A situação dos baixos volumes hídricos dos rios paulistas afetou a Serra da Mantiqueira, reconhecida como um dos grandes complexos na concentração de nascentes e na formação de mananciais que abastecem o Vale do Paraíba paulista. O alerta vem do fotógrafo de natureza e jornalista, Ricardo Martins, que se encontra na região serrana de São Paulo há 30 dias na produção de seu novo livro “Amantikir – A Serra que Chora”.
“Eu estou preocupado sim a com a situação, é bem grave. Locais que haviam grandes cachoeiras agora corre apenas um filete de água e a nascente que fica no alto da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, está complemente seca, desapareceu. É a natureza respondendo aos abusos do homem “, observou o fotógrafo que recebeu o prêmio Jabuti em 2012 pelo livro “Riquezas de um Vale”.
Martins tem percorrido os 200 quilômetros de serra entre Bragança Paulista e Queluz, trecho da Mantiqueira sob território paulista. Ele informou que para o lado mineiro, que faz divisa com a porção paulista, os rios estão com o volume dentro da normalidade para essa estação do ano. Entretanto, na parte de São Paulo a situação fica cada vez mais grave quando se vem em direção a São José dos Campos, ao Rio do Peixe que nasce na serra e faz parte do complexo da represa do Rio Jaguari.
O Jaguari é o responsável por mais de 80% do abastecimento do sistema da Cantareira, um dos principais da capital paulista. Segundo o jornalista, que é especialista em temáticas ambientais, mesmo nas áreas mais preservadas da Mantiqueira a falta de água é evidente. Em Cruzeiro, próximo com a divisa com o Rio de Janeiro, o volume hídrico de riachos, lagos naturais e cachoeiras começa a diminuir.
“Tem locais em Cruzeiro, por exemplo, que a marca da água na rocha recuou em mais de um metro e está diminuindo com o passar dos dias. Os guias que me ajudaram nas trilhas disseram que nunca viram nada parecido. Os riachos da serra estão com nível muito baixo ou secos, há lugares que as algas já tomaram conta de tudo”, comenta Ricardo Martins.
Outro local que causou espanto foi a Cachoeira do Encontro, em São Bento do Sapucaí. O lugar tem uma queda por volta de 10 metros de altura e uma largura acima de dois metros. No momento, o curso d’água no local é por volta de 5 centímetros. Mesmo sendo um período do ano de estiagem, a própria população nativa do local nunca viu nada semelhante.
“Minha guia me mostrou imagens recentes e é impressionante o que estou presenciando aqui. Simplesmente secou. Ainda não está faltando água nas cidades da serra, mas é uma questão de tempo se esse quadro continuar assim. Eu mesmo estou com o trabalho um pouco prejudicado, pois Amantikir em tupi quer dizer a serra que chora, ou seja, um lugar com abundância de água”, ressaltou.
Outro fato constatado por Martins foi a degradação de áreas de nascente, que tiveram árvores suprimidas. Elas estão sem qualquer afloramento ou com cursos mínimos de água. Em conversa com pequenos proprietários rurais, esses já dizem que estão replantando mudas onde se brotava água na busca por reavivar os olhos d’água.
“O que estou vendo na Mantiqueira é muitíssimo preocupante, para tudo isso se tornar um imenso deserto basta muito pouco. Ninguém se importou com o que era abundante e parecia nunca acabar, agora estão vendo que há um preço a ser pago pela imprudência e descaso”, comentou.
O desmatamento de parte da Serra da Mantiqueira, principalmente do lado mineiro da cordilheira, tem colaborado para a diminuição do fluxo hídrico. Na década de 2000 o lado mineiro passou a considerar parte da alta Mantiqueira como área de preservação, como pelo lado paulista que conseguiu preservar parte dos riachos e nascentes da região. Entretanto, a estiagem iniciada em novembro do ano passado trouxe um cenário novo para a Mata Atlântica de altitude e também para a recarga do lençol freático da bacia da Mantiqueira.
Atualmente, os riachos e lagoas serranas estão com níveis baixíssimos ou mesmo secos. Há relatos que a fauna local, como diversos animais endêmicos como os monocarvoeiros, estão sofrendo com as secas.
Ambientalistas que acompanham nos ecossistemas da Mantiqueira estão preocupadas, inclusive com possibilidade de incêndios nas áreas de araucárias, que tem um potencial de queimada muito grande e gera incêndios de proporções desastrosas, como as ocorridas nos final dos anos 90 no Parque Florestal de Campos do Jordão e praticamente devastou áreas enormes de floresta natural que ainda estão em fase de regeneração.
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado e pós-graduado em jornalismo científico.