Em Rio Branco (AC), o folclore político e a genialidade de um cronista inventaram que os candidatos derrotados descem o rio numa balsa, sem comida, devorados pelos insetos, até aportarem, dias depois, em Manacapuru (AM), onde ficam sentados à beira d’água escutando o choro do surubim, esperando para subir outra vez o rio e tentar melhor sorte nas eleições seguintes.
Acostumada a “pegar balsa” nos anos 80, quando minha geração se iniciava na política, construí um conceito diferente. É possível “perder ganhando”, quando se consegue avançar nos ideais, e é possível “ganhar perdendo”, quando se abandona os ideais em acordos puramente pragmáticos.
Não vejo problema em embarcar em diversas balsas pelo Brasil adentro, desde que seja possível construir compromissos pelos ideais do desenvolvimento sustentável e pela ampliação da democracia.
Mas notei, nestas eleições, uma atitude agressiva, de intolerância e preconceito, arraigando-se no Brasil. A polarização PT x PSDB se aproxima, em virulência, das corrosivas polarizações bipartidárias anteriores, soterrando o debate sob o ressentimento. Basta ler a troca de desaforos entre “petralhas” e “tucanalhas” (é como uma parte deles chama a outra) na internet.
Uma novidade nada alegre parece surgir: uma “terceira via”, que recusa os partidos e candidatos da polarização. Ela precisa, porém, evitar a mesma intolerância: para uma parcela dos
insurgentes, petistas e peessedebistas são descritos como um mal absoluto e ninguém entre eles é digno de qualquer consideração. E qualquer compromisso passa a ser satanizado, inviabilizando qualquer aproximação.
Mas dá esperança ouvir, de todos os lados, que “do jeito que está não dá mais” e “algo precisa ser feito para mudar”.
Para enfrentar o sectarismo maniqueísta enraizado em nossa política, é preciso uma mudança. Que não ocorrerá nas disputas eleitorais, mas nos intervalos. Precisa, antes, sobrevir no cotidiano político entre os membros dos partidos, lideranças e forças políticas. Não em enunciados de “boas” intenções e vazias de compromisso, mas naquilo que, como disse C. S. Lewis, “se deduz de milhares de conversas, por um princípio revelado em centenas de decisões relativas a assuntos menores”.
Já os viciados no jogo do poder, mal terminada a apuração, contabilizam o “cacife” e fazem apostas para 2014. As cidades, os cidadãos e a cidadania não mais importam, eram meros ícones de propaganda.
Que tal outro exercício: esquadrinhar os programas dos candidatos e os seus compromissos? É possível que em alguns lugares, ganhando ou perdendo, um avanço civilizatório tenha dado mais um passo rumo à sustentabilidade política em nossa democracia. Há lugar para todos nessa balsa.
* Marina Silva é ambientalista, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência da República em 2010.
** Publicado originalmente no site Folha de S. Paulo.