por Revista Eco 21 –
A Cúpula da Amazônia realizada em Belém nos dias 8 e 9 de agosto, foi precedida por uma série de eventos da sociedade civil nos Diálogos Amazônicos no total de 405. O encontro é visto como uma espécie de ensaio para a COP-30, que o Brasil sediará em 2025, também em Belém.
O que é a Cúpula?
Esta reunião de líderes busca fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que tem sido relegada nos últimos anos. O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) foi assinado em 1978, mas nunca teve um papel operacional claro. A reunião deve servir para retomar o diálogo regional, fortalecer os laços entre os órgãos governamentais dos países e definir uma agenda para o desenvolvimento sustentável na região.
Os presidentes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela foram convocados, e quase todos estão confirmados. Uma exceção é o Equador, que está passando por uma temporada eleitoral agitada, incluindo um referendo para proibir a extração de combustíveis fósseis do Parque Yasuní, na Amazônia, que tem chances de ser aprovado no dia 20. O país enviará um ministro, assim como o Suriname.
Além dos chefes de Estado dos países amazônicos, representantes da Indonésia, da República Democrática do Congo (RDC) e do Congo estarão presentes para uma conversa preparatória para a Cúpula das Três Bacias, em outubro, em Brazzaville, no Congo (o credenciamento está aberto). Lula já declarou que quer ampliar a cooperação entre os países com grandes florestas tropicais, especialmente na questão do financiamento. Uma demanda comum seria levada à COP28, em dezembro – o presidente da Cúpula, Sultan Al Jaber, estará em Belém.
O Plano de Lula
A cúpula foi concebida diretamente pelo presidente Lula como uma demanda para o Itamaraty. Desde que assumiu o cargo em janeiro, Lula mudou substancialmente a política externa com a ajuda de assessores de seu entorno imediato, liderados pelo ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. A agenda de cooperação climática é a mudança mais significativa e reflete uma reviravolta também na política ambiental interna.
A agenda florestal de Lula busca posicioná-lo – e ao Brasil – como um líder climático global. E ele terá pelo menos dois grandes palcos para isso, o G20 no próximo ano e a COP30 em 2025.
Mas esse líder não negocia a agenda climática separadamente da agenda de desenvolvimento, especialmente no caso da redução da pobreza. A última é o elemento mais central de sua campanha eleitoral e de suas duas administrações anteriores no início deste século.
A soma das agendas climática e de combate à pobreza apontam uma agenda econômica verde, que o ministro da economia, Fernando Haddad, prometeu apresentar este mês e pode ter alguns de seus detalhes adiantados durante a Cúpula. O plano terá cerca de 100 ações, incluindo a criação de um mercado de carbono regulamentado com metas setoriais e o incentivo aos setores verdes. Parte dessa agenda deverá ser aprovada por meio de decretos ou alterações regulatórias em mecanismos existentes, enquanto outra parte dependerá do Congresso.
Atualmente, os estados amazônicos estão entre os mais pobres do Brasil. O baixo nível de desenvolvimento humano se repete na Amazônia das outras nações da região. E a Colômbia vive uma das situações mais graves de conflito aliado à pobreza nas florestas.
No Brasil, já existe um instrumento importante para a diplomacia florestal: o Fundo Amazônia, que foi paralisado no último governo. Ele é administrado pelo BNDES e até 20% de seus recursos podem ser usados para financiar projetos florestais em outros países amazônicos.
Apesar da ambiciosa política climática de Lula, uma contradição não escapa ao escrutínio dos ambientalistas: a insistência em uma nova frente de extração de gás fóssil na Amazônia para a Petrobras, cuja licença já foi negada pelo IBAMA devido às avaliações de impacto ambiental deficientes e à sensibilidade ecológica da área.
Embora a sociedade civil e os cientistas estejam pedindo que a Cúpula apresente uma decisão ambiciosa contra a energia suja em favor da resiliência das florestas, os observadores familiarizados com o texto que está sendo negociado dizem que a declaração foi projetada para não abordar a questão.
Portanto, prepare-se para ouvir argumentos sobre como o dinheiro do setor fóssil seria essencial para uma transição econômica justa nos países em desenvolvimento – Al Jaber certamente está ensaiando essas palavras.
A ideia de que os combustíveis fósseis podem financiar a solução para os problemas que eles mesmos criaram e continuam a exacerbar não é sensata, mas ganha força porque falta dinheiro para promover uma economia de baixo carbono. A culpa é dos países ricos, que enriqueceram por meio do colonialismo e estão se recusando a pagar o que devem pelos danos climáticos, demonstrando também falta de solidariedade com as necessidades de desenvolvimento do resto do mundo e deixando de reformar o multilateralismo de acordo com as condições do século XXI. E esse tem sido o discurso favorito de Lula.
O desmatamento na Amazônia está diminuindo?
Os números anuais de desmatamento da Amazônia recém-divulgados pelo Brasil fornecem evidências de mudanças concretas nas políticas, além de belos discursos em fóruns internacionais. No Brasil, o desmatamento do ano é medido de agosto do ano anterior a julho do ano atual. Mesmo com o legado de meio ano sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, a taxa de desmatamento na Amazônia brasileira caiu 7,4%. Se olharmos apenas para o primeiro semestre de 2023, a queda foi de 34% – somente em junho, a redução foi de 41%, o menor nível desde 2018.
O monitoramento do desmatamento na Amazônia brasileira é robusto e está começando a ser estendido aos outros ecossistemas do país, todos mega biodiversos. Essa não é a realidade em toda a Pan-Amazônia, e espera-se que a declaração de Belém envolva mais cooperação técnico-científica nesse campo. Outro tema que estará no texto final é a segurança, já que a destruição da floresta está intimamente ligada ao crime organizado transfronteiriço.
As ameaças à Amazônia não se referem apenas ao combate ao desmatamento ou ao crime. Mesmo com a melhora da perda florestal, os incêndios estão maiores este ano do que em 2022, principalmente devido aos efeitos do El Niño, que começou a entrar em ação junto com a estação seca. Em um mundo mais quente, os incêndios se fortalecerão a cada ano na região, juntamente com a degradação interna da floresta, a perda de árvores de grande porte e a sobrevivência exclusiva de espécies mais bem adaptadas ao fogo e à secura – um ambiente semelhante a uma savana pobre em vida.
O que a sociedade civil está pedindo?
Independentemente da resposta dos governos, o encontro da sociedade civil de todos os países amazônicos já está produzindo um resultado concreto. A criação de um Grupo de Trabalho de organizações indígenas nacionais e regionais dos 9 países (Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana Francesa, Guiana, Suriname e Bolívia) para influenciar os processos internacionais desde a Cúpula desta semana até a COP-30, em 2025. A iniciativa é da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA).
As organizações da sociedade civil pan-amazônica estão solicitando principalmente que a Cúpula da crie um entendimento para evitar o ponto de colapso da floresta e para uma eliminação global dos combustíveis fósseis. De acordo com as organizações, isso deve começar na própria Amazônia, que tem sido muito afetada por derramamentos e poluição atmosférica da indústria petrolífera.
O presidente colombiano Gustavo Petro está pronto para o pacote completo – o fim do desmatamento e dos projetos fósseis. Lula está indo apenas até o capítulo do desmatamento, insistindo no polêmico projeto da gigante estatal Petrobras na própria foz do rio Amazonas, responsável por despejar cerca de 20% de toda a água doce que chega aos oceanos. Com relação aos outros países, até mesmo um acordo para eliminar gradualmente o desmatamento nesta década é incerto.
Outra demanda da sociedade civil para a cúpula é o reconhecimento dos territórios indígenas e de outras populações tradicionais, áreas que comprovadamente representam uma barreira ao desmatamento. O cacique Raoni Metuktire, do povo Caiapó, realizou uma reunião de cúpula em julho com representantes indígenas da Amazônia, exigindo que o Brasil tome uma decisão definitiva sobre o Marco Temporal, tese que tenta restringir o reconhecimento de terras indígenas a 1988, quando foi promulgada a atual Constituição.
Um estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) estima que a adoção da tese poderia causar o desmatamento de 230 mil km² a 550 mil km² de áreas nativas na Amazônia Legal, no Brasil. Isso levaria à emissão de até 18,7 bilhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono) – o que equivale atualmente a 14 anos de emissões brasileiras. A análise considerou 385 terras indígenas cuja homologação foi assinada após a Constituição de 1988.
No Brasil, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o fortalecimento do órgão que demarca os territórios dos povos originários – a FUNAI – oferecem alguma resposta após quatro anos de uma política declaradamente anti-indígena. Entretanto, a situação dos direitos indígenas varia consideravelmente entre os países amazônicos.
Um ponto crítico para os povos tradicionais é o mercado de carbono, que se tornou um elemento de assédio e fraudes contra as comunidades indígenas e outras comunidades da floresta. O manifesto do cacique Raoni também pede o cancelamento das negociações sobre mercados voluntários de carbono até que os povos indígenas sejam treinados sobre o que é isso e os impactos em seus territórios.
A Assembleia dos Povos da Amazônia, realizada em julho com organizações de 9 países, apresentou 7 questões críticas para evitar o ponto de não retorno na Amazônia, esperando influenciar compromissos nos seguintes tópicos:
1) Evitando o ponto de não retorno da Amazônia
2) O destino da Amazônia é o destino de seus povos
3) Salvando a Amazônia da mineração e do mercúrio
4) Água para a vida na Amazônia
5) Financiamento direto, transparente e participativo e não mercantilizar a Amazônia
6) Em defesa dos corpos e territórios das mulheres andino-amazônicas em sua diversidade
7) Fim das explorações de combustíveis fósseis na Amazônia
O que os governos querem entregar?
O texto da Cúpula Amazônica foi originalmente concebido a partir de consultas prévias realizadas nos primeiros meses deste ano e já passou por negociações em Letícia e Brasília em julho. Pessoas familiarizadas com o texto atual dizem que é improvável que ele aborde a questão dos combustíveis fósseis. Mas é possível que algo seja dito sobre “o impacto de grandes projetos” e a necessidade de consulta prévia e informada às populações na linha de impacto.
Mesmo assim, as demandas da sociedade civil, amplamente discutidas em 405 eventos pré-cúpula, estão previstas para serem incorporadas ao texto de Belém de alguma forma. No dia 2, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil realizou uma coletiva de imprensa na qual afirmou que essas demandas dos Diálogos Amazônicos seriam organizadas em eixos temáticos para serem entregues aos líderes da Cúpula.
A maioria das conversas mantidas pelas autoridades brasileiras que participaram da pré-cúpula dos Diálogos Amazônicos foi sobre dinheiro. A preocupação predominante são os altos níveis de pobreza extrema e o baixo desenvolvimento humano geral da Amazônia. Foram discutidos acordos especiais para o turismo e a agricultura sustentáveis e um maior nível de financiamento dos países ricos para a região. Não está claro como esse debate se refletirá na declaração final de Belém.
Com base no relato de quem viu as versões preliminares do texto em negociação, espera-se um conteúdo mais centrado na cooperação contra o crime internacional e na proteção de fronteiras; no controle integrado de tráfego aéreo; e em projetos ou até mesmo em um novo acordo financeiro para expandir o trabalho de monitoramento realizado pela OTCA. Uma meta comum de desmatamento até 2030 dará ao evento um sabor de sucesso, mas não está garantida.
(Envolverde)