ODS17

Por que é tão difícil agir pelo futuro do planeta (ou manter o regime)? E algumas soluções para isso.

por Juliana Zellauy Feres, especial para Envolverde –

Ao longo da minha carreira sempre questionei por que as pessoas tem tanta dificuldade em tratar as questões de sustentabilidade. Por que é tão difícil compreenderem a urgência das questões socioambientais e agirem para corrigi-las? Mais recentemente, estudando neurociência, finalmente tive um vislumbre de como funciona o nosso cérebro e, afinal de contas, o porquê isto é tão difícil. Neste artigo te convido a conhecer alguns destes insights.

Primeiro, descobri que não se trata de uma causa única, mas de basicamente três questões distintas relacionadas à forma como o nosso cérebro opera. Vamos à elas:

Questão 1 – O nosso cérebro é equipado com um gatilho – a amígdala – que (grosso modo) aciona a nossa reação de lutar ou fugir. Quando existe uma ameaça imediata, somos inundados por hormônios como o cortisol e a adrenalina que nos preparam para bater ou correr. Só que isso não acontece com perigos distantes no espaço ou no tempo. E esta forma de atuação do cérebro se reflete em nossa vida não apenas em questões cotidianas, como furar o regime mesmo tendo diabetes ou gastar todo o dinheiro da conta sem considerar o mês seguinte, mas também para questões socioambientais complexas. Assim, nosso sistema mental simplesmente não tem a mesma reação imediata quando encara problemas teoricamente distantes como as mudanças climáticas, a redução da biodiversidade ou a escassez de água, a não ser que estes sejam perigos vividos agora, como no caso da falta de água enfrentada pelo estado de São Paulo entre 2014 e 2016.

Questão 2 – A forma como o nosso cérebro evoluiu até o momento não atua, de maneira geral, favorecendo um olhar sistêmico. Via de regra é muito raro encontrar um ser humano capaz de ter uma visão panorâmica do contexto e que percebe as interações existentes dentro dos sistemas. Isso não quer dizer, é claro, que não existam pessoas com esta habilidade. Mas infelizmente são raras. É como um bom jogador de xadrez: ele vê mais do que o posicionamento das peças, mas como elas podem se relacionar, identificando cenários possíveis em relação a cada movimento para então determinar a melhor jogada. Só que isso em uma escala muito maior: por exemplo, como as mudanças climáticas podem afetar a medicina, a agricultura, a economia, as imigrações, a biodiversidade, o setor energético e até mesmo as relações políticas? Mais do que isso: como estes sistemas afetam uns aos outros?

Questão 3 – Existe mais um agravante que torna difícil para a maioria de nós lidar com estes desafios planetários: focar sempre no que está errado ativa nosso circuito de emoções aflitivas, sendo que, de acordo com Daniel Goleman, “as emoções dirigem a nossa atenção e a atenção foge do que é desagradável”. Por isso saber de tudo o que não se pode comer ao fazer dieta ou ouvir que o planeta está em colapso, não vai motivar ninguém à tomar uma atitude, pelo contrário, levará a grande maioria de nós à desmotivação e à inação. O que era uma tática muito comum no início do movimento ambientalista, logo demonstrou ser um grande fracasso. Claro, para algumas pessoas funciona este discurso, mas a maioria de nós prefere atuar onde sabe que pode causar um impacto positivo, apostando e investindo no que efetivamente tem chance de dar certo.

Então somos assim e pronto? Não podemos fazer nada à respeito? Na verdade podemos sim. Graças à nossa engenhosidade humana somos também programados para solucionar problemas e eis aqui algumas possíveis soluções para estes desafios:

Solução 1 – Uma das soluções para a nossa falta de visão em relação à problemas futuros passa pelo uso da tecnologia, como algumas que já existem. Ferramentas de big data e inteligência artificial nos permitem lidar com um grande volume de dados e informações e processá-las de forma coerente sem serem distorcidas pelas emoções humanas. Esse seria o papel por exemplo de um coordenador de Big Data para o desenvolvimento sustentável (detalhes sobre a sua função no artigo 10 profissões do futuro). Neste sentido, a tecnologia torna mais palpável a problemática mostrando os possíveis efeitos das ações humanas do presente. Mas é claro que a tecnologia não faz sentido sem o homem por trás. E está aí o nosso papel de curadores da informação: saber definir o que importa, descartar o que não e contextualizar os dados sabendo o porquê e quais perguntas devem ser respondidas.

Solução 2 – A alfabetização em sistemas não só é possível como necessária para reverter nossa dificuldade em perceber o todo. De acordo com Richard Davidson “você precisa manter a atenção flexível para conseguir expandir e contrair o foco, como uma lente de zoom, a fim de enxergar os elementos grandes e pequenos”. Mas existe um truque aqui. Sempre existirá um limite para o que um ser humano pode detectar porque ele vê a realidade à partir de um ponto: o seu ponto de vista. Assim, alfabetizar a sociedade para a visão sistêmica não significa criar “gênios”, mas significa desenvolver pessoas que, além de terem uma visão sistêmica, desenvolvam inteligência social para agir em conjunto: cada um detectando um ponto de vista e contribuindo com o todo para que toda a sociedade compreenda a realidade de uma forma mais precisa.

Solução 3 – Finalmente, para a nossa tendência de não querer encarar coisas negativas, também existe uma solução baseada em neurociência: manter uma visão positiva, mesmo nas dificuldades, é essencial para encontrar soluções criativas e gerar resultados positivos. Desde o seu nascimento, o movimento ambientalista aprendeu muito com isso. Partimos de um discurso “coisas que você tem que deixar de fazer se não o mundo explode” para “coisas que você pode fazer que vão melhorar a sua qualidade de vida”. Nesta linha, você conhece o movimento Minimalista? Não se trata de abrir mão de “coisas”, mas ter menos coisas para ter mais liberdade. É um movimento onde pessoas e experiências são mais importantes do que objetos. No artigo 10 vídeos de Sustentabilidade eu falo sobre alguns documentários indispensáveis que mostram bem esta nova visão, tais como o Minimalism (2016), Crossroads (2013), Real Value (2013) e o imperdível francês Amanhã (2015), todos disponíveis em português.

E como manter o regime? Ah, esse se você descobrir, você me fala. 😉

Bem, ninguém tem toda a verdade. Este é apenas um ponto de vista baseado nas minhas experiências e no que eu tenho estudado até aqui. Eu adoraria saber a sua visão à respeito. Afinal, ninguém é mais inteligente, mais forte, mais resiliente ou mais hábil do que todos nós juntos.

Créditos da imagem de destaque : Photo by Slava Bowman on Unsplash

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