ODS3

Ministério da Saúde nega acesso a medicamento para MPS

  • Pacientes com o tipo VII serão os únicos afetados por este grupo de doenças que não terão acesso ao tratamento terapêutico pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo análise inicial da pasta
  • Doença rara e incapacitante, a mucopolissacaridose afeta a locomoção, causa deformidades esqueléticas, dor crônica, entre outras consequências
  • Consulta pública está aberta até 11 de março para participação da sociedade

São Paulo, março de 2020 – O Ministério da Saúde, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), recomendou, em seu relatório preliminar, a não incorporação do único medicamento para a mucopolissacaridose do tipo VII (MPS VII). Porém, até o dia 11 de março, toda a sociedade poderá contribuir com o tema por meio da Consulta Pública N°3. Para participar e opinar sobre o oferecimento da medicação na rede pública de saúde, pacientes, familiares, cuidadores e cidadãos em geral devem acessar o formulário de experiência ou opinião e deixar a sua contribuição, já os médicos podem contribuir por meio do formulário técnico-científico.

Para a Conitec, a recomendação inicial pela não incorporação do alfavestronidase, única terapia de reposição enzimática disponível para esse tipo da doença no mundo para o tratamento de MPS VII em pacientes de todas as idades, se baseou no tempo de mercado e de experiência clínica com o medicamento, considerados incipientes ainda. O órgão também ressaltou o impacto orçamentário da ordem de R$ 3 milhões por paciente por ano[1].

Regina Próspero, presidente do Instituto Vidas Raras, afirma que justamente por ser um medicamento órfão, único para esse tipo da doença, a avaliação deveria ser distinta e considerar o pequeno número de pacientes, o tratamento atual disponível e o benefício real que essa nova terapia poderia trazer para a vida de todos que convivem com a MPS VII. “A Conitec explica, no documento, que o tratamento atual da mucopolissacaridose tipo VII é baseado apenas em terapias de suporte e tratamentos sintomáticos, como cirurgias (reparo da hérnia, prótese de quadril e fusão cervical), antibióticos e fisioterapia. Se temos como dar acesso a um medicamento único que possa diminuir essas necessidades, de algo invasivo, por exemplo, e que realmente melhora a qualidade de vida do paciente – o que impacta também na vida de toda a família – por que negar essa possibilidade? Pacientes com outros tipos de MPS, já contam com as terapias similares no SUS. Por que essa discriminação?”, questiona.

No Brasil, no congresso da Sociedade Brasileira de Genética Médica em 2019, foi apresentado um estudo que identificou 22 casos de MPS VII no período de 15 anos. Outra pesquisa revelou que a doença atinge menos de três pessoas em cada dez milhões de nascidos vivos no país. Estima-se que sejam registrados menos de 200 casos de MPS VII em todo o mundo[2]. “São poucos os afetados diretamente por essa doença. No Brasil, atualmente estão identificados em torno de 13 pacientes. Temos que promover uma vida melhor para eles e suas famílias. Essa terapia de reposição enzimática é um dos caminhos,” explica Regina. “Precisamos contar com a participação de todos na consulta pública”.

Para o geneticista e pesquisador Roberto Giugliani, professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde e Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, os estudos clínicos comprovam que o medicamento é eficiente e seguro, apesar de bastante novo. “Somente cerca de 5% de doenças raras ou ultrarraras, como é o caso da MPS VII, possuem alguma terapia medicamentosa apropriada. A comunidade científica já reconhece que a terapia de reposição enzimática modificou substancialmente o tratamento das mucopolissacaridoses dos tipos I, II, IV e VI na última década. No caso da MPS VII, além de termos experiência longa com outros tipos da doença, os estudos clínicos específicos mostram como o medicamento age e pode melhorar a vida desses pacientes. É um grande ganho para quem convive com a doença e não deveria ser descartado”, completa.

E o relatório preliminar da Conitec já traz os elementos que comprovam o benefício final da terapia aos pacientes, sua eficiência e segurança, segundo Edson Paixão, gerente geral da Ultragenyx, empresa responsável pelo medicamento. “Estamos comprometidos com a comunidade de MPS do Brasil e mantemos diálogo aberto com as autoridades. Os estudos clínicos apresentam resultados significativos para os pacientes, inclusive reconhecidos pela Conitec em seu relatório inicial”, ressalta Paixão. “Entendemos que a Conitec deve prezar também pela sustentabilidade do sistema de saúde e isso se reflete no seu cuidado em relação ao impacto no orçamento global. Vamos esclarecer as dúvidas apresentadas e mostrar que, na realidade, o custo é comparável aos dos demais tratamentos de doenças raras e ultrarraras.”

Saiba mais sobre as mucopolissacaridoses – MPS é o termo utilizado para denominar um grupo de doenças raras e hereditárias que se caracterizam pela falta ou deficiência de enzimas (proteínas que auxiliam as reações químicas que acontecem no organismo), importantes na degradação de determinados tipos de açúcares (os mucopolissacarídeos). O acúmulo destes açúcares leva os pacientes a apresentarem alguns distúrbios no funcionamento de seus órgãos[3].

Na mucopolissacaridose tipo VII (MPS VII), também chamada de síndrome de Sly, falta a substância responsável pela degradação dos mucopolissacarídios (também chamados glicosaminoglicanos, GAGs), o que leva ao seu acúmulo em tecidos e órgãos e causa sintomas como atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual, baixa estatura e dificuldade de locomoção, problemas respiratórios e cardíacos e aumento do fígado e baço. Devido a essas complicações, a expectativa de vida é bastante reduzida: cerca de 42% dos pacientes morrem até os 35 anos, além da baixa sobrevivência dos bebês afetados com as formas mais agressivas da doença, que muitas vezes nem chegam a ser diagnosticados. O tipo VII é transmitido dos pais para filhos, ainda que os pais não manifestem a doença. Estima-se que, no mundo, estejam atualmente registrados menos de 200 casos. Já no Brasil, um estudo apresentado no Congresso da Sociedade Brasileira de Genética Médica em 2019, identificou 22 casos de MPS VII no período de 15 anos. Outra pesquisa revelou que a doença atinge menos de 3 pessoas em cada 10 milhões de nascidos vivos no país. O diagnóstico precoce nem sempre é possível, pois é uma doença progressiva com manifestações iniciais pouco características. A doença pode ser detectada inicialmente através da análise de glicosaminoglicanos (GAGs) na urina e confirmada através da medida da atividade da enzima beta-glicuronidase no sangue, ou por meio de sequenciamento do gene causador do problema[4].