Luanda, Angola, 28/1/2013 – O Brasil fez das grandes obras de infraestrutura um caminho próprio para a expansão internacional de sua economia e de sua influência, com forte incidência no desenvolvimento de países pequenos, mas também com riscos. Em Angola, onde mais sobressai o papel das construtoras brasileiras, existem os riscos econômicos de um país jovem, dependente de exportações petrolíferas e com alta corrupção, em um ambiente sem fronteiras entre interesses públicos e privados.
A Companhia Bioenergética de Angola (Biocom) é um exemplo. Para o projeto, destinado a atender o consumo nacional de açúcar, etanol e eletricidade, que manejará 32 mil hectares de cana, o grupo brasileiro Odebrecht se associou com a Sonangol, estatal petroleira angolana, e com a empresa Damer. A Damer foi criada às vésperas da constituição da Biocom, em 2007, pelo então presidente da Sonangol, Manuel Domingos Vicente, e por dois generais, Manuel Helder Vieira Dias, chefe da Casa Militar da Presidência, e Leopoldino Fragoso, seu principal conselheiro.
Vicente, agora vice-presidente do país, tem com esses dois generais investimentos em diversos setores, do petróleo ao ramo imobiliário. São os exemplos mais visíveis da incubadora de empresários emanada do Estado e da consequente criação de uma “burguesia nacional”. Em Angola quase tudo depende do governo. A terra é propriedade do Estado e qualquer empreendimento começa por uma concessão oficial do terreno ou local. A Sonangol é sócia de inúmeras empresas, onde investe seus elevados ganhos obtidos com petróleo.
Nepotismo e favoritismo são evidentes, mas a sociedade, escassamente organizada, pouco reage. “Inclusive Deus, ao buscar um salvador da humanidade, escolheu seu próprio filho”, diz uma anedota popular a respeito das fortunas de governantes, militares e seus familiares. O jornalista Rafael Marques de Moraes, líder de um grupo anticorrupção, publica denúncias graves no site www.makaangola.org, muitas documentadas, mas até agora sem provocar escândalos demolidores, como ocorreria em outros países.
Nesse terreno movediço se insere a Odebrecht, com relações privilegiadas com o governo por executar obras estratégicas, muito demandadas pela população, nas áreas viária, de eletricidade e de água. Há 28 anos no país, também é uma grande investidora, nos setores mais variados e com lucros milionários, cujo valor não é público. O presidente do Conselho de Administração do conglomerado brasileiro de construção e outros negócios, Emilio Odebrecht, visita Luanda todos os anos para reuniões com José Eduardo dos Santos, presidente angolano desde 1979.
O grupo multiplicou sua visibilidade por operar a rede de supermercados Nosso Super, presente em todas as províncias, o Belas Shopping, joia comercial de Luanda, e participar da reestruturação da capital com reformas de bairros lotados, abertura de avenidas e saneamento básico. Seu peso na construção se multiplica pela disposição de empregar e capacitar mão de obra local. É sua estratégia nos quatro continentes em que opera, mas ganha maior relevância em Angola, onde a escassez de trabalhadores qualificados trava o desenvolvimento, apesar do auge do petróleo.
A Odebrecht é atualmente a maior empregadora privada do país, com cerca de 20 mil funcionários diretos, 93% angolanos. A central hidrelétrica de Capanda, sua primeira obra no país, “foi a escola de uma elite” de técnicos, agora em importantes cargos no governo e em empresas, disse Justino Amaro, o primeiro angolano que chegou a gerente na direção central da Odebrecht Angola.
O agora responsável de Relações Internacionais quase abandonou a empresa, quando chegou à selva de Capanda, onde aceitou trabalhar em 1989, abandonando as comodidades de Luanda e assumindo os perigos da longa guerra civil (1975-2002), que por várias vezes interrompeu a construção e a prolongou por 17 anos. Seu chefe o convenceu a ficar, por causa das possibilidades de subir dentro da empresa. Pôde seguir seus estudos de economia à distância e fazer cursos no Brasil, em uma apoiada dedicação que impulsionou sua carreira.
A capacitação de trabalhadores é essencial nos projetos da Odebrecht, e até meados do ano passado 79 mil angolanos se beneficiaram do processo. Estudantes universitários selecionados recebem treinamento especial, como possíveis dirigentes futuros da empresa. O grupo também oferece formação profissional às populações vizinhas aos seus grandes projetos, preparando jovens para trabalhos em construção, sem necessariamente contratá-los. Para isto, criou o Programa Acreditar, que já formou cerca de três mil trabalhadores em suas três unidades em Angola.
José Simão, de 54 anos, tem sete filhos de seu casamento e mais seis em distantes províncias, onde participou da guerra. “A vida era combater e fazer filhos”, ironizou. Em outubro se formou como pedreiro no Acreditar de Luanda, com três salas de aula, laboratório e biblioteca no Zango, um bairro do Programa de Realojamento de Populações, iniciativa governamental executada pela Odebrecht para reassentar famílias deslocadas pela urbanização ou vulnerabilidade de sua moradia anterior.
Simão já construía casas por conta própria, mas no curso adquiriu novas técnicas. “Em 18 dias se aprende muito, não só sobre a profissão, mas de saúde, meio ambiente e segurança do trabalho”, ressaltou. Agora pede um emprego ao governo. “Servimos por longo tempo ao Estado como combatentes”, acrescentou, coincidindo com seus colegas, dezenas de soldados desmobilizados que o Acreditar acolhe para melhorar sua reinserção profissional.
Essa e outras ações de responsabilidade social, como levar água, escolas, luz e esportes a comunidades pobres, acentuam a imagem de cooperação para o desenvolvimento passada pela atividade construtora. Isto tem especial valor neste país ainda em construção, 37 anos depois de sua independência, e em reconstrução pós-guerra. Contudo, Angola foi, sobretudo, um grande negócio e impulsionou a conversão da Odebrecht em uma das maiores empresas brasileiras e a mais internacionalizada. Uma queixa comum entre angolanos bem informados é o alto custo de suas obras.
Outras construtoras brasileiras, com Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Queiroz Galvão, também aproveitam o grande mercado angolano. Essa ampla presença não é uma operação claramente privada. Seus grandes projetos contam com créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que financia a exportação de insumos e serviços necessários às obras de empresas brasileiras.
Isso contribuiu para colocar Angola, em 2008, como principal importador africano de produtos brasileiros, superando África do Sul e Nigéria, com populações e economias muito maiores. Mas, em 2010, essas compras caíram pela metade, se recuperando um pouco nos anos seguintes. São riscos de operar em uma economia dependente dos altos e baixos do preço do petróleo e com elevados custos de vida e de produção pela bonança energética. Sua moeda tende a sobrevalorizar e isto encarece os produtos nacionais e barateia os importados.
O governo angolano fomenta a produção nacional para substituir as importações, que dominam o mercado interno. A Biocom é parte desse esforço, como a Zona Econômica Especial, onde haverá 73 indústrias a 30 quilômetros de Luanda e cuja infraestrutura inicial foi construída pela Odebrecht. Porém, uma abertura do mercado pode inviabilizar muitos empreendimentos agrícolas e industriais.
Por isso, Angola ignora o livre comércio proposto pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, que integra junto com outros 13 países. O risco é de mudança na política econômica e também do poder, especialmente para projetos vinculados a governantes cujas decisões podem ser questionadas no futuro. Nada parece ameaçar a estabilidade do regime de 33 anos de Santos, mas projetos industriais como o da Biocom são de longuíssimo prazo. Envolverde/IPS