Viva Mata: Fazer valer o Código Florestal é tarefa de todos

Especialistas destacam despreparo dos estados na implantação do Cadastro Ambiental Rural, mas salientam que municípios apresentam boas ações; colocar em prática instrumentos de incentivo poderia auxiliar na regularização ambiental

O novo Código Florestal, apesar de ter sido aprovado após intensos protestos de ONGs ambientalistas e de ter muitos pontos polêmicos questionados em Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ainda não julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)-, apresenta instrumentos que poderiam auxiliar o país na luta contra a degradação ambiental.

Entre eles, estão o Cadastro Ambiental Rural (CAR), os Planos de Recuperação Ambiental (PRAs) e instrumentos de incentivo à restauração dos ecossistema. Porém, o atraso na regularização de todos eles mostra que o assunto não está entre as prioridades do governo, afirmaram ONGs durante o Seminário de Dois Anos do Código Florestal, realizado durante o Viva a Mata 2014, entre 23 e 25 de maio em São Paulo.

A implantação extremamente deficiente do CAR foi inicialmente abordada em estudos que fazem parte do projeto Inovacar, da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil), lançados no início de maio, analisando em detalhes a situação dos nove estados da Amazônia Legal.

Na quinta–feira (22), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) divulgou outro estudo, avaliando o impacto do CAR na dinâmica de desmatamento no Mato Grosso (MT) e Pará, estados que já tinham há pelo menos cinco anos instrumentos similares ao CAR, antes do novo Código Florestal.

Entre as conclusões está que, nas propriedades com até quatro módulos fiscais (MF), houve uma redução significativa do desmatamento. Porém, para os grandes proprietários, com mais de 15 MF, o efeito não é positivo.

“Quando a pessoa vê que não está sendo monitorada, o poder da política vai diminuindo. O MT tem monitoramento, mas não tem responsabilização. No Pará, falta monitoramento”, ressaltou Andrea Azevedo, pesquisadora sênior no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Os principais resultados do estudo, lições aprendidas e recomendações estão disponíveis na edição nº 3 do Boletim Amazônia em Pauta.

Além da Amazônia

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Durante o seminário “Dois anos do Código Florestal”, no Viva a Mata, Jean-François Timmers, Superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, apresentou o resultado preliminar de uma pesquisa realizada pelo Observatório do Código Florestal (OCF) sobre a situação do CAR nos estados fora da região Amazônia.

O levantamento, feito com base na Lei de Acesso à Informação, (LAI) teve reposta de apenas oito (CE, PE, MG, SP, PR, SC, GO e DF) dos 17 estados procurados. Dentre eles, apenas São Paulo afirma já ter recebido cadastros. Quase todos apresentam baixos índices de capacitação de funcionários para lidar com o sistema, e não há estratégias de cadastramento.

Um ponto extremamente preocupante é a quase total ausência de planos para a validação dos dados a partir do registro no CAR, essencial para que se possa seguir de fato para a recuperação e regularização das propriedades rurais através dos PRAs.

A conclusão da pesquisa é que os estados estão muito longe da implementação do CAR, e mais ainda da regularização dos imóveis.

Uma constatação comum entre os estudos das ONGs é a inação dos estados frente à situação de impasse em Brasília nas questões do Código Florestal, especialmente no que se refere à implantação do CAR que ficou estagnada nos estados enquanto se adiou por dois anos a sua regulamentação, até mesmo naqueles onde já havia movimentação nesse sentido.

“Os estados não estavam usando esses dois anos para se preparar para por em prática logo que a normatização fosse aprovada”, apontou Gabriela Savian, coordenadora de projetos da Conservação Internacional.

Ela completou que a maioria dos estados da Amazônia nem sequer dispõe das imagens aéreas de 2008, marco temporal estabelecido pela lei para a tão criticada anistia aos desmatadores.

Fora da Amazônia, a avaliação OCF constatou que PR, GO e SP têm imagens minimamente adequadas para verificar o passivo ambiental das propriedades. Além do questionário do OCF, avanços específicos de estados do sudeste foram apresentados no seminário.

Roberta Rubim Del Giudice, da BV Rio, comentou que, no estado, estão sendo montadas dez bases de apoio, cada uma com dez técnicos de nível médio e superior. Porém, que apesar de os proprietários já estarem enviando o CAR para o sistema nacional (SICAR), o governo do Rio de Janeiro ainda não recebeu do Ministério do Meio Ambiente o login e senha para acessar os dados.

No caso de São Paulo, Roberto Rezende, da ONG Iniciativa Verde, ressaltou a inoperância do estado nestes dois anos – desde a publicação do Código Florestal.

“O único apoio foi dar computadores para os municípios e muitos deles nem sabem o que é CAR (…) A estratégia é usar o atraso federal para justificar a posição passiva”, criticou.

Rezende comentou que o São Paulo está em processo de aprovação da regulamentação do CAR e do PRA, porém, que as contribuições das ONGs ambientalistas foram praticamente ignoradas (Saiba mais).

Quem parece estar mais avançado é o estado de Espírito Santo, onde 6,5 mil propriedades foram cadastradas e quatro mil já tiveram seus dados verificados, afirmou Alessandro Chacal, assessor do Deputado Cláudio Vereza. O Programa Reflorestar, que conta com remuneração proveniente de 3% da arrecadação do Governo do Estado com royalties de petróleo e gás, tem fornecido recursos financeiros para tal, incentivando a efetividade.

Todos os estudos lançados até agora indicam que dificilmente o prazo de um ano, podendo ser renovado por mais um ano, para inscrição no CAR não poderá ser cumprido com resultados satisfatórios ao redor do país.

“Os estados não estão estruturados para implementar e validar o CAR, nem pra fazer o PRA”, alertou Jean Timmers, da WWF Brasil.

Assim, uma das estratégias das ONGs tem sido a de trazer setores econômicos para apoiar o CAR. Durante os debates no seminário, esteve presente a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE).

O setor de base florestal também marcou presença no evento. Míriam Prochnow, da Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida), comentou sobre o trabalho que a ONG faz junto aos Diálogos Florestais, iniciativa que facilita a interação entre representantes de empresas do setor de base florestal e organizações ambientalistas e movimentos sociais, da qual ela é Secretária Executiva.

“A implantação do Código Florestal foi colocada como prioridade pelas ONGs e empresas dos Diálogos Florestais”, ressaltou, exemplificando que a iniciativa já publicou duas notas defendendo a aplicação da lei e que possui um programa atendendo os fomentados das indústrias visando à adequação das propriedades.

Incentivos

2O caso do ES, onde são usados os royalties do petróleo para financiar a ampliação da cobertura florestal e também a implantação do CAR, mostra que mecanismos de aporte de recursos e vontade política são essenciais para que a regularização ambiental saia do papel.

Em Caxias do Sul, o município gaúcho é que está tomando as rédeas da situação. Através do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, serão realizados o diagnóstico dos remanescentes florestais da zona urbana e das áreas de preservação permanentes rurais, além do auxílio técnico para cadastramento ambiental das propriedades rurais.

Em Santa Catarina, os municípios também estão inovando. Míriam Prochnow, da Apremavi comentou sobre o caso da Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí – AMAVI (reúne 28 municípios), que já vinha averbando Reserva Legal e implantando o antigo Código Florestal em quase duas mil propriedades. Um banco de dados georreferenciados que atende a toda a região do Alto Vale foi construído.

Nestes dois anos desde a aprovação do novo Código Florestal, as atividades diminuíram de intensidade, porém, para dar seguimento, os municípios estão implantando leis para regulamentar o CAR, notou Prochnow. Dez municípios do Alto Vale do Itajaí já aprovaram, faltando 18.

Ela ressalta a importância de se fazer um planejamento integrado e conversar com os vizinhos, fazendo um “grande pacto de cooperação para implantação de CAR”.

Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, lembrou que a Lei Complementar 140, aprovada em 2011 e que dispõe sobre a competência dos entes federados quanto ao licenciamento das atividades e empreendimentos modificadores do meio ambiente os municípios, têm que ser usada.

Em diversos momentos do seminário, se lembrou que o Código Florestal é um pacto da Nação, não apenas do governo federal, e que é sim responsabilidade dos estados e municípios avançarem na regularização ambiental.

Mas, para isso, eles também devem contar com a liderança e o apoio de Brasília. Um instrumento muito citado pelos presentes, que poderia dar o tão necessário apoio financeiro para a efetivação do CAR e dos PRAs, é o Fundo de Restauração do Bioma da Mata Atlântica. Criado pela Lei da Mata Atlântica, em 2006, o fundo ainda não foi regulamentado.

Roberto Cavalcanti, Secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas, presente no Seminário da Mata Atlântica, também no Viva a Mata, se comprometeu em fazer a proposta do fundo avançar na esfera executiva – após o MMA, o texto precisa passar pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda.

Enquanto os recursos financeiros são escassos, a regularidade ambiental começa a ser requisito em alguns setores comerciais.

O gerente de Sustentabilidade da Cargill, Yuri Feres, que representou a Abiove, afirma que a entidade tem uma visão positiva e tem esperança de que o Código Florestal possa ser uma ferramenta importante para que haja uma mudança e para o engajamento em um processo de regularização.

“Do ponto de vista da commodity soja, o desmatamento vem diminuindo”, afirmou. A moratória da soja tem um grande papel nisso. A Abiove fomenta o Programa Soja Plus, que capacita gratuitamente o produtor rural sobre a adequação ao novo código florestal, entre outros.

Andrea Azevedo, do IPAM ressaltou que, “para o mercado, o desmatamento é um dos maiores riscos” e que em muitos casos, para vender o produtor precisa ter o CAR. Portanto, se o sistema funciona bem e é transparente, o próprio mercado controla o desmatamento.

Ela criticou que é preciso parar de deixar pra amanhã a pauta dos incentivos. O IPAM está propondo, junto ao Observatório do Código Florestal, uma lista positiva dos proprietários com mais de quatro módulos rurais, mais de 50% de florestas e que não desmataram depois de 2008.

Participação

Uma coisa é certa, como lembrou Cavalcanti durante o seminário, a pressão da sociedade funciona. Para que o Código Florestal seja implantado em seus pontos positivos, incluindo seus incentivos, e para que seus pontos apontados como inconstitucionais sejam finalmente julgados, a população precisa se envolver.

Mantovani, da SOS Mata Atlântica, defendeu a mobilização e o esclarecimento da sociedade não apenas da importância da legislação ambiental, mas também das artimanhas que os setores interessados na sua inoperância utilizam.

“Esta história da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) de que o código florestal se reduzia a brigas de ambientalistas e ruralistas aniquilou a reação da sociedade. A mesma crise está acontecendo agora entre índios e produtores rurais”.

Assim, ele pediu pela volta das mobilizações: “As entidades acham que não tem mais o que fazer, que já foi aprovado [o Código Florestal]”, incitou ele.

“Temos muito mais o que fazer, pois agora temos a prova desse crime, que se repete na PEC 215, na estrada do colono, na venda de veneno, na questão dos transgênicos… tudo surge do mesmo grupo em momentos diferentes e formas diferentes”, enfatizou Mantovani.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.