Segundo a autora e ativista ambiental Naomi Klein, o maior inimigo do aquecimento global é o nosso atual modelo econômico. Todavia, a crise também é uma oportunidade para reparações históricas, união de movimentos sociais e criação de uma economia sustentável
Na semana que antecedeu a massiva manifestação contra a inação dos governos quanto ao aquecimento global e a reunião na ONU sobre mudança climática, ambos em Nova Iorque, foi publicado o livro da ativista Naomi Klein – renomada mundialmente pela luta contra as mudanças climáticas no mundo -, chamado This Changes Everything: Capitalism vs. Climate (Isso Muda Tudo: Capitalismo vs. Clima).
Nesse novo livro, a “verdade inconveniente” – como diria o ex-vice presidente dos EUA Al Gore – sobre o aquecimento global é que a questão não é apenas sobre fixação do preço internacional para as emissões de dióxido de carbono, e sim sobre o capitalismo. Como se os interesses de nosso modelo econômico atual não condissessem com a natureza da Terra. “Se nós não mudarmos radicalmente o curso do clima, [ele] ficará ainda mais quente e as coisas ficarão ainda mais brutais”, sentencia Klein.
Os chamados “negadores climáticos” sabem muito bem que a promoção de mudanças quanto a políticas climáticas resultará, invariavelmente, em modificações no sistema capitalista. “Razão pela qual, provavelmente, eles são ‘negadores’”, argumenta. É difícil imaginar como existem aqueles que, em nome do dinheiro, ainda tapam os olhos e ouvidos para as catastróficas consequências da mudança climática – a qual eles e suas famílias também serão vítimas, mas é o que acontece.
“Não é que não se possa ganhar dinheiro e gerar riqueza em uma economia verde, em uma economia renovável, ou uma economia regenerativa”, pondera Klein. “[Mas] isso não vai gerar o tipo de riqueza que os combustíveis fósseis são capazes. Os combustíveis fósseis realmente criam uma economia super-estratificada, que produz enormes lucros, pois os recursos estão concentrados [em algum lugar]”, explica.
Não é que não se pode gerar riqueza com a energia renovável, mas nunca será o montante de dinheiro gerado pelos combustíveis fósseis por eles serem essencialmente descentralizados. “O ar e o vento, primeiramente, são de graça, e estão por todas as partes”, diz a autora.
O primeiro e mais importante passo para combate às mudanças climáticas seria todos os países finalmente reconhecerem seus papéis no passado pela situação presente e, por fim, assumirem suas responsabilidades pelo futuro do planeta.
A jovem embaixadora da Bolívia na Organização Mundial do Comércio, Angélia Navarro Llanos, foi a primeira a fazer a relação, ao menos publicamente, sobre o capitalismo e a mudança climática. Afinal de contas, as histórias do colonialismo e escravidão estão intimamente ligadas à historia dos combustíveis fósseis, considerando, por exemplo, o carvão, que foi quem modelou o mundo moderno e é um dos maiores “vilões” da atmosfera.
Quando os países europeus tiveram acesso ao motor a vapor, isso acelerou drasticamente a já desigual relação entre Norte e Sul. “E enquanto isso acontecia, nós estávamos jogando dióxido de carbono na atmosfera e a coisa sobre o carbono é que ele não vai embora por umas duas centenas de anos, e isso está aquecendo nosso planeta. Então, um dos legados do capitalismo é o legado da mudança climática”, conclui a ambientalista.
Se os países do Norte reconhecerem suas responsabilidades históricas e responderem de maneira correta ao aquecimento global, isso significaria que os países que criaram a crise, em primeiro lugar, tomariam à frente no corte de emissão de carbono e, além disso, ajudariam os países em desenvolvimento a saírem da pobreza sem repetir os erros e sem utilizar combustíveis fósseis, indo diretamente para o uso de energia limpa.
Por isso, Klein enxerga a luta contra as mudanças climáticas além de uma questão de sobrevivência, como uma enorme oportunidade para reparação de erros passados e injustiças sociais, mas além de tudo, ela criaria uma união entre diversos movimentos por diferentes causas. “A mudança climática conecta os pontos entre muitos assuntos: trabalhista, igualdade de gênero, direitos indígenas, reparações, a decadência de nossas cidades, o desmantelamento da esfera pública, justiça racial, imigração”, afirma Klein. E, para os incrédulos, ela pergunta: “E por que não seria? Essa é a nossa casa”.
* Publicado originalmente no site Revista Fórum.