Os temas com que se ocupa são os que deveriam aparecer, mas nunca aparecem nas capas dos jornais: a crítica à destruição do clima, ao neoliberalismo e à globalização, disse Noam Chomsky cinco anos atrás, no Global Media Forum da Deutsche Welle.
Aos 90 anos, completados na sexta-feira 7, o intelectual norte-americano continua a lutar por mudanças e pode olhar em retrospecto para três áreas que ajudou significativamente a moldar desde meados do século XX até os dias de hoje – como linguista, filósofo e ativista político de esquerda.
Avram Noam Chomsky nasceu em 1928 na Filadélfia, numa família de imigrantes judeus. Seu pai era da Ucrânia e fugiu para os Estados Unidos. A mãe vinha de Belarus. Comprometida com o sionismo de esquerda, a família vivia numa espécie de gueto judeu.
Aos dez anos de idade, Chomsky escreveu um primeiro artigo sobre a ameaça do fascismo.
Na adolescência, começou a se identificar com a política anarquista.
Ele estudou Linguística, Matemática e Filosofia, fazendo mestrado em 1951 na área de linguística. As principais teses de seu doutorado Análise Transformacional resultaram mais tarde num livro que revolucionaria a linguística: sua monografia inovadora Estruturas Sintáticas, publicada em 1957.
Com esse livro, Chomsky definiu seu próprio tema de vida científico: as origens e os limites das habilidades cognitivas humanas. Sua pergunta inicial parece simples: como uma criança pode aprender a falar em tão pouco tempo, formar frases gramaticalmente corretas em sua língua materna depois de alguns anos, talvez até mesmo em outra língua? Em sua pesquisa, ele chegou à conclusão de que o aprendizado da linguagem é uma competência inata.
Não é a imitação do que a criança escuta em seu entorno que a transforma num ser falante. De acordo com sua tese central, há uma estrutura geneticamente impressa no cérebro humano que lhe permite perceber as coisas do mundo, pensar sobre elas – e formar um número infinito de sentenças com um número finito de regras.
Gramática universal revolucionária
Guiada pelo pensamento matemático, a sua doutrina de que as estruturas básicas de todas as línguas são iguais e que a linguagem humana segue regras complexas e lógicas – uma “gramática universal” – não influenciou somente a linguística.
Ela também implicou uma tomada de posição dentro de uma disputa filosófica que remontava ao início do Iluminismo. No início do século XVII, René Descartes argumentou que a capacidade de pensar em conceitos seria inata. Chomsky catapultou esse “racionalismo cartesiano” para o século XX.
A sua teoria não permaneceu sem discordância – cientistas da comunicação do século XXI, por exemplo, não aceitam mais a sua distinção fundamental entre humanos e animais, já que atualmente habilidades cognitivas também são atribuídas aos animais.
Em 1961, Chomsky se tornou professor titular da universidade de excelência Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, Massachusetts. Como linguista, ele permaneceu ligado ao MIT mesmo depois de sua aposentadoria, e, desde os anos 1960, vem atuando em todo o mundo como professor visitante.
Ele é autor de mais de 100 livros e recebeu dezenas de prêmios e títulos de doutor honoris causa. Desde 2017, Chomsky leciona na Universidade do Arizona, uma instituição um tanto modesta, mas linguisticamente renomada, em Tucson.
Ativismo político
Na percepção da opinião pública internacional, no entanto, as suas conquistas na área da filosofia da linguagem ficaram cada vez mais atrás de seu ativismo político de esquerda. Desde os anos 1960, quando protestou contra a Guerra do Vietnã, Chomsky passou a ser nos EUA algo como a consciência esquerdista de uma contra-opinião pública. Mundialmente, ele se tornou conhecido como um crítico incansável dos governos dos EUA, da globalização e do capitalismo.
“Para uma minoria privilegiada ocidental, a democracia proporciona o tempo disponível, as habilidades e a instrução que lhe permite procurar a verdade que está escondida atrás da máscara da distorção e da falsidade, da ideologia e do interesse de classes. É responsabilidade dos intelectuais dizer a verdade e revelar mentiras.”
Essa citação de Chomsky, de 1966, permaneceu válida para ele por décadas. Depois de 11 de setembro de 2001, quando ele condenou os ataques terroristas nos EUA, mas em seu livro 11 de setembro os classificou como uma consequência lógica do imperialismo americano e resposta inevitável à exploração e opressão do Terceiro Mundo, Chomsky se tornou uma figura de referência para a esquerda mundial.
Sua crítica à política externa e econômica dos EUA fez dele o patrono do movimento Occupy. Ele também se mostra crítico perante Israel e sua política de assentamentos, especialmente diante do isolamento da Faixa de Gaza. Como muitos intelectuais americanos de origem judaica, Chomsky apoia o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), uma campanha global de boicote a Israel.
A luta continua
Em seu último livro, Global Discontents, lançado em 2017, Chomsky reúne entrevistas realizadas entre 2013 e 2016 por um interlocutor seu de longa data, o jornalista e escritor David Barsamian. Nessa obra, Chomsky argumenta a favor de mudanças radicais de um sistema que não atende aos desafios do futuro.
Em 2018, ele se ocupou detalhadamente com o – em sua opinião – aumento da ameaça de uma guerra nuclear por meio da política do presidente americano, Donald Trump.
“Faltam dois minutos para a meia-noite”, resume Chomsky, em alusão ao Relógio do Apocalipse, no qual a meia-noite representa a destruição da humanidade por uma guerra nuclear.
Também em seu livro mais recente, publicado em alemão, Kampf oder Untergang! (“Luta ou derrota”, em tradução livre), o ex-professor do MIT adverte repetidamente que a humanidade está na fase mais ameaçadora de sua história.
Mesmo assim, ele continua confiante, pois há somente duas possibilidades de escolha: “Nós podemos ser pessimistas e desistir, aumentando a probabilidade de que o pior venha a acontecer ou podemos ser otimistas e aproveitar todas as oportunidades disponíveis para ajudar o mundo a se tornar um lugar melhor.” Chomsky já fez a sua escolha. (#Deutsche Welle/#Carta)