem são as minorias?
Tábata — As minorias são as de sempre, populações marginalizadas: pretos, pobres, indígenas, quilombolas, praticantes de religiões de matriz africana, mulheres, LGBT, trabalhadores rurais, imigrantes e qualquer movimento social, população ou indivíduos que ponham em questão o poder dominante.
No ano passado, na mesma praça, também um pouco antes do Sairé (festa tradicional da Vila), artesões de rua foram expulsos de maneira violenta. A ação não foi filmada e não repercutiu nas redes sociais da vila (grupos de whatsapp) com a mesma velocidade. É possível fazer um paralelo entre esses dois acontecimentos?
Tábata — É possível fazer esse paralelo, muito pertinente, mas agora não tenho condições de alongar esse tema. O que posso dizer é que os “hippies” nunca foram ameaça a ninguém, inclusive, como eles (que não são diferentes de cada um de nós) estão sempre na praça, conhecem nossos filhos pelo nome, tratam todas as crianças bem, levam seus filhos também para brincar na praça. Obrigada também a eles que estavam lá e nos apoiaram nesse momento difícil.
Leia também notas e manifestações publicadas sobre o caso:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ – Nota de esclarecimento sobre incidente com professor da UFOPA
A Universidade Federal do Oeste do Pará, como uma instituição educacional e de formação cidadã, vem manifestar solidariedade ao professor Pedro Leal, do curso de Antropologia, do Instituto de Ciências da Sociedade, pelos acontecimentos registrados ontem à noite em Alter do Chão. A comunidade acadêmica lamenta as atitudes excessivas, registradas em vídeos que circulam nas redes sociais, cometidas contra o professor, sua esposa e os filhos que estavam em momento de lazer na praça da vila balneária. Registra-se o direito do cidadão aos momentos de convivência com a família, prática comum no lugar que é marcado por atividades turísticas e por laços solidários entre os moradores. Ressalta-se a necessidade de respeito aos direitos humanos, principalmente em situações que envolvam mulheres e crianças. É necessário que as instituições de segurança incorporem em suas práticas o diálogo, buscando resolver os conflitos com entendimento, sem descontrole. Para tanto, a Universidade se apresenta como um espaço que também pode ajudar no processo de formação das corporações, no sentido de potencializar as instruções voltadas à convivência em sociedade, especialmente em uma região marcada pela diversidade cultural. Aguardamos a apuração dos fatos para que sejam tomadas as providências cabíveis para evitar situações similares.
Santarém, 19 de agosto de 2017.
Raimunda Nonata Monteiro
Reitora
Anselmo Alencar Colares
Vice-Reitor
SINDICATO DOS PROFESSORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ – SINDUFOPA, SEÇÃO SINDICAL DO ANDES-SN (SINDICATO NACIONAL)
NOTA OFICIAL DO SINDICATO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ- SINDUFOPA/ANDES-SN SOBRE ABORDAGEM POLICIAL A DOCENTE DA UFOPA
A Diretoria do Sindufopa vem manifestar solidariedade ao Prof. Dr. Pedro Leal, docente do Curso de Antropologia, diante da gravidade da ação policial realizada na noite de ontem, dia 18 de Agosto e amplamente divulgada nas mídias. É um ato contra os direitos do cidadão a coação pela violência policial de forma arbitrária e excessiva, e que não deveria condizer com a prática de uma instituição que deve defender os direitos das famílias de estarem em local público, e dever do Estado de prestar segurança social a todos os cidadãos, bem como esclarecer os motivos de atuação junto a população, evitando os conflitos e métodos que há muito devem ser expurgados das instituições policiais. Neste momento ficamos consternados diante da situação que coloca um docente em fragilidade diante de sua família que o vê sendo violentado desnecessariamente pela atitude dos policiais envolvidos.
Devemos trabalhar a necessidade de se mudar a cultura da polícia, buscar o diálogo e a resolução de conflitos pelos meios de pacificação social, uma vez que a universidade tem papel fundamental na formação de novos valores sociais voltados às práticas dos direitos humanos. Este é o caminho que deve ser o fim do Estado através de suas polícias.
Por fim, nossa diretoria conclama as instituições de segurança pública a buscarem o diálogo e o respeito a nossos docentes e a todos os cidadãos no uso de seus direitos e prerrogativas constitucionais. Nosso sindicato jamais se resignará diante dos quadros de violência contra nossos docentes e a sociedade, nem aos direitos sociais vilipendiados injustamente e direcionados aos mais vulneráveis. Devemos nos unir para promoção da Paz como ato contra toda forma de violência que busque instaurar o medo e a insegurança a todos.
Informamos a comunidade acadêmica que já fomos contactados para reunião com Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Subseção Santarém, nesta segunda-feira, 10h, para tratarmos de providências e encaminhamentos de denúncia junto ao Ministério Público do Estado e que estamos solidários com toda a população de Alter do Chão e Oeste do Pará que clama por segurança sem violência e com o relacionamento saudável entre as instituições que prezam pela harmonia e o bem estar social.
Santarém, 19 de Agosto de 2017
Prof.Mário Adonis Silva – Presidente
Prof.Jackson Rêgo – Vice-Presidente
Prof.Amadeu Cavalcante – Diretor
SINDICATO DOS PROFESSORES DE SANTARÉM – Nota de Solidariedade ao Professor Pedro Leal e sua família
A diretoria do Sindicato dos Profissionais das Instituições Educacionais da Rede Pública Municipal de Santarém – SINPROSAN vem a público manifestar sua solidariedade ao professor da Universidade Federal do Oeste do Pará, Pedro Leal, bem como sua família, e repudiar à ação injustificável de policias militares.
É inegável que Santarém vive um momento de aumento da insegurança pública, e necessita de mais policiamento, porém esse fator não justifica abordagens truculentas.como a ocorrida na noite do dia 18 de agosto na praça da Vila de Alter do Chão. A pretexto de salvaguardar a integridade dos filhos do professor Pedro, a própria policia prejudicou a integridade psicológica das crianças. O que se viu foi uma ação cheia de exageros e a qual certamente já está causando traumas no professor Pedro Leal e sua esposa, mas principalmente aos seus filhos menores, aqueles menores a quem os policiais prentediam justamente .proteger a integridade. Traumas que podem ocasionar problemas emocionais e cognitivos. O episodio lamentável mostra que nossa Polícia está apta a lidar com criminosos, mas não está igualmente preparada para lidar com cidadãos. A diretoria do SINPROSAN se solidariza com essa família e repudia a violência que vivenciou.
Santarém, 19 de agosto de 2017.
UM ECA RASGADO – Crianças apavoradas, um pai sendo algemado, uma mãe gritando é um ECA rasgado.
Polícias sem preparo algum, causando trauma à uma família.
O ECA é a carta maior da legislação infanto_juvenil do Brasil, mas parece que os PMs nunca o lerão nem de forma resumida. O estatuto foi feito para garantir o direito e a proteção integral, expor as crianças ao medo principalmente ao ver o pai ser preso é traumático.
Aliás, não há dispositivo no ECA que proíbe pai ou mãe de ingerir álcool, a lei fala que o infante que não pode, pais podem se divertir com seus filhos, até porque é um direito do pai/mãe e do filhx que está no estatuto e na Constituição Federal. O fato é que ninguém pode proibir um pai e mãe de beber e dizer que o filho está exposto ao risco sendo que não estão em uma festa(até em festa pode, dependendo da festa e caso a criança esteja acompanhado do pai e no horário correto), mas sim estavam em praça pública, qual era a exposição ao perigo?
Não é assim que o ECA é interpretado, os polícias foram totalmente ignorantes e sem visão alguma sobre o ocorrido, principalmente sem ter lido o Estatuto da Criança e do Adolescente e saber que se eles(PMs) estavam fazendo fiscalização deveria estar junto com eles um agente do fórum ou um membro do Conselho tutelar e etc…
E nunca, nunca!, um PM é o que vai abordar pai e mãe, sim um membro que saiba dialogar civilizadamente e com amparo teórico da lei, nesse caso um agente de proteção do fórum ou conselheiro, pois o papel de Polícia e garantir proteção aos envolvidos, somente isso.
Texto de um Pedagogo e agente voluntário em formação de proteção da criança e do adolescente pela 5° vara do Fórum de Santarém.
Santarém, 19 de agosto de 2017.