Por Reinaldo Canto, de Santarém, especial para a Envolverde –
O futuro da Amazônia passa pela inserção de todos os seus habitantes notadamente os povos originários nas discussões sobre desenvolvimento e preservação
Na quinta-feira, 29 de junho, no centro histórico de Santarém, o Theatro Victória, primeiro teatro nascido na região amazônica, foi palco do IV Cinturão Cultural do Tapajós – Territórios e Resistência.
O encontro reuniu lideranças indígenas, movimentos de toda a região, bem como contou com representantes latino-americanos atingidos pela exploração mineral no continente, além de pesquisadores, jornalistas, artistas, produtores de alimentos e medicinais da floresta.
A programação também contou com o lançamento do Glossário Ilustrado da Justiça Climática editado em três línguas e que irá contribuir para que as pessoas e comunidades da região possam compreender melhor termos técnicos que são usados quando se discutem as questões climáticas e acordos internacionais entre outros.
O tom unânime dos participantes foi o de reivindicar a participação ativa dos povos amazônicos nas discussões sobre o futuro da região o que historicamente não vem ocorrendo. Seja nos preparativos para a realização da COP 30 (Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas) em Belém em 2025, como também em megaprojetos de exploração dos recursos da região (exemplo da atual discussão sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas).
O encontro em Santarém teve três plenárias em que as temáticas convergiram inteiramente. Na primeira composta por acadêmicos e pesquisadores da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará) e da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) as falas refletiram a importância das pesquisas feitas na região tendo como protagonistas os povos originários, caboclos, extrativistas, pescadores artesanais e seus saberes. O professor Marcos Castro de Lima, do departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação da UFAM chamou a atenção para as cidades anfíbias que são impactadas pela subida e baixa dos rios e quanto elas vem sendo afetadas em função da mudança do clima. Como cada rio tem sua dinâmica é importante ouvir seus ribeirinhos para propor projetos e adaptações. “Não se trata de isolacionismo, mas de dialogar, pois as realidades são diferentes, por exemplo, a do Rio Tapajós em relação a outros rios da região”. Já a professora Ediene Pena Ferreira, Pró-Reitora de Cultura, Comunidade e Extensão da UFOPA, fez menção ao título do encontro que destaca Território e Resistência. Para ela só é possível resistir quando sabemos quem somos, “o território não é meu, é nosso e, portanto é preciso reconhecer o amazonida para que quando chegarem os de fora para a COP não vão nos dizer o que e como fazer”. A professora da UFOPA aproveitou para destacar os muitos trabalhos e pesquisas que vem desenvolvidos na região.
Suzy Cristina Pedroza da Silva, professora do Centro de Educação a Distância da UFAM e doutora em Geociências pela Universidade de Brasilia (UnB) também destacou o trabalho dos acadêmicos e pesquisadores da região como o grupo de pesquisa e extensão da qual ela faz parte há 21 anos. “Formamos um grande núcleo de pesquisa com a inserção de novas tecnologias sociais nas comunidades, mas são elas, comunidades, que decidem o que querem”.
A segunda plenária Petróleo e Justiça Climática já abordou diretamente temas sensíveis à região com a participação de representantes brasileiros e do continente. A colombiana Nathalie Rengifo, da Plataforma Latinoamericana e do Caribe pela Justiça Climática e coordenadora da campanha de justiça climática da organização Corporate Accountability para a América Latina, parabenizou os povos originários por suas lutas ancestrais e por ensinar a todo o mundo que as lutas devem ser construídas coletivamente para um futuro que contemple a todos. Nathalie também ressaltou que para os problemas do desmatamento associado às mudanças climáticas e o consequente aumento da temperatura não estão sendo suficientes para um diálogo profícuo, mas para atender interesses de grandes corporações e que nada garante que as vozes da população local será ouvida na COP 30 em Belém. “Basta ver que os lobistas dos combustíveis fósseis tinham uma representação superior a delegação brasileira, uma das maiores entre os países, na COP do ano passado no Egito”.
Para deixar claro que as empresas transacionais não estão para brincadeira, Jayro Salazar, um dos coordenadores da União dos Afetados e Afetadas pela petroleira Chevron-Texaco no Equador (UDAPT) relatou sobre os problemas socioambientais causados pela extração de petróleo. “Lutamos há mais de 30 anos para se fazer justiça quando já demonstramos que as pessoas ficaram doentes e ficamos sem água limpa”. E pior, os problemas não só persistem como são registrados pelo menos quatro derramamentos de óleo por mês. O que serviu de alerta para uma situação que poderá ocorrer no Brasil caso a exploração de petróleo na Amazônia seja aprovada.
Sergio Leitão do Instituto Escolhas chamou à atenção exatamente para a discussão sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a dificuldade em se contrapor aos anúncios de grandes investimentos como solução econômica. “A expectativa de renda do petróleo é grande e muito forte como atrativo”, Leitão então deixou para reflexão dos presentes: “como responder a isso?”. Citando exemplos do trabalho do Instituto Escolhas no Maranhão e no Pará, ele acredita que uma das maneiras de enfrentar esse desafio é gerar emprego e renda a partir das riquezas das florestas que as mantenham em pé.
Um importante caminho apontado por outra participante dessa plenária, Patricia Kalil, do projeto ÁrvoreÁgua que faz há 10 anos em parceria com o artista Tom B é uma das organizadoras do evento é o de levar conhecimento para todos. Patrícia aproveitou o encontro para fazer o lançamento oficial do Glossário Justiça Climática em três línguas (português, espanhol e inglês) que “traduz” os principais termos que são utilizados nas discussões nacionais e internacionais sobre o tema das mudanças climáticas (acesse: https://bit.ly/GlossárioJustiçaClimática).
A jornalista citou frase do líder indígena Ailton Krenak ao afirmar que é mais cômodo pensar que o mundo vai acabar, pois assim fica mais fácil se acomodar já que não existe solução. “Isso me motivou a criar o glossário e ir à luta”, afirma Kalil. Fartamente ilustrado, o Glossário contribui para colocar de maneira simples temas como mercado de carbono, combustíveis fósseis e aquecimento global, entre outros e questionar as falsas soluções apontadas pelo autodenominado “mundo desenvolvido”.
A vez e a voz dos povos originários e tradicionais
A luta por visibilidade e voz ativa nas discussões que envolvem a Amazônia Brasileira, assim como para denúncias que comprometem o futuro das populações da região foram o tema da terceira plenária Territórios e Resistências.
Vandria Borari, liderança da Associação Kuximawara de artistas e artesãs indígenas de Alter do Chão (distrito de Santarém-PA) e que já esteve nas Nações Unidas em Genebra para levar a voz do Tapajós para o mundo, afirmou que os povos originários não devem ser apenas consultados, mas eles precisam ter direito de dizer não e questionou anunciados projetos de compensação como sendo paliativos e pouco efetivos. “Será que as compensações de que se fala vão recuperar algum rio¿”, pergunta Vandria, destacando que grandes empresas vêm causando problemas em todos os países da região, com remediações muito aquém dos danos socioambientais que foram causados. “Nosso território, nossas vidas estão sendo negociadas em acordos internacionais”, conclui a representante da etnia Borari.
Referendando a fala de Vandria, o bacharel em direito Abimael Munduruku, do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA) afirmou que tem acompanhado inúmeras questões que são discutidas “para nós e não por nós, precisamos ter voz nesse debate”. Abimael relatou que muitas vezes preferem pagar indenizações do que reconhecer a real dimensão dos povos. Segundo ele, o que prevalece é o desconhecimento, “povos indígenas não são o físico apenas, mas o mais importante é o lado invisível e espiritual”.
Raquel Tupinambá, Presidente do Conselho Indígena Tupinambá (CITUPI), chamou a atenção para a destruição de seus territórios por madeireiros, pela soja e por estradas e rodovias que cortam e sangram ocupações dos povos originários, entre as principais agressões. “Sabemos que desde a chegada dos colonizadores os projetos de ocupação da Amazônia ocorreram da pior maneira possível”. Para Raquel já passou da hora de se entender o papel desempenhado pelos povos indígenas que tem uma relação harmoniosa com a natureza e contribuem fortemente com o combate ao aquecimento global. “A crise climática afeta todo mundo e nós cumprimos um papel importante e precisamos ser reconhecidos por isso”.
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