Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 17/3/2016 – Quando a Administração Postal da Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou seis novos selos comemorativos, no contexto da campanha global pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), não esperava o mal-estar que gerou.O descontentamento surgiu principalmente dos 54 membros do grupo africano e da Rússia, uma potência do Conselho de Segurança com poder de veto.
Em nome do grupo africano, o ministro-conselheiro da missão da Tanzânia junto à ONU, Justin Kisoka, fez chegar ao secretário-geral da organização, Ban Ki-moon, sua profunda preocupação pela “alarmante” apresentação, impressão e distribuição de selos dentro da campanha Livres e Iguais.Os novos selos “contradizem os princípios da ONU, bem como a cultura, as normas e as crenças de muitos Estados membros, o que deixa dúvidas sobre o cumprimento das normas e regras que regem o uso do logo e dos recursos” do fórum mundial, argumentou.
Na Comissão de Administração e Orçamento da ONU (também conhecida como Quinta Comissão), Kisoka inclusive reclamou, na segunda semana deste mês, “o fim imediato da campanha” e solicitou a implantação de medidas para determinar responsabilidades, bem como a recuperação dos fundos destinados a financiar a campanha de selos. Também pediu ao secretário-geral detalhes sobre os fundos utilizados para a iniciativa, e também sobre as regras e normas vinculadas ao assunto.
A IPS consultou o porta-voz da ONU, Farhan Haq, a respeito e aresposta foi que todos “conhecem o forte e sustentado apoio do secretário-geral à campanha Livres e Iguais e sua convicção na defesa dos direitos humanos de todas as pessoas. Não tenho mais o que acrescentar sobre o assunto dos selos”.Em apoio ao grupo africano na ONU, Sergey Khalizov, da Rússia, disse que as atividades de Ban Ki-moon “apresentaram questões sérias a numerosas delegações”.
Considerar o uso dos recursos do orçamento regular das Nações Unidas era prerrogativa da Quinta Comissão, afirmouKhalizov, que também questionou a justificativa dos mandatos dos principais órgãos da ONU e disse estar disposto a debater na Comissão sobre diversos assuntos propostos pelo grupo africano. A campanha em defesa dos direitos das pessoas LGBT está a cargo do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, com sede em Genebra.
Boris Dittrich, diretor de campanha do programa de direitos de pessoas LGBTda organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, reafirmou à IPS que os selos são publicados no contexto da campanha Livres e Iguais da ONU. “Refletem os direitos fundamentais, bem como a liberdade de expressão, o direito à privacidade e à não discriminação, que pertencem a cada pessoa, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero”, acrescentou.
Os selos postais refletem o espírito de duas resoluções da ONU, adotadas em 2011 e 2015 pelo Conselho de Direitos Humanos, e denunciam a discriminação e a violência contra as pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero. “Em lugar de atacar a ONU por publicar uma série de selos, o grupo africano e a Rússia deveriam se concentrar em eliminar a discriminação e a violência contra as pessoas LGBT em seus países,” afirmou Dittrich.
Atualmente, há uma lista de 79 países com leis que discriminam a comunidade LGBT, 34 deles na África, incluindo Angola, Botsuana, Quênia, Nigéria, Tanzânia, Uganda e Zimbábue. Sergio Baradat, o artista de origem cubana que desenhou os selos, contou em uma entrevista que tinha grande influência artística das correntes do primeiro quarto do século 20, e explicou que sua produção artística é consequência de seu interesse pela ArtDeco francesa e do fato de ter crescido em Miami, na Flórida.
“Em um dos selos há uma pessoa transgênero”, pontuou Baradat na Rádio ONU, em referência a um dos desenhos que mostra uma pessoa com asas de borboleta e que representa alguém que se converte em quem realmente é, e floresce. “Vivemos em um mundo onde, ainda que as nações (ricas) adotem o casamento igualitário e a igualdade LGBT, ainda temos muito caminho pela frente. Mas estamos dando passos importantes”, destacou.
Segundo o artista, “há países no mundo onde não nos celebram nem nos respeitam, e ainda nos agridem e assassinam. Pensei que seria uma oportunidade maravilhosa usar a arte mediante selos postais como veículo para mudar corações e mentes”. Badarat também destacou que os direitos LGBT são direitos humanos e que todas as pessoas merecem ser tratadas de forma justa e equitativa de acordo com a lei.
A série de selos tem apoio das missões permanentes na ONU de Alemanha, Argentina, Austrália, Chile, El Salvador, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Noruega e Uruguai, da delegação da União Europeia, além do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e da Administração Postal da ONU. Envolverde/IPS