Por Sumon Dey, da IPS –
Daca, Bangladesh, 22/2/2016 – A mudança climática faz com que seja cada vez mais importante do que se pensava até agora melhorar as práticas agrícolas, afirma um estudo realizado em Bangladesh, um dos países com maior risco de sofrer as consequências negativas do aquecimento do planeta. Além disso, as variações climáticas podem significar que a receita popular de diversificar os cultivos não resulte nos benefícios econômicos que lhe são atribuídos.
O novo estudo sobre uma zona costeira do sudoeste do país, onde vivem 14 milhões de pessoas, e que foi um impressionante esforço de aproximadamente 15 cientistas de Bangladesh e Grã-Bretanha, é uma referência para calcular as variáveis demográficas, a pobreza e a disponibilidade de crédito, além da produtividade agrícola, e assim avaliar as perspectivas para as próximas décadas.
Entre suas conclusões mais importantes, destaca-se a situação das pessoas sem terra, cerca de metade da população-alvo do estudo, e estão em melhor situação aquelas com terrenos maiores, porque não terão que enfrentar os investimentos necessários para ajustar suas práticas agrícolas e se beneficiarão do aumento relativo da renda dos trabalhadores.Infelizmente, o modelo também indica que os agricultores ficarão mais pobres se as condições econômicas, especialmente em relação à disponibilidade de empréstimos, não mudarem.
O estudo, dirigido por Atila N. Lázár, da Universidade Southampton, com ajuda de AbdurRazzaqueAkanda, do Instituto de Pesquisa em Agricultura de Bangladesh, em Joydebpur, e mais de uma dezena de outros especialistas, é a última contribuição sobre as consequências da mudança climática.
No começo deste mês, uma pesquisa dos Estados Unidos se concentrou nos impactos ambientais de vários alimentos e concluiu que a ineficiência da carne estava muito exagerada, a menos que se assuma que os consumidores diminuirão de forma drástica o consumo de calorias. Na verdade, uma caloria de alface produz três vezes mais emissões de gases-estufa do que uma caloria de toucinho, segundo Paul Fischbeck, professor de Carnegie Mellon que dirigiu a pesquisa.
O mundo aplaude o acordo alcançado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), bem como o fato de se ter reconhecido que o aquecimento global está exacerbado pela atividade humana, mas ainda resta muito por aprender.Felizmente, existem as ferramentas para gerar o conhecimento que falta.
A pesquisa de Bangladesh se apoiou na base de dados Climwat, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e em seu modelo Cropwat para projetar a produção agrícola. OCropwat, desenvolvido e atualizado durante anos por especialistas da FAO, é um “sistema de apoio à tomada de decisões”, que permite ajustar variáveis para simular o futuro. A Climwat permite calcular os requisitos de água e irrigação de cultivos, possibilitando o planejamento e a realização de cronogramas para uma variedade de climas diferentes.
Ambos são pequenos exemplos de bens públicos globais, produto da comunidade internacional e para uso de todos e todas, e, além disso, não diminuiu seu valor quando mais pessoas usam.O diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, junto com as máximas autoridades do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas, destacou a crescente importância de se colocar os bens públicos globaisà disposição de todos.
Os dois aplicativos, Cropwat e Climwat, podem ser baixados de forma gratuita, embora sejam necessários certos conhecimentos prévios.A pesquisa de Bangladesh chega a algumas conclusões curiosas usando o modelo de forma inovadora, ao agregar fatores sociais vinculados à riqueza, aos preços, aos padrões de migração urbana e ao acesso a empréstimos, além das elevadas temperaturas prognosticadas, a salinização do solo e as maiores concentrações de dióxido de carbono na atmosfera.
Uma das coisas a destacar, que se sabe mas se recorda pouco, é que as maiores concentrações de dióxido de carbono melhorarão a produtividade agrícola em Bangladesh, cerca de 10% em períodos curtos, embora o modelo Cropwat também indique que isso pode ficar neutralizado por uma deficiente qualidade nutricional.Entretanto, isso não deixará os agricultores mais ricos e passarão vários meses por ano com uma baixa ingestão de calorias, que poderão compensar com empregos não agrícolas, empréstimos e gastando suas economias.
Uma das razões é que, embora a produtividade possa aumentar de forma natural, o mesmo também pode ocorrer com a variabilidade, que se traduz em maior risco de carências e na necessidade de empréstimos. As opções disponíveis na região são as da estatal Junta de Desenvolvimento Rural de Bangladesh – em geral para os agricultores, que cobra 11% de juros ao ano –, e a dos particulares – que cobra 120%.
Outra conclusão importante do estudo é que, quando se incluem os custos dos fertilizantes e são consideradas as emissões contaminantes, é preciso mudar o que se precisou aumentar. Por exemplo, as batatas usam quatro vezes mais fertilizantes por peso e por hectare do que o arroz. Então, o modelo “progressista” de cultivo que se arraigou na região, pelo qual os agricultores plantam variedades de alto valor comercial como pimentão, mostarda, tomate e trigo, pode chegar a aumentar a contribuição da agricultura nacional às emissões contaminantes em relação ao tradicional cultivo do arroz.
Além disso, outros cultivos de grande valor, como a manga, que a FAO ajudou a colocar em mercados da Grã-Bretanha, são mais sensíveis às variações de estações. Embora o modelo “progressista” seja uma oportunidade para gerar renda, é menos previsível. Por isso, as famílias mais pobres, que correm maiores riscos, preferem cultivar produtos básicos. Ganham menos, mas também investem menos e têm menor risco.Uma intervenção política que melhore a produtividade parece não apenas justificada, mas também ser uma necessidade.
Quando os pesquisadores fizerem uma simulação nos próximos 60 anos e concluírem que nenhum modelo pode gerar benefícios suficientes para devolver os empréstimos necessários para sobreviver da agricultura, será preciso mais cuidado para desenhar políticas adequadas para garantirmos que a oferta de créditos não sirva apenas para enredar as pessoas em uma espiral de pobreza.
A migração para as cidades obviamente é uma alternativa possível. Mas isso exigirá aumentar a produção em lugar de promover o consumo doméstico autossuficiente. Um dos problemas é que, depois de 2035, de acordo com o modelo, os custos do trabalho agrário também aumentarão, embora não o suficiente para compensar as dificuldades.
Lázár e seus companheiros disseram que seu trabalho integral com base no Cropwat ainda é preliminar, mas suas conclusões já indicam algumas das mudanças surpreendentes que o mundo terá que fazer no contexto da mudança climática e do compromisso com a Agenda de Desenvolvimento Sustentável de erradicar a fome e a pobreza até 2030. Envolverde/IPS