por Susanna Nazar, para o Jornal da USP –
Arte: Carolina Borin Garcia
Especialistas falam da queda na taxa, de acordo com os dados divulgados pelo IBGE, mas dizem que erradicação do analfabetismo até 2024, como pretendia o Plano Nacional de Educação, é improvável
Não conseguir ler nem mesmo o título desta reportagem é a realidade de quase 10 milhões de brasileiros. Apesar da queda na taxa de analfabetismo no País em 2022, os números ainda são altos, principalmente ao se tratar de idosos, da população do Nordeste e de pretos e pardos. É o que revela os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de junho deste ano. Essa realidade dificulta o cumprimento da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de erradicar o analfabetismo até 2024.
De acordo com os dados, a taxa de analfabetismo caiu de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022, isso corresponde a uma redução de 0,5 ponto porcentual dessa taxa no País, ou seja, cerca de 490 mil analfabetos a menos. O levantamento mostrou também que mais da metade das pessoas que não sabiam ler e escrever tinham 60 anos ou mais e que a taxa de analfabetismo de pretos e pardos é duas vezes maior do que a dos brancos. Ao analisar as regiões do País, o Nordeste tinha a taxa mais alta, de 11,7%, e o Sudeste, a mais baixa, de 2,9%. Os detalhes podem ser conferidos neste link.
Desde 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) possui metas e estratégias para a política educacional que deveriam ser cumpridas até 2024. A Meta 9 diz que o objetivo é elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final do PNE, erradicar o analfabetismo absoluto, que compreende a incapacidade de ler e escrever, e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional, que é a incapacidade de compreender textos simples.
Além disso, conforme os itens estimados, as taxas entre pessoas com 15 anos ou mais deveriam ter caído para 6,5% em 2015, porém, a meta intermediária só foi alcançada em 2017 pelo Brasil.
Atraso multifatorial
Zerar o número de analfabetos no País em menos de um ano é bem improvável, tendo em vista os números persistentes. Para a professora Soraya Maria Romano Pacífico, do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, erradicar o analfabetismo não se trata de uma questão exata, visto fatores históricos e o modo que a alfabetização, letramento, leitura e escrita são concebidos no Brasil.
Em 1947, o então Ministério da Educação e Saúde promoveu a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), sendo a primeira iniciativa governamental para a educação de jovens e adultos com caráter de uma campanha massiva de alfabetização. Segundo Soraya, basta ter uma visão histórica para entender que essa questão não é simples, pois esse marco deveria ter acontecido há muito tempo.
“Estamos no século 21 e ainda temos esse problema. É uma tragédia, uma vergonha para um país em um mundo de tecnologia digital, com tantos avanços científicos e tecnológicos, aceitar que ainda existem pessoas que não sabem ler e escrever. Acreditar que o analfabetismo pode acabar em um ano é impossível”, declara a professora.
Além disso, Soraya pontua que os maiores desafios relacionados ao combate do analfabetismo estão ligados muito mais a questões sociais, políticas e ideológicas do que a questões metodológicas e pedagógicas. “Pensar em alfabetização e letramento não significa pensar somente na aquisição de um código escrito, no sentido restrito de alfabetização, como a aquisição de um alfabeto ou a aprendizagem de um sistema linguístico, mas, sim, garantir que quem esteja aprendendo a ler e escrever realmente possa fazer uso da leitura e da escrita em suas práticas sociais”, explica.
Soraya Maria Romano Pacífico – Foto: Arquivo Pessoal
O professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e especialista em políticas educacionais, acrescenta que a meta do PNE é de que pelo menos 25% das matrículas sejam na Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas só temos 2,5%, ou seja, um décimo da meta. “Alfabetizar é algo que tem que estar ligado com a vida, tem que fazer sentido, por isso é que no PNE tem a meta que os programas de EJA estejam vinculados com a educação profissional”, declara o professor.
Outro tópico ressaltado por Rezende Pinto foi a queda maior na taxa do analfabetismo entre os idosos, apesar de ainda ser um dos grupos que mais sofrem com essa defasagem. Infelizmente, o que explica isso não é uma boa notícia. Segundo o professor, isso ocorre pois os mais velhos vão morrendo e os que ainda não eram idosos e tiveram mais acesso à escolaridade atingem a idade com vantagens. “Isso ajuda a melhorar as estatísticas, mas não porque os programas de alfabetização com os mais velhos estão funcionando, mas simplesmente porque eles morrem”, pontua.
Mudanças necessárias
Uma pessoa analfabeta está sujeita a uma série de preconceitos, desde sua inserção social plena na sociedade até para conseguir um emprego. Conforme o educador e filósofo Paulo Freire, “a alfabetização é mais, muito mais, do que ler e escrever. É a habilidade de ler o mundo”.
Nesse sentido, Soraya aponta que, segundo pesquisas, pelo efeito da ideologia dominante, os sujeitos não alfabetizados se culpabilizam por não terem estudado, por não saberem ler e escrever. “Como se tudo isso não fosse culpa de um sistema que privou as crianças da escola em sua fase escolar adequada”, diz.
Para ela, essa causa deveria ser de todos, partindo do combate ao preconceito com essas pessoas e da luta para que os compromissos com a alfabetização realmente aconteçam, e para quem é professor, para quem está dentro das escolas, lutar para que haja realmente um entendimento do que é ensinar leitura e escrita.
“Ensinar simplesmente por meio de cartilhas, de material didático, a lição com família silábica, isso não vai mudar o cenário da alfabetização no Brasil”.
“Nós realmente precisamos entender que as práticas sociais de leitura e escrita são significativas para nós aqui fora da escola e elas têm que ser também significativas para os sujeitos dentro da escola. É uma mudança de concepção de sujeito, alfabetização, letramento, leitura, escrita e interpretação de texto,” ressalta a professora.Para Rezende Pinto, nós não podemos cair nas armadilhas das campanhas de alfabetização. “Alfabetização não é vacinação, é algo que se dá ao longo da vida e esse ponto é central,” finaliza.
José Marcelino – Foto: Divulgação
(Jornal da USP/Envolverde)