Entre as metas estabelecidas pelo estudo estão a necessidade de o Brasil recuperar com urgência cerca de 110 milhões de hectares de área de pasto, que sofrem de grave processo de degradação ambiental, e de aumentar o percentual de investimentos em energias renováveis.
A Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), presidida pelo empresário e ambientalista Israel Klabin, lançou nesta segunda-feira, 17 de novembro, a segunda fase da coletânea de estudos Diretrizes para uma Economia Verde no Brasil. Na ocasião, foram apresentados, pelos próprios idealizadores, os seis cadernos que compõem o projeto, com indicadores para os seguintes temas: Água, Energia, Transportes, Resíduos sólidos, Agricultura e Mercado Financeiro.
A coletânea, que será distribuída para empresas, órgãos do governo e formadores de opinião em geral, apresenta uma radiografia completa dos seis setores da atividade econômica sob o olhar da sustentabilidade, e foi desenvolvida com total autonomia pelos principais especialistas das áreas ao longo de um ano.
Durante o evento, os idealizadores do estudo e mais 18 debatedores ligados ao setor econômico, empresarial e de sustentabilidade discutiram sobre os rumos e o impacto do desenvolvimento nos próximos anos, com a presença da ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e de Israel Klabin.
Neste material, metas quantitativas foram propostas pela primeira vez e podem gerar soluções a médio e longo prazo. Entre as metas estão a necessidade de o Brasil recuperar com urgência cerca de 110 milhões de hectares de área de pasto, que sofrem de grave processo de degradação ambiental, e de aumentar o percentual de investimentos em energias renováveis.
Métricas e indicadores
Segundo Klabin, métricas e indicadores são ferramentas essenciais para o desenvolvimento de políticas públicas e planejamento privado, pois possibilitam enxergar os reais impactos das proposições. “Nossa expectativa é que esses cadernos enriqueçam o debate sobre a sustentabilidade da economia brasileira e, principalmente, sirvam para que governos e empresas construam políticas que contribuam para a transição que tanto almejamos.”
Para a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, os estudos da FBDS podem gerar insumos importantes para o debate que o Brasil terá que fazer urgentemente nos próximos anos. “A discussão de clima não é mais ambiental, é econômica, de desenvolvimento. Como a emissão de carbono vai gerar impacto no mundo?”, indagou a ministra, afirmando que acredita que o debate vai ganhar espaço nos próximos cinco anos.
Cenário preocupante
O cenário atual, com um desenvolvimento pautado no uso de combustíveis fósseis, no consumo de bens descartáveis e na exclusão de parte da população mundial preocupa e pode trazer consequências desastrosas. “Vivemos todos no mesmo planeta e temos que entender os limites que ele nos proporciona. Se nada mudar, novas formas de organização e soberania deverão surgir na esteira de crises cada vez mais graves. Contudo, há esperança de evitarmos os piores cenários previstos por nossos cientistas.
A formulação do conceito de economia verde, os eventos internacionais como a Rio + 20, o desenvolvimento de tecnologias verdes e a decisão de algumas cidades em tomar as rédeas das ações para o enfrentamento de importantes desafios, têm aberto novos horizontes de luta”, avalia Klabin, para quem a questão do desenvolvimento sustentável abrange não apenas o problema da governança, mas o gigantesco problema das cidades “Nas cidades, todos os vetores se congregam”, completou Klabin.
Abaixo, um resumo do estudo:
ENERGIA – O Brasil deve investir cerca de R$ 1,26 trilhão em fontes de energia de 2014 até 2023, de acordo com o estudo “Diretrizes para uma Economia Verde no Brasil”. Segundo o diagnóstico elaborado pelo pesquisador Oswaldo Lucon, assessor da Secretaria de Meio Ambiente para Economia Verde e Mudanças Climáticas de São Paulo, apenas 22% desse total deverão ser aplicados em fontes de energia renováveis, enquanto que os investimentos associados à exploração e produção de petróleo e gás natural representarão aproximadamente 62% dos investimentos esperados, cabendo ao setor elétrico aproximadamente 24%. Para ajudar na chamada “descarbonização” da matriz energética brasileira, o estudo recomenda que as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa atualmente em vigor devem ser revistas, com o aprimoramento dos marcos regulatório, dos mecanismos financeiros e das políticas de inovação. Além desses compromissos com a sustentabilidade, a afluência das populações de menor renda é prioritária para o desenvolvimento verde do país.
Oswaldo Lucón também apontou a necessidade de os edifícios construídos no país serem pensados já com a questão do consumo de energia em mente. “ Decidir construir uma edificação sem ventilação ou iluminação passivas é uma medida difícil de se reverter em anos. Nós podemos e devemos trabalhar para melhorar isso”, afirmou Lucón. Ainda na área de Energia, o professor Roberto Schaeffer fez um alerta. “Se nada for feito, há uma tendência em aumentar e muito o consumo de carvão e de gás no Brasil. O carvão vai entrar com força total e as emissões (de gás de efeito estufa) se multiplicam até 2050”, disse Schaeffer.
AGRICULTURA – O Brasil detém o segundo maior rebanho bovino do mundo com 205 milhões de cabeças. A produção cresce ano a ano, bem como o consumo. Somos um grande exportador — segundo lugar no ranking mundial — e reconhecidos pela qualidade da nossa carne. Mas, o que poucos sabem, é que nada menos que 50% dessa imensa área de pasto estão em processo de degradação ambiental. Se a pecuária ocupa 25% do território nacional, o Brasil precisa recuperar com urgência a metade disso, cerca de 110 milhões de hectares, alerta o estudo da FBDS. O diagnóstico foi elaborado pela pesquisadora Susian Martins, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, que aponta algumas saídas para elevar a qualidade da pecuária, preservando o meio ambiente e aumentando a eficiência. Ela explica que a degradação de pastagens é o processo de perda de vigor, de produtividade e de capacidade de recuperação natural da cobertura vegetal para sustentar os níveis de produção e a qualidade exigida pelos animais. De modo geral, a causa fundamental desse processo é o manejo inadequado e deficiências na conservação. Com o avanço do processo de degradação, a área perde cobertura vegetal e, consequentemente, diminui o teor de matéria orgânica do solo, promovendo a liberação de CO2 para atmosfera. Para Susian, a medida mais prioritária que deve ser adotada é recuperar em 10 anos (até 2023) as áreas de pastagens com baixa produtividade e baixa taxa de lotação. Essa meta representa cerca de 60 milhões de hectares.
O estudo também revela que os produtos orgânicos, até pouco tempo associados a um modismo das nutricionistas, já têm peso considerável na economia brasileira. Os produtos são cultivados por cerca de 100 mil famílias e movimentam cerca de R$ 500 milhões no ano, com taxas de crescimento de 15% a 20% ao ano. De acordo com a pesquisa, este é um dos setores agropecuários com maior potencial de crescimento em se tratando de economia verde, mas para isso o país deve priorizar cerca de 11 metas até 2020. A meta é atingir 1 milhão de propriedades rurais nos próximos cinco anos. A pesquisadora Susian Martins estabeleceu metas para atingir cerca de 20% dos estabelecimentos rurais do país no período até 2020.
RESÍDUOS SÓLIDOS – Nícia Mafra, autora do estudo sobre Resíduos Sólidos, afirmou que conflitos políticos muitas vezes impedem que o lixo seja tratado de forma integrada, como deveria ser pensado. “A solução para a gestão integrada dos resíduos sólidos passa pelos consórcios entre municípios. Mas às vezes um prefeito não quer fazer convênio com o outro, porque são desafetos”, disse. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que a maior crítica que se pode fazer à Política Nacional de Resíduos Sólidos é que ele não dialoga com a realidade dos municípios. Segundo ela, muitos deles têm dificuldade em cumprir a lei sobre o assunto. “Temos estados inteiros que não têm solução para resíduos sólidos, inclusive na capital. No Nordeste, 96% dos municípios não têm solução para resíduos sólidos. Tem prefeitos que me falam: “ou pago os professores ou faço o plano de resíduos sólidos”. Mas mesmo assim há resultados exemplares no Brasil”, disse a ministra. Izabella Teixeira afirmou que nos últimos quatro anos, o Governo Federal investiu R$ 1,2 bilhão em resíduos sólidos.
TRANSPORTES – A autora do estudo sobre Transportes, professora Suzana Kahn, propõe que sejam analisados vários indicadores para analisar a questão da mobilidade urbana e disse que a emissão de gases de efeito estufa é apenas um deles. Na opinião dela, é fundamental haver transparência com a população na hora de adotar novas medidas de transportes, devido ao impacto que elas têm. “Se a sociedade está atenta, ela aceita com mais facilidade as medidas, mesmo que no primeiro momento elas pareçam ruins”, disse Suzana.
ÁGUA – Autor do levantamento sobre Recursos Hídricos, Arisvaldo Mello Jr disse que a Bacia de Jundiaí, em São Paulo, que serviu para embasar o estudo, é uma das mais problemáticas do país. Para Marilene Ramos, professora da Fundação Getúlio Vargas e ex- secretária de Ambiente do estado do Rio, a atual crise hídrica no Sudeste demonstra que algumas lições que poderiam ter sido aprendidas no passado não foram. “Esses problemas só aconteceram agora ou têm se repetido? No Paraíba do Sul, em 2004, vivemos uma crise parecida. Parece que a gente não aprende com isso”, disse Marilene.
FINANÇAS – Autor do estudo sobre Finanças, o professor Celso Lemme afirma que as empresas têm que fazer relatórios de sustentabilidade mais resumidos e objetivos, para atrair a atenção do setor financeiro quando vão buscar recursos para investimentos. “É preciso melhorar a qualidade das informações das empresas. Me dê um relatório de sustentabilidade conciso e eu digo se posso investir”, disse o professor. Na opinião dele, profissionais de finanças e de sustentabilidade precisam dialogar mais e se conhecer melhor.